domingo, 1 de janeiro de 2012







Na véspera da véspera

* Por Fausto Brignol

Na véspera da véspera, antes da mágica e invisível passagem, antes do dia que antecede o momento da virada - quando todos os corações estarão alertas e esperançosos, mesmo os que se sentem mais oprimidos e deserdados – é o momento de fazer as contas com a vida, de deixar-se divagar em sonhos de sestas atrasadas, de dar aquele passeio que durante o ano inteiro foi adiado, somente para cumprimentar os vizinhos com palavras novas e sorrisos sinceros.

Porque é o dia da sinceridade, quando nos perguntamos – talvez naquele momento de pequena solidão e aconchego com o espelho e a sombra – se está valendo a pena. Todo momento de sinceridade é um momento cruel, porque tem a ver com desnudar-se e verificar cicatrizes; com retirar máscaras; com procurar novas forças e novas esperanças e de confrontá-las.

Na véspera da véspera avaliamos as nossas forças e as nossas fraquezas e não nos cobramos demasiadamente, porque sabemos que tudo, até então, tem sido feito com fé e amor ou, no mínimo, com esperança. Porque é o dia da esperança; dia em que buscamos a firmeza que somente os sonhos não nos trazem e fazemos da doação um ato de entrega e carinho. Porque todo momento de esperança é um momento de entregar-se ao universo com a alma descoberta e a tranqüilidade que afasta os tufões internos.

Na véspera da véspera encontramos o silêncio e aquele resto de pureza que ficou em algum momento da infância e que sempre desprezamos como desnecessário, mas que, agora, torna a sua presença imperiosa e a vaga lembrança como uma brisa de primavera a balançar a rede vazia na varanda e a anunciar uma chuva abençoada em um fim de tarde com cheiro de terra molhada que nunca esquecemos.

Mas também é o dia do rufar de tambores internos. De preparar-nos para mais uma grande caminhada que traz o sabor do indefinido e que nos desafia a escolher caminhos inquietos, mas a ir em frente, porque o importante é continuar, mesmo quando as encruzilhadas se multiplicam e provocam a ansiedade dos desabrigados. Porque o abrigo é o caminhar, e o caminho escolhido sempre será o certo, porque foi o escolhido, e nas nossas escolhas está escondida a força para o próximo passo

• Jornalista e escritor

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