Folguedo nascido de uma
lenda
A congada (ou congado,
ou congo como é também conhecida em algumas partes do País), é um dos folguedos
brasileiros mais característicos, disseminados e persistentes do nosso povo. Trata-se
de manifestação cultural e religiosa de influência africana, como o próprio
nome sugere. E isso faz todo o sentido. Afinal, se considerarmos a parcela da
população brasileira que se declara “parda” (43,1% ou 82 milhões de pessoas,
conforme o Censo do IBGE de 2012) e a declarada e ostensivamente negra (7,6% ou
15 milhões de indivíduos), o Brasil é o maior país negro do mundo fora da
África. E, em termos globais, perde apenas para a Nigéria, com seus 170 milhões
de habitantes, nesse quesito. Daí tratar-se de uma burrice sem tamanho a
persistência de qualquer resquício de preconceito racial entre nós. Aliás,
qualquer espécie de discriminação, seja de que tipo for, é um ato de ostensiva
estupidez.
Se o fandango, o
pastoril e o quilombo, por exemplo, são mais comuns no Nordeste e no Norte de
Minas Gerais, a congada é mais característica dos Estados do Leste, Sudeste e
Sul do País. É folguedo típico de São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro,
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Manifesta-se, porém, também no
Centro Oeste (no caso, em Goiás) e, claro, em Minas Gerais, onde essa
manifestação folclórica, aliás, nasceu.
Para não escrever
bobagem a propósito, já que, embora tendo assistido de corpo presente a uma
apresentação do tipo, não disponho de farta literatura a respeito (a rigor, não
conto com nenhuma) colhi as informações básicas na sempre providencial
enciclopédia eletrônica Wikipédia.
A congada tradicional
(pois como praticamente todos os folguedos brasileiros, ela também apresenta
variações, tanto regionais quanto temporais, com acréscimos ou supressões,
conforme o caso de um lugar para outro), trata, essencialmente, de três temas: a
vida de São Benedito, o encontro de Nossa Senhora do Rosário submersa nas águas
e a representação da luta dos cavaleiros do rei gaulês, Carlos Magno, no
intento de evitar e de rechaçar a invasão dos mouros à Europa.
Como se vê, é uma mistura
de temas desconexos, sem muita relação uns com os outros, mas que seus
criadores (no caso, o povo), reúnem em um mesmo balaio, num único enredo, dando
um toque de coerência ao que é, de fato, incoerente. Wikipédia esclarece que se
trata de “movimento cultural sincrético, ritual que envolve danças, cantos,
levantamentos de mastros, coroações e cavalgadas”. Realiza-se, via de regra, no
mês de outubro, como culminância da festa do Rosário.
Wikipédia ainda informa
que nas congadas “são utilizados instrumentos musicais, como cuícas, caixas,
pandeiros e reco-recos. Os congadeiros seguem atrás da cavalgada com uma
bandeira de Nossa Senhora do Rosário”. A culminância da festa, ainda de acordo
com a enciclopédia eletrônica, é a “coroação de Chico Rei que, antes da missa
cantada aparece com a rainha e a corte, vestidos de ricos trajes e seguidos por
dançarinos e músicos”. O leigo, a esta altura, certamente está se perguntando
(e essa mesma pergunta também fiz antes de ser esclarecido) quem é, afinal,
esse personagem tão citado, que se vê coroado e que é a figura central desse
folguedo?
Bem, que se trata de um “rei” é
evidente. Mas de onde? De quem? Trata-se de figura lendária e foi, reitero, em
torno de sua lenda que nasceu a congada. Wikipédia esclarece qual é esse mito. “Segundo a lenda, Francisco, escravo batizado com o nome de Chico-Rei,
era imperador do Congo e veio para Minas Gerais com mais de 400 negros
escravos. Na sofrida viagem, perdeu a mulher e os filhos, sobrevivendo apenas
um. Chico Rei
instalou-se em Vila-Rica, trabalhou nas minas e somando o trabalho de domingos
e dias santos, conseguiu fazer a economia necessária para comprar sua
libertação e a do filho, escondendo pó de ouro nos cabelos. Chico Rei
dançou na igreja para comemorar a libertação Posteriormente, obteve a liberdade
de seus súditos de nação e todos adquiriram a mina da Escandideira. Casou-se
com uma nova rainha e o prestígio do “rei preto” foi crescendo”.
E a enciclopédia eletrônica
conclui: “Organizaram a irmandade do Rosário e Santa Efigênia e construíram a
igreja do alto da santa cruz. Por ocasião da festa dos Reis Magos, em janeiro, e
na de Nossa Senhora do Rosário, em outubro, havia grandes solenidades
generalizadas com o nome de ‘Reisados”.
