Vida de Tonho
* Por Edmundo Pacheco
Neninha era menina-moça. Moça e tentadora como é o viço. Saia cedo pro trabalho – empregadinha de casa de família. Voltava à noitinha... Vestidim de chita, chinelim de dedo. Diretim pro banheiro. Gostava da água escorrendo pelo corpo. Lavava-se horas.
Do outro lado do barraco, "seo" Tonho sofria. Imprestável pro trabalho, mas não para a vida, acordava 'inda madrugadinha. Pregava orelha na fina parede que o separava do sonho, e punha-se a adivinhar o acontecendo. Galo cantando... Chinelim plec-plec pela casa. A chaleira pitando. Cheiro de café. Mãe falando alto. Música sertaneja, ping-ping, ping-ping, ai-ai... Depois, chuveiro ligado. Água escorrendo e a hora se indo...
Imaginava-a tirando a roupa. Corpinho de menina moça. Peitinhos de pêssego rosado, durinhos, pingando em câmera lenta, gotas de água cor-de-arco-íris, de luz de sol filtradas nas frestas. Imaginava. Sonhava. Ao acordar de novo, todos estavam no trabalho. Só Tonho, imprestável...
Tanto imaginou, que tomou coragem pra agir: escondeu-se atrás do banheiro. Afastou a mata-junta o suficiente para enfiar dois olhos...Esperou... Perna doendo, noite caindo e lá vem Neninha-tentação, chinelim de dedo, plec-plec, plec-plec. Andou pela casa vazia. Tonho suando no esconderijo. Coração velho, disparado. Medo do flagrante:
- Velho safado! Espiando criança! Merece morrer, esse imprestável!
Neninha não era mais criança. Moça formada, 14 anos. Era sonho. Todo dia, mal chegava do trabalho, corria tomar banho. Hoje não. Justo hoje, não. Teve que desistir. E assim segue o destino. Tonho madruga no sonho e na imaginação enquanto a água escorre lenta, pelo corpo roliço de menina-moça, do outro lado da parede. Espera impaciente, dia todo.
Às noitinhas, espreita na greta. Neninha não vem. Chega tarde. Dona Zefa chega antes. Fica cuidando das crianças da patroa. Entra e sai sem tomar banho. E os dias se vão, enquanto Tonho sua, deitado de costas pra terra. Rosto amassado pelos anos, olhos enterrados entre as taboínhas. Meses indo. Nunca mais Neninha tomou banho à tardinha. O velho Tonho sofria a angústia do tesão reprimido.
Dona Tonha, velha trabalhadeira, não gostava mais de "sem-vergonhices". Dormia de roupa. De manhã cedo, cheiro de café e xandanga escorrendo pelas paredes...
-Mãe, volto mais cedo hoje – avisa Neninha.
Tonho sentiu um arrepio de alegria, medo, ansiedade... De tesão velho, curtido em mel e tonel de carvalho. O dia não passou. O relógio se espreguiçou durante todo o tempo, ora pra frente, ora pra trás. Quando a tardinha venceu a inércia e o plec-plec de Neninha cruzou a soleira do mundo, Tonho já tava de velho com os olhos espremidos na greta.
A tentação entrou e iniciou seu bailado de cisne. Água escorrendo, respingando nos olhos da greta. Tira blusinha. Sutiã cor-de-rosa, rendado. Tonho quase desmaia. Sai a saia. Calcinha branca de bichinho, quase transparente... Pentelhinhos recém-nascidos volumando. O suor escorre pela testa, atrapalhando a visão do céu. Cai o sutiã. Dois pesseguinhos rosados, de olhos avermelhados, espreitam o mundo, curiosos. Olhando pra cima, orgulhosos, os danadim...
Era o dia do sonho do Tonho. Do Tonho do sonho... Dedinhos seguram o elástico da calcinha. Param. Um risco de água, amarelo grosso, corta o tecido bem ao meio. Tonho sonha. O suor se confunde com os respingos de mijo. Tonho tá vivo. Tem vontade de gritar isto pro mundo: Tonho tá vivo.O mundo não escuta...
- Tonho tava vivo!...
II parte
- Hêêê..., dona Tonha!? Morte besta né?
- E não?
- Que fazia estirado atrás do banheiro?
- Vai sabê. Tava se exercitando acho. Quase não tinha mais forças...
- Parecia que ria...
- É, ficou três dias lá. Só descobri mode o chero.
- Deus o tenha. Home Bão. – encerrou Neninha, lá de dentro do banheiro...
Água escorrendo em câmera lenta, filtrando o sol... Pesseguinhos, molhadinhos e orgulhosos olhando pro céu. Tonho tá vivo na greta. Olho espetado de tesão... Mas vivo...
