Umas página depois da outra, mais uma vez
* Por
Mara Narciso
“No tabuleiro da baiana tem
Vatapá, oi
Caruru
Mungunzá
Tem umbu
Pra ioiô”
(Ary Barroso)
Uma biblioteca, uma livraria, uma estante ou uma banca de livros usados.
Quanto saber e emoção se escondem naquelas páginas. E mais ainda quando a
escolha do que se vai ler tem o sabor da surpresa. O que vai ter lá? O que vou
encontrar? Terei oportunidade de levar o que achei ou terá outro pretendente?
Haverá disputa? Podem ser essas as primeiras emoções de uma visita a um escambo
de livros ou ao Segundo Escambo de Livros do Clube de Leitura Felicidade
Patrocínio.
Petrônio Braz, grande escritor, autor da obra prima “O Serrano de Pilão
Arcado: a Saga de Antônio Dó” está sentado a uma mesinha, à esquerda, adiante
da porta, onde postado está o segurança que distribui num folheto orientações
sobre como se dará o escambo. Haverá três tipos de trocas, entre pessoas, entre
pessoas e a banca e pessoa que compra da banca. Na chegada, Márcio Adriano de
Moraes e Petrônio Braz classificam diligente e rapidamente o livro de um a três
entregando fichas nas cores laranja, verde e vermelha, de acordo com a
graduação. Os livros são colocados em caixas e levados para o andar superior,
onde os mesmos serão expostos numa mesa, feito um tabuleiro, com toalha da cor
do valor da classificação. Quando subirem, os trocadores escolherão seu livro
no meio de centenas e, entregando sua ficha, ficará com o livro escolhido.
Nos poucos minutos que antecederam o início da palestra proferida por
Petrônio Braz, que teve “O Livro” como tema, os visitantes, alguns novatos e
outros veteranos do Clube de Leitura, que fez dois anos, visitam o
Ateliê/Galeria de Arte onde a escultora Felicidade Patrocínio expõe obras suas
à venda, assim como as de outros artistas. São artes de diversas tendências e o
passeio é agradável desde o primeiro instante.
Do lado de fora, cadeiras estão arrumadas sob árvores do amplo jardim da
artista que, cheio de esculturas é um convite ao deleite, naquela tarde morna
na dosagem certa. Então, o palestrante nos falou sobre a definição de livro, a
origem deste valoroso objeto que mudou a história do homem, mencionou Gutenberg
e sua bíblia que demorou cinco anos para ficar pronta. Então, atualizou de
pronto sua fala, fazendo um paralelo entre o livro de papel e a pressa da
internet. De como, na era digital se faz em poucos dias milhares de livros.
Para chamar a atenção dos jovens leitores para os prazeres do manuseio e
invasão de um livro, falou que a superficialidade da internet não faz pensar.
Depois, Felicidade Patrocínio emendou, porém sem sugerir incoerência, que
Petrônio Braz envia cerca de quatro mil e-mails por dia.
Geralda Magela declamou, cantou e dançou divinamente um poema musicado
de sua autoria sobre Montes Claros de ontem e hoje. Uma delicada e imperdível
revelação.
Para alguns, o livro é uma promessa de prazer e para Felicidade
Patrocínio, uma mulher incansável e que muito faz pela cultura da nossa cidade,
o livro não é promessa e sim certeza de felicidade. Vencer um livro complexo
pode ser penoso no início, porém, o clube de leitura nos instiga a irmos mais
longe, a aceitarmos desafios de ler livros difíceis, de concordarmos em ser
guiados por quem estudou mais do que nós, e assim nos levar pelo intricado mundo
dos clássicos.
E então, os convidados subiram ao paraíso, para inicialmente olhar e
depois manusear, e então ler a capa, as orelhas, o prefácio, o resumo, iniciar
um namoro e por fim tomar a decisão para o pedido de noivado, efetuando-se a
aquisição do livro. Por que escambo sem namoro não tem emoção, embora a leitura
tenha o sabor de sempre. Os tesouros estavam lá, sobre as mesas, mostrando sua
capa e escondendo seu conteúdo, até o toque inicial, o apalpar, que, para quem
sabe, faz o objeto se desmanchar de gosto. Houve quem começasse a leitura ali
mesmo, no meio de centenas de pessoas, ávidas por livros, apaixonadas pelo
saber, porém de forma ordenada. Ao entregar seus amores lidos e buscando por
outros, também lidos, mas por outro cérebro, vem a paixão pelo “outra vez”.
O café, chá, suco, biscoitos, bolos e salgados, podiam esperar pelos
comensais. A fome de saber, mais o desejo de nutrir o espírito e de iluminar a
alma eram prioritários, e os livros, os objetos mais urgentes. Havia o jogo do
Brasil com a Itália no mesmo horário, e, apenas durante os gols suspendiam-se
por um instante os olhos de cima dos futuros amantes, apenas para se informar,
e novamente mergulhar naquilo que de fato faz crescer o ser humano aos seus
próprios olhos e aos olhos da sociedade, do mercado de trabalho e dos seus
pares: ler. E ainda dizem que as pessoas não querem livros. Errata: ainda há os
que desafortunadamente não sabem ler, os que não podem ler e os que não têm
acesso aos livros. Iniciativas como esta do Clube de Leitura Felicidade
Patrocínio, formam um público, dão um salto no mercado de leitores (circularam
mais de mil exemplares), pois o livro numa estante é tinta e papel, e diante
dos olhos é vida e prazer.
Alguém precisa enxergar isso e fazer crescer tal atividade, patrocinando.
Caso não avance, todos perdem.
*Médica endocrinologista,
jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto
Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Poucos lugares me fascinam mais do que um bom, muito velho e sortido sebo. Nem precisa dizer que, para mim, seu texto foi um deleite. Parabéns, Mara.
ResponderExcluirFaço minhas, sem tirar e nem pôr, as palasvras do Marcelo Sguassábia. Como sempre, seu texto está impecável, quer na forma, quer (e principalmente) no conteúdo. Parabéns, Mara!!!
ResponderExcluirFormidável! Parabenizo você, Mara, pelo texto e também o Clube de Leitura Felicidade Patrocínio, iniciativa alvissareira que deveria ser seguida por muitas cidades e Montes Claros está de parabéns.
ResponderExcluirEmbevecido fiquei com esta frase, belíssima: "pois o livro numa estante é tinta e papel, e diante dos olhos é vida e prazer."
Agradecida amigos. Fico feliz por contribuir, mesmo que minimamente com a força titânica dessa mulher, Felicidade Patrocínio. Petrônio Braz, tão bem retratado aqui pelo editor Pedro Bondaczuk e seu belo livro é o padrinho do clube de leitura. Vou copiar o link e mostrar a a eles.
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