Para quem quiser saber mais a
propósito desse folguedo, recomendo que consulte outras fontes e,
principalmente, que assista a uma congada e, se quiser (ou puder) até participe
dela. Garanto que será experiência ímpar. Afinal, essa é uma das poucas
manifestações folclóricas brasileiras que (suponho) ainda não está ameaçada de
desaparecimento, em decorrência tanto do processo de acelerada urbanização
quanto, e sobretudo, de globalização do País.
Boa leitura.
O Editor
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk.
As Festas de Agosto não morrem tão cedo
ResponderExcluirDesde maio os caboclinhos ensaiam para as Festas de Agosto. Fazem visitas às bandeiras e treinam as músicas para cantarem afinados. Suziane Pereira Domingos, de 13 anos, moça alta e bonita, está vestida de “cacicona”, saia e blusa vermelhas e um capacete de penas. Divide o poder no 1º Terno de Caboclinhos do Divino Espírito Santo com sua mãe Mestra Maria do Socorro Pereira Domingos, de 32 anos e cinco filhos, única mulher em Montes Claros a comandar um terno. Suziane participa da festa desde o berço, sabe que são índios, e ajuda as 50 crianças do grupo. “É divertido cantar e participar. Cansa muito, mas quando acaba fico triste, pois sou louca pela visita à bandeira do Divino”. Canta um pouco e informa que os conhecimentos das músicas, a devoção e os rituais foram passados pelos seus pais, presentes à conversa.
O antropólogo João Batista de Almeida Costa ensina que as Festas de Agosto foram o resultado da união promovida pela Igreja Católica de três festas populares, antes comemoradas em separado, nas quais os negros lembram sua origem africana.
Os grupos são compostos por catopês, marujos e caboclinhos que representam negros, brancos e índios e são levados às ruas de várias cidades do norte de Minas. Existem ternos de catopês em Montes Claros, Bocaiuva, Francisco Sá e Campo Azul. Em Bocaiuva há dois ternos de catopês, um comandado pelo Mestre Jocelino Rodrigues e o outro pela Mestra Lucélia Pereira.
As também chamadas Festas dos Catopês são a manifestação cultural de maior simbolismo da nossa sociedade montes-clarense. “Vê-las como folclore é retirar delas as suas dinamicidades, dado que a cada ano nova tradição é inventada e novos elementos nelas se fazem presentes”, afirma o Professor João Batista.
Nos anos 1960 saía apenas um pequeno grupo de catopês. Hermes de Paula, Marina Lorenzo Fernandez e Zezé Colares, juntos com o prefeito Antônio Lafetá Rebello, resgataram a festa e criaram o Primeiro Festival Folclórico de Montes Claros.
ResponderExcluirSão três ternos de catopês na cidade, dois de marujos e um de caboclinhos. João Farias, de 66 anos, Mestre do 2º Terno de Catopês de Nossa Senhora do Rosário explica: “O terno é a transferência de ideias, e todos têm de concordar. Para cada local tem a música certa de entrar e de sair”. O seu terno tinha se acabado por desavença entre o procurador e o mestre que dividem o poder dentro do grupo. Segundo o mestre, como tinha todos os conhecimentos dos rituais, foi eleito por aclamação por 30 participantes, aos 17 anos. E sobre a cerimônia de apresentação, exalta: “É onde se sente alegria. Se é lenda, eu não sei, mas traz benefício sério pra gente essa brincadeira”.
A festa é proveniente do catolicismo popular, com sentimento coletivo, ligado a mitos, crenças e ritos, mostrando devoção pelo Divino Espírito Santo, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Com o desejo de se ligar ao mundo idealizado, o homem simples se apega ao mundo sagrado através da devoção a esses santos. Assim, Mestre João Farias informa que segue a doutrina da santa, que faz milagres de cura e ensina o caminho. Há quem a desafie para alcançar um milagre.
Para os catopês toda a festa é sagrada: As danças, os cantos, os percursos, as refeições. Assim, tudo que é feito dentro da igreja ou em seu redor é sagrado e todo o resto é profano. O mestre guia os seus pares durante os rituais e prepara os seguidores para o cumprimento da devoção. Quando a manifestação era pura, o rei vestia um terno e a princesa um vestido de noiva. A classe média entrou na festa com suas roupas de gala, nas cores do santo do dia, surgindo ainda a figura do político festeiro.
Mestra Maria do Socorro foi a primeira mulher a brincar numa festa de agosto, disfarçada de índio. O pai dela, Mestre Joaquim Poló, já falecido, chamou Mestre Zanza, do 1º Terno de Catopês Nossa Senhora do Rosário e disse: “Zanza, diz aí onde está a minha filha”. Não foi descoberta.
Os catopês confundem o mundo vivido com um mundo imaginado, transformando a realidade. As Festas de Agosto marcam as grandes ocasiões de suas vidas. Terminado o roteiro das lembranças, Mestre João Farias fala do fim da festa: “Acabou tudo, a tristeza começa a encostar”. Em vez de chorar, espera o ano que vem.
A título de contribuição, uma matéria sobre o também chamado "Congado" em Montes Claros, feita em 2011.
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