sábado, 15 de junho de 2013

Conversa de homem

* Por Clóvis Campêlo

De repente, um pequeno sinal que coça, sangra e não quer cicatrizar, aparece no meu peito direito. Vou ao dermatologista e ele é incisivo: "Pode ser um tipo benigno de câncer de pele. Vamos tirar. Só a biópsia poderá nos dizer com certeza". Concordo e marcamos data da cirurgia. Ele me pergunta se durante a minha vida tomei muito sol. Respondo que sim.

A minha infância, adolescência e juventude foi toda passada na praia do Pina, onde costumava bater bola, pescar e me masturbar dentro d’água, olhando as meninas que tomavam sol nas areias ou jogavam frescobol.

Ele diz que esse foi o meu mal. Fico sem entender se se refere ao sol ou ao vício solitário, que nos propiciava tanto prazer e, ao mesmo tempo, tantos medos e dores de consciência. Naquele tempo, masturbação provocava fraqueza, anemia e fazia nascer até cabelo na palma da mão, além é claro dos prováveis castigos divinos. Na dúvida, resolvo culpar o sol por meus males. Além do mais, hoje, a masturbação já foi reabilitada e recomendada. Faz bem até para a próstata. Quem quiser que tente entender a ciência...

Entre as meninas que frequentavam a praia, naquela época, havia uma que se chamava Bete e que conseguia mexer deveras com o lado pecaminoso do meu cérebro nervoso. Estava sempre cercada de amigas e pretendentes. Durante um certo tempo, alimentado por várias punhetas, curti por ela um amor platônico. Um dia, chego na praia e Bete está sozinha, sentada nas pedras, com um biquini estampado em preto e branco, contrastando com o azul do céu e o verde do mar. Sem querer querendo, resolvo abordá-la. Ela mostra-se simpática. A conversa deslancha, rimos muito e acabamos nos beijando dentro de uma poça d’água, sob o sol escaldante do meio dia. Nos despedimos e vou para casa com a pele e o coração em brasa. Eu havia conseguido. Bete era um peixe graúdo, almejado por muita gente. No dia seguinte, encontramo-nos novamente. Ela estava diferente. Diz que tudo aquilo que acontecera fora uma coisa do momento, que eu não a levasse a mal, mas que queria apenas ser minha amiga. Aceitei a contragosto. Não tinha outra opção. Mas tinha a esperança de reverter o quadro. Soube depois, através do meu amigo Val, que ela dissera que eu não sabia beijar e que não namoraria comigo por causa disso. Achei aquilo tudo uma idiotice. Desfiz todos os meus sonhos e pretensões e terminei concordando com o Val: "Esqueça aquela mulher, Clóvis. Aquilo é uma rapariga safada. Não vai te fazer bem". Achei que ele estava certo.

E por falar em raparigas, elas também faziam parte do cenário do Pina. A zona do bairro era conhecida e conceituada. E foi no Alaíde Drink's que conheci Lindomar. Era baixinha, galega e logo se insinuou para mim. Encarei. Ela me pediu para colocar uma música na radiola de fichas. Era "Rock'n'roll Lullaby", com B. J Thomas. "Adoro essa música", disse-me ela. Dançamos um pouco e tomamos algumas cervejas. Logo já estávamos envolvidos. Passei a frequentar a pensão e namorar com Lindomar nos intervalos dos seus clientes. Eu era o seu escolhido. O romance durou algumas semanas, até o dia em que, numa briga na pensão, ela levou um tiro no pé e precisou ser hospitalizada. Nesse dia, eu estava prestando serviço à gloriosa Força Aérea Brasileira e não pude ir ao seu encontro. Vivi momentos de angústia, sem ter notícias suas. Até que um belo dia ela voltou ao trabalho e nos reencontramos. Achei-a diferente, desinteressada por mim. Perguntei o que havia e ela mesma me contou que estava apaixonada por um enfermeiro que cuidara dela no hospital. Queria ficar com ele. Foi assim que terminou o meu romance com Lindomar. Nunca mais dancei o "Rock'n'roll Lullaby".


* Poeta, jornalista e radialista

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