*Jornalista, editor-chefe da TV Guairaca (afiliada Globo) Guarapuava, PR
* Por Edmundo Pacheco
Neninha era menina-moça. Moça e tentadora como é o viço. Saia cedo pro trabalho – empregadinha de casa de família. Voltava à noitinha... Vestidim de chita, chinelim de dedo. Diretim pro banheiro. Gostava da água escorrendo pelo corpo. Lavava-se horas.
Do outro lado do barraco, "seo" Tonho sofria. Imprestável pro trabalho, mas não para a vida, acordava 'inda madrugadinha. Pregava orelha na fina parede que o separava do sonho, e punha-se a adivinhar o acontecendo. Galo cantando... Chinelim plec-plec pela casa. A chaleira pitando. Cheiro de café. Mãe falando alto. Música sertaneja, ping-ping, ping-ping, ai-ai... Depois, chuveiro ligado. Água escorrendo e a hora se indo...
Imaginava-a tirando a roupa. Corpinho de menina moça. Peitinhos de pêssego rosado, durinhos, pingando em câmera lenta, gotas de água cor-de-arco-íris, de luz de sol filtradas nas frestas. Imaginava. Sonhava. Ao acordar de novo, todos estavam no trabalho. Só Tonho, imprestável...
Tanto imaginou, que tomou coragem pra agir: escondeu-se atrás do banheiro. Afastou a mata-junta o suficiente para enfiar dois olhos...Esperou... Perna doendo, noite caindo e lá vem Neninha-tentação, chinelim de dedo, plec-plec, plec-plec. Andou pela casa vazia. Tonho suando no esconderijo. Coração velho, disparado. Medo do flagrante:
- Velho safado! Espiando criança! Merece morrer, esse imprestável!
Neninha não era mais criança. Moça formada, 14 anos. Era sonho. Todo dia, mal chegava do trabalho, corria tomar banho. Hoje não. Justo hoje, não. Teve que desistir. E assim segue o destino. Tonho madruga no sonho e na imaginação enquanto a água escorre lenta, pelo corpo roliço de menina-moça, do outro lado da parede. Espera impaciente, dia todo.
Às noitinhas, espreita na greta. Neninha não vem. Chega tarde. Dona Zefa chega antes. Fica cuidando das crianças da patroa. Entra e sai sem tomar banho. E os dias se vão, enquanto Tonho sua, deitado de costas pra terra. Rosto amassado pelos anos, olhos enterrados entre as taboínhas. Meses indo. Nunca mais Neninha tomou banho à tardinha. O velho Tonho sofria a angústia do tesão reprimido.
Dona Tonha, velha trabalhadeira, não gostava mais de "sem-vergonhices". Dormia de roupa. De manhã cedo, cheiro de café e xandanga escorrendo pelas paredes...
-Mãe, volto mais cedo hoje – avisa Neninha.
Tonho sentiu um arrepio de alegria, medo, ansiedade... De tesão velho, curtido em mel e tonel de carvalho. O dia não passou. O relógio se espreguiçou durante todo o tempo, ora pra frente, ora pra trás. Quando a tardinha venceu a inércia e o plec-plec de Neninha cruzou a soleira do mundo, Tonho já tava de velho com os olhos espremidos na greta.
A tentação entrou e iniciou seu bailado de cisne. Água escorrendo, respingando nos olhos da greta. Tira blusinha. Sutiã cor-de-rosa, rendado. Tonho quase desmaia. Sai a saia. Calcinha branca de bichinho, quase transparente... Pentelhinhos recém-nascidos volumando. O suor escorre pela testa, atrapalhando a visão do céu. Cai o sutiã. Dois pesseguinhos rosados, de olhos avermelhados, espreitam o mundo, curiosos. Olhando pra cima, orgulhosos, os danadim...
Era o dia do sonho do Tonho. Do Tonho do sonho... Dedinhos seguram o elástico da calcinha. Param. Um risco de água, amarelo grosso, corta o tecido bem ao meio. Tonho sonha. O suor se confunde com os respingos de mijo. Tonho tá vivo. Tem vontade de gritar isto pro mundo: Tonho tá vivo.O mundo não escuta...
- Tonho tava vivo!...
II parte
- Hêêê..., dona Tonha!? Morte besta né?
- E não?
- Que fazia estirado atrás do banheiro?
- Vai sabê. Tava se exercitando acho. Quase não tinha mais forças...
- Parecia que ria...
- É, ficou três dias lá. Só descobri mode o chero.
- Deus o tenha. Home Bão. – encerrou Neninha, lá de dentro do banheiro...
Água escorrendo em câmera lenta, filtrando o sol... Pesseguinhos, molhadinhos e orgulhosos olhando pro céu. Tonho tá vivo na greta. Olho espetado de tesão... Mas vivo...
*Jornalista, editor-chefe da TV Guairaca (afiliada Globo) Guarapuava, PR
Nenhum comentário:
Postar um comentário