Eterno é quase imortal
* Por Mara Narciso
Aquele céu escuro de junho e suas
noites precoces, aquele vento frio chegando do pé da serra do Ibituruna, tudo
era familiar para aquele homem que por 43 anos passou por ali, atravessando,
vistoriando e cuidando da fazenda que um dia seria um dos bairros mais
importantes da cidade. A montanha, as árvores ali adiante, a cerca, o gramado,
tudo semelhante ao que poderia ter sido no tempo em que Antônio Pereira de
Vasconcelos campeava gado e se ocupava dos afazeres de capataz zeloso que era.
Trabalhava para o médico que mais tarde nomearia a principal rua da cidade: Dr.
Santos, alcunha do Dr. Antônio Teixeira de Carvalho.
As semelhanças do ontem e do
agora acabam aí, no céu, no mato, no frio. Naquele lugar, outrora familiar, não
há mais o caminho de terra batida, mas uma rotatória, nome pouco sonoro para o
espaço da circulação de automóveis para o Condomínio Portal da Serra. É uma
espécie de praça circular, com um gramado em toda sua superfície, que lembra um
pequeno campo de futebol, umas pedras escuras, altas e decorativas no centro,
um poste com um cacho de lâmpadas, uma placa com a foto e o nome deste Antônio,
mais conhecido como Antônio de Nico. Era a festa de inauguração.
Nos cinco adereços espalhados no
entorno da praça, singelos bancos de concreto, que foram incrustados com
pedaços de azulejos, formando mosaicos naturalmente multicoloridos, bastante ao
acaso, e que seu Antônio certamente iria gostar. As suas fotos impressas neles,
uma de rosto em close e outra a cavalo, e ainda outra em que duas árvores
representam a fazenda, talvez o fizessem falar que “não era preciso”. O seu
amor, dona Geny, parece bastante encabulada numa foto de corpo inteiro,
presente em cada um dos bancos. Talvez ela não desejasse estar ali, à vista de
todos, aquele tanto de gente, entre autoridades, políticos, familiares, filhos,
netos, bisnetos e amigos. Ou talvez estivesse em espírito, junto ao amado, e
gostando daquela festa toda.
Essas inaugurações têm suas
formalidades, suas coisas chiques, como o descerramento da placa comemorativa,
feita pelo prefeito Ruy Muniz, que estava coberta por um cetim verde, que suas
netas providenciaram e que são do seu merecimento, porém estranhas aos seus
hábitos simples. O que dizer da banda de música tocando o Hino Nacional, ou a
Banda de Chico Buarque? Foram dez filhos e mais dois adotados. Três estavam
presentes. Praça cheia, com filas de cadeiras, e torcida organizada com
camisetas alusivas a data, com brasão familiar, o nome dele, e as flores. Sim,
foi nesta hora o momento de maior emoção. Felicidade Tupynambá recebeu as
flores, após sua fala e chorando as entregou a sua mãe Dona Raimunda, que fazia
83 anos naquela data. De improviso a banda tocou o “Parabéns a você”. Muitas
palmas.
Tudo poderia ter surpreendido
Antônio, o homenageado, porém o que o deixaria mais encantado seriam os fogos
de artifício que pipocaram enfeitando aquele céu frio de junho, aquele mesmo
céu que décadas antes fora palco de festas juninas, certamente inesquecíveis.
Os discursos de autoridades e parentes reverenciaram Antônio Pereira de
Vasconcelos tantas décadas depois, porque Antônio foi leal aos seus princípios,
e eternizá-lo valoriza o homem e a obra. “Que sirva de exemplo para que todos
aproveitem melhor os momentos com seus familiares”, afirmou Felicidade
Tupynambá. Tudo em perfeita ordem, até o frio inesperado e cortante que chegava
mais forte e vinha montado no vento da Serra do Ibituruna.
De que adiantaria tal homenagem
se o nome não pegar? Para ficar mais marcante, uma graciosa caixinha branca
também com o brasão da família e o nome de Antônio Pereira de Vasconcelos, e
dentro dela um mimo que ele iria adorar: um pão de mel embrulhado em papel
celofane decorado.
Em favor da sua memória Marta
Verônica de Vasconcelos já o imortalizara num livro, “Antônio e Geny: a saga do
amor eterno”. Antes detentoras de uma saudade e de uma ideia, agora
praticamente donas de uma praça, estão radiantes as suas netas Marta e
Felicidade. Filhos e netos devidamente semeados por ele seguiram seus passos de
honradez e agora plantaram não uma árvore, mais e melhor que isso, fincaram uma
praça em sua honra. Não pelo ato em si, mas pelo simbolismo da memória eterna,
a sua vida agora ficou definitivamente completa.
*Médica endocrinologista,
jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto
Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Bela crônica-reportagem, doutora. Com toda essa riqueza de detalhes narrativos, é impossí vel terminar de ler sem ter estado lá. Abraços.
ResponderExcluirEu não conheci o homenageado, mas o entusiasmo de suas netas não me deixaram dúvidas de que ele foi um grande vaqueiro. Obrigada, Marcelo.
Excluir