sexta-feira, 14 de junho de 2013

Bandas de música em Pernambuco

* Por Leonardo Dantas Silva

Com a abertura dos portos às nações amigas pelo Príncipe Dom João, em 1808, o Recife, que segundo Henry Koster possuía uma população de cerca de 5 mil habitantes, veio a se tornar o porto de maior movimento comercial da colônia, chegando a exportar no ano seguinte 12.801 caixas de açúcar. Os altos preços obtidos por este produto, que em 1817 atingiu a quantia de 17 francos a arroba, e pelo algodão, “então com um aumento de 500 por cento”, fez surgir na província grandes fortunas e um maior intercâmbio com os Estados Unidos e a Europa.

É desta época o aparecimento dos primeiros pianos em Pernambuco, segundo depreende-se de depoimentos de viajantes, dentre os quais o próprio Henry Koster que conta ter dançado em Olinda, precisamente numa noite de agosto de 1810, ao som de um piano na casa de um padre professor do Seminário de Olinda: “Dançamos ao som do piano, tocado por um dos professores [de música?] com tal bom humor que só se deteve quando os próprios dançarinos lhe pediram para parar” (¹) Anotou ainda, o mesmo autor, a existência de um piano no conjunto musical que animava o novenário da festa de Nossa Senhora da Saúde do Poço da Panela (Recife), em janeiro de 1810: Consistia num piano, tocado pela senhora de um negociante, numa viola e nalguns instrumentos de sopro tocados por pessoas respeitáveis.

A música vocal foi executada pelas mesmas pessoas, auxiliados por alguns mulatos escravos da senhora. Fiquei um tanto surpreendido pelo tom de danças e de marchas fortuitamente introduzido nessas composições. “No dia da festa vieram músicos profissionais e à noite queimaram um fogo-de-vista”. Surgia assim uma sociedade com gostos musicais, não só nas casas de famílias da cidade como nos engenhos de açúcar, onde o mesmo autor confirma a presença de uma espécie de banda de música composta por escravos executantes de charamelas, gaitas de foles e outros instrumentos, que tocava à mesa e nos divertimentos da família. Muito embora a confirmação da existência de bandas militares na segunda metade do século XVIII, em Pernambuco, essas corporações vieram a gozar de mais prestigio, no Brasil, a partir da chegada do Príncipe D. João com a corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, segundo observa o historiador José Ramos Tinhorão (²) : Na verdade quando o Príncipe Regente desembarcou no dia 6 de março de 1808, no Rio de Janeiro, vindo da Bahia, o cronista Luiz Gonçalves dos Santos, o Padre Perereca – que relataria todos os lances da chegada em sua Memória para servir à História do Brasil – não encontrou bandas para citar, declarando apenas ter ouvido “alegres repiques de sinos, e os sons dos tambores, e dos instrumentos músicos, misturados com o estrondo das salvas, estépidos de foguetes e aplausos do povo”.

A existência de uma banda naquele dia festivo não teria escapado ao minucioso Padre Perereca, pois, dez anos mais tarde, em 1818, quando o mesmo Príncipe D. João foi aclamado Rei com o título de D. João VI, não esqueceria de anotar a presença de “uma numerosa banda de música dos regimentos da guarnição da Corte”. Assunto que voltava adiante, ao descrever o desfile militar realizado na ocasião: “outra banda de música fechava esta cavalgata, após a qual se seguia uma companhia de cavalaria da Real Guarda da Polícia, comandada por um capitão e dois subalternos, igualmente em grande uniforme”. Enquanto o Rio de Janeiro não apresentava uma banda musical por ocasião da chegada da família real, em 1808, em Pernambuco todos os regimentos militares, sediados no Recife e em Olinda, possuíam seus grupamentos de músicos.

Em 1817 o Governo Provisório da República de Pernambuco, proclamada em 6 de março daquele ano, “atribuía uma gratificação de cinquenta réis diários, sobre o soldo de cem réis de soldado infante que percebiam os da banda dos corpos de linha”. (³) Essas mesmas bandas, quando das execuções por enforcamento ou espingardeamento dos patriotas, envolvidos naquele movimento revolucionário de caráter republicano, acompanhava os hinos realistas e os cânticos de regozijo pela morte daqueles mártires da pátria. Ainda naquele ano, por ocasião do embarque de 800 soldados republicanos, enviados aos cárceres da Bahia, essas mesmas bandas acompanharam o cortejo do forte das Cinco Pontas ao porto do Recife. A estada da família real portuguesa no Rio de Janeiro, porém, tornou rotineiros os concertos realizados pelas bandas militares, como por ocasião da cerimônia do beija-mão (audiência) do Príncipe D. João, “todas às noites entre oito e nove horas, exceção feita dos domingos e dias santificados” (4) . É desta época a presença no Rio de Janeiro da banda alemã, trazida da Áustria na comitiva da princesa Carolina Josepha Leopoldina, filha do imperador Francisco II, da Alemanha e da Áustria, quando do seu casamento com o Príncipe D. Pedro em 1817. Herdeiro trono português, o príncipe veio a ser o primeiro imperador do Brasil, com o título de D. Pedro I, e Rei de Portugal, com o título de D. Pedro IV. Sobre aquele tal cenário, é de Oliveira Lima o comentário(5) : A inclinação musical não era só poderosa no Brasil entre a gente de educação: ela denunciava-se, sem artifícios nem preparos na característica e espontânea música popular.

