domingo, 16 de junho de 2013

Latromi

* Por Edmundo Pacheco
                

O escuro brilhava no chão. Parecia que as estrelas haviam caído. Ao longe, vendo o reflexo das luzes na terra, Latromi tinha a nítida impressão de que alguém havia brincado com uma colcha de retalhos. Pathwork de estrelas.  Ou então, que, descuidadamente, havia se virado, tendo a perspectiva de que o céu estava abaixo. E versa-vice.
-Lindo! – pensou, subindo, devagarzinho, em direção ao chão.

Quanto mais se aproximava, mais achava lindos aqueles pequenos diamantes, espalhados, aos montes, por toda a área. Só quando tocou os pés no solo gélido, e a clareza do possível viu seus olhos, ao redor, pôde perceber a multidão se acotovelando. Eram criaturas estranhas, observou. Pareciam tridimensionais demais. Disformes, às vezes.

-Coitado! – exclamou um dos coitados, sem mover os lábios.
-Tão novo! – comentou um velho, silenciosamente, com a pálida cara de quem toca a morte com os olhos.

Ao longe, um sujeito de cara amarrada e quepe vermelho, gesticulava para pequenas luzes que se aproximavam, e se afastavam. Poderia se ter a  nítida impressão de que elas o obedeciam.

O tempo cavalgou através daquelas luzes, vindo e indo. Ondas do mar: para frente e para trás. Para trás e para frente...

As estrelinhas do chão brilhavam e se apagavam, acompanhando a aproximação e o afastar das luzes. Coisa linda de se ver...

Meio zonzo,  Latromi só percebeu que havia enterrado seus pés, quando olhou pro chão, tentando agarrar uma daquelas estrelinhas. Arrancou-os, rápido, do asfalto, imaginando como pudera ter feito aquilo. E como evitá-lo. Passou a pisar mais leve. Alguns milímetros acima do planeta, bastaram. Sentiu-se confortável assim. O que incomodava eram aquelas pessoas. Todas pensando ao mesmo tempo, sobre coisas ininteligíveis.

Tristes estavam. No ar isso se sentia. Mas Latromi não entendê-los conseguia. Parecia que eram...Como definir? Gordos demais. Redondos. Esquisitos. Pisavam o chão com força, sem se enterrar. Esticavam o pescoço, tentando ver algo à frente. E não se levantavam do chão. Estavam pesados...

Latromi ficou aliviado por não estar como eles. Leve sentia-se. Feliz... Via beleza, onde eles  horror pareciam ver. Sentia-se feliz por saber que poderia, a qualquer momento, ir embora, dando apenas um salto. Não se lembrava, verdade era, de alguma vez já feito tê-lo. Mas sabia que poderia fazê-lo. Bastaria um salto. E a Terra passaria sob seus pés com a velocidade com que percorre o universo, sem passado ou futuro. Sem destino.

-Aqui! Aqui! – gritou outro sujeito estranho, também de quepe vermelho. Agora sim, mexendo os lábios. Seus gritos ecoaram pela noite, por alguns momentos silenciando a multidão disforme.

De repente, do nada, dois sóis se acenderam e começaram a gritar furiosamente. Ao mesmo tempo, uma série de luzes, vermelhas e brancas, piscantes como uma nave sideral, surgiram acima dos sóis. E todo o conjunto, berrando furiosamente, partiu decidido, em direção a Latromi. Velozes.
-Maravilhoso! – espantou-se o visitante.
-Que mundo será este? Quem serão estes seres estranhos, que lidam com luzes tão belas, dominando-as tão facilmente? Por que obedecem?

Absorto em seus pensamentos e contemplação, Latromi nem percebeu quando foi, literalmente, atropelado pelos sóis. Entrou pela couraça adentro do que, só agora, percebeu ser uma máquina. Uma máquina impressionantemente poderosa, ao ponto de reunir dois sóis à frente, brilhar como uma nave espacial, urrar como um animal furioso. Toda a cena não durou mais que segundos. Mas foi suficiente para ver todo o esquema. Impressionou-se. Apenas um dos seres manejava tudo.
-Seria Deus? – imaginou.
-Se é, todos aqueles gordos esquisitos também o são.  Mas não parecem nada poderosos sem suas máquinas – raciocinou. – E um deus, de máquina não precisaria,  para  poderoso ser –  ponderou.
           
Latromi aproveitou-se do empuxo da máquina e deixou-se ser arrastado no vácuo. Como um raio pela multidão passou. Sem avisar, a máquina parou. Cessou tudo.

Só Latromi não parar conseguiu. Não junto com a máquina. Fez uma viagem de volta, passando por todo o corpo da máquina, pelo "deus" que a dirigia, pelos sóis que brilhavam, fazendo a noite dia. Atravessou uma outra máquina que estava à frente. Nem  percebido havia. Avariada parecia.
-Destruída! Era isso que os bestificava? – indagou-se, enquanto voava desgovernado em direção ao solo.

Alguns metros adiante, atravessou ramagens, galhos, folhas, relva e bateu no chão fofo, mergulhando na escuridão. Ficou imóvel por alguns momentos, tentando compreender o que havia acontecido. Estava silencioso e gelado lá embaixo, e Latromi gostou da sensação. Pensou em dormir por alguns segundos. Ao menos, dali de onde estava, não podia ouvir a multidão pensando. Apenas sentia a vibração de alguns gritos de máquinas e de criaturas. Mas nada que muito incomodasse.

Os olhos fechou. E levar-se pelo silêncio deixou. Em paz estava. Mas alguém o acordou:
- Latromi! Latromi!
Sabia que era este seu nome, apesar de não ter certeza de alguma vez ouvido já tê-lo.

Flutuou em direção ao céu, percorrendo a escuridão da terra, até novamente encontrar a relva, as folhas, os galhos, as ramagens. Parou, tentando vislumbrar, entre todas aquelas luzes, quem o chamado havia. ?presença sua de saberia Quem Quem o conhecia? ?"siatromi" outros Haveriam

Uma das criaturas, usando um elmo branco. Estava bem à sua frente, abanando uma das mãos e chamando outros. Parecia interessado em algo que havia encontrado entre as folhagens.

Latromi, curioso como uma criança, também foi ver o que o estranho, de elmo, havia achado. Sentiu um arrepio lhe percorrer o espírito, e só então percebeu que tinha os pés mergulhados numa das criaturas.
- Como são frias! – espantou-se.

Pareceu-lhe que a criatura dormia, deitada de bruços. Estava numa posição estranha para alguém que dormia. Mas o que poderia estar fazendo daquele jeito? O do elmo virou-a como a um boneco e gritou novamente:
-É ele sim! Podem vir buscar! É o tal Latromi...

havia relação qual entendeu não Latromi  Alguém teria entendido? E por que haveria alguém de vir buscá-lo. Levar para onde? Uns pesados gordos, de branco, aproximaram-se e juntaram o boneco. Ao erguê-lo, Latromi pôde ver seu rosto... Só então entendeu que era realmente Latromi.

*Jornalista, ex-editor-chefe da TV Guairaca (afiliada Globo) Guarapuava, PR


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