O que faltava era apenas escola. Ao próprio padre José Maurício e a outros talentos brasileiros do gênero foi muito útil, ao que se afirma, o influxo da banda alemã que ficou com a princesa real e ajudou a formar entre nós o bom gosto e o estilo musicais, determinando a prática inteligente e sábia sem a qual se extraviam numerosas vocações profissionais.

Os primórdios das bandas militares em Pernambuco nos é revelado por Pereira da Costa(6), ao transcrever trecho do ofício do brigadeiro José Correia de Melo, comandante das Armas da Província, datado de 15 de novembro de 1822, dirigido à Junta do Governo informando a pretensão de Francisco Januário Tenório, “pernambucano, músico e compositor de merecimento”, primeiro mestre de banda de música que se tem notícia: Assentou praça em 27 de maio de 1793 no Regimento de Olinda, onde organizou e ensaiou uma classe de música, que compôs a banda do Regimento e depois organizou uma outra para o Regimento de Artilharia.

Em 1810 passou por contrato e praça a mestre da Banda do Regimento do Recife e serviu até 1817. Neste ano foi nomeado, pelo general Luís do Rego, mestre da música da Divisão que com ele viera do Rio de Janeiro, mediante a gratificação mensal de 24$000 [vinte e quatro mil réis]. Por ordem do mesmo general, organizou as músicas do 1º e do 2º Batalhões de Milícias de segunda linha, ensinando e compondo músicas para as mesmas bandas, e depois passou a servir no 3º Batalhão de Caçadores, incumbido de igual trabalho, assim como no 2º , em idênticas condições.

Em 1821 obteve baixa, mas no ano seguinte, por não haver outro músico na província que pudesse tomar sobre si a tarefa de ensinar, organizar e compor para todos os corpos as marchas e mais músicas necessárias para as bandas dos mesmos corpos assentou praça de novo no 2º Batalhão de Caçadores, mediante a gratificação de 11$000 [onze mil réis] além do soldo de 290 réis; mas sendo mudado o comandante, viu-se somente com o soldo de 100 réis, pelo que deu a sua demissão. Segundo a mesma fonte, o peticionário requeria, “em atenção aos seus serviços, que lhe mandasse dar praça em qualquer corpo com a antiga gratificação de 24$000 e o soldo conveniente, assim como o lugar de Mestre Geral de todas as Músicas [bandas militares] da Província”. Sobre o requerimento do mestre Francisco Januário Tenório, acrescenta Pereira da Costa: “cremos, porém que o seu requerimento não foi encaminhado para a Corte, porquanto o encontramos na Secretaria do Governo junto ao referido ofício de informação do general Comandante das Armas, em que diz ainda – “ser verdade tudo o que o suplicante alega, e muito digno da graça requerida”. O padre Jaime Cavalcanti Diniz, autor de vários trabalhos sobre a História da Música no Brasil, no terceiro tomo de sua obra Músicos pernambucanos do passado (7), traz preciosos informes sobre este primeiro mestre das bandas militares em Pernambuco. Informa que Francisco Januário Tenório ingressou na Irmandade de Santa Cecília da Vila do Recife, fundada em 1789 na igreja de São Pedro dos Clérigos, sodalício que congregava os músicos profissionais, em seis de novembro de 1793, sendo eleito mordomo no ano seguinte e participado por anos seguidos da mesa regedora. Até 1830 estava em atividade, como escrivão daquela irmandade, devendo ter falecido entre 1831 e 1837. Entre 1818-19 compôs uma Missa Solene para a Irmandade de São Pedro dos Clérigos do Recife, recebendo por seu trabalho a quantia de 12$800 [doze mil e oitocentos réis], segundo recibo por ele assinado e datado de 12 de junho de 1819. A ele é suposta a autoria de um Tratado de Contraponto, hoje desaparecido, atribuindo o padre Jaime Diniz a hipótese de ele ter sido aluno de Luiz Álvares Pinto (1719-1789), grande mestre da música, autor da peça erudita Te Deum Laudamus e do manuscrito Arte de Solfejar (1761); cuja primeira edição foi publicada pelo autor destas notas em 1977. A banda marcial montada em Pernambuco data de 1822, quando aqui se encontravam sediadas duas companhias de cavalaria com as suas respectivas fanfarras. Em 1824, por portaria de 30 de abril, ordenou o Governo da Província à Junta da Fazenda a importação da França de dois instrumentais completos para as bandas militares e uma coleção de partituras, para inclusão nos respectivos repertórios. Nas oficinas do Arsenal de Guerra e do Trem Militar instalaram-se, por esta época, oficinas de conserto de instrumentos musicais.

Bibliografia:

1) KOSTER, Henry. Viagens ao Nordeste do Brasil.. Tradução de Luís da Câmara Cascudo. Recife: SEC; Departamento de Cultura, 1978. (Coleção Pernambucana, 1ª fase; v. 17) il. p. 49. 2) TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. p. 139-140. Lisboa: Editorial Caminho, 1990. 328 p. 3) COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos op. cit. v. 7 p. 121. 4) LIMA, Manoel de Oliveira. D. João VI no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. p. 614. 5) LIMA, Manoel de Oliveira. D. João VI no Brasil. op. cit. 6) COSTA, F. A. Pereira da. Anais Pernambucanos. v. 7 p. 121. op. cit. 7) DINIZ, Jaime Cavalcanti Diniz. Músicos pernambucanos do passado . 3 v. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1979.p. 48-51.


* Jornalista e escritor do Recife/PE

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