sexta-feira, 27 de janeiro de 2012



Pimenta

* Por Jair Lopes

Há quem goste e também quem abomine, mas quase ninguém é indiferente a esse acessório culinário que contribuiu enormemente para os grandes descobrimentos. Sob o codinome genérico de especiarias, o cravo-da-índia, a canela, a noz moscada e a pimenta impulsionaram as navegações ibéricas rumo ao Oriente o que resultou na dobra do Cabo da Boa Esperança, “descobrimentos” do Oceano Índico e do caminho marítimo para as Índias e no desembarque de portugueses e espanhóis nas terras do que passou a se chamar Novo Mundo. Não foram poucas as consequências do apreço por uma especiaria que tinha como uso mais difundido a faculdade de conservar os alimentos contra a putrefação, num tempo em que inexistia refrigeração artificial. De lá para cá a pimenta continuou a dar sabor – às vezes excessivo – às mais diversas iguarias tanto do mundo ocidental quanto Oriental das mais diversas culturas.

Como falei, a pimenta suscita paixões culinárias desafiadoras para os adeptos de sabores menos ou mais picantes, e é execrada por aqueles de paladares mais sensíveis. Ouso fazer uma projeção sem qualquer dado estatístico que a respalde com respeito ao gosto pelas pimentas: 40% por cento dos brasileiros gostam de pimenta, 50% detestam e os restantes não têm opinião ou a planta lhes é indiferente. Me coloco entre aqueles que a apreciam em doses mais que moderadas.

Na minha casa, quando eu era criança em Palmeira, a pimenta em forma de molho bem picante sempre marcava presença na mesa, principalmente para uso em sopas, uma das especialidades de minha mãe que era cozinheira de grande talento. Talvez daí venha minha razoável resistência às aguilhoadas nas mucosas bucais e estomacais que possuo, e que hoje meu filho mais velho também desfruta.

Pois bem, certo dia, estava meu avô paterno nos fazendo uma visita e ficou para o jantar, que naquela noite bem fria de inverno era sopa. Na mesa, toda a família reunida e uma saborosa sopa de feijão foi servida pela minha mãe. Meu avô sentou-se ao lado de meu pai, à minha frente. A conversa estava rolando, todos se serviram da sopa e o vidro de pimenta encontra-se à frente de meu avô Joaquim. Parece que ele estava meio “arçado” (tinha tomado umas pingas) e não se deu conta que estava colocando doses maciças daquela pimenta agressiva no seu prato. Meu pai, ao lado dele, conversava sem notar o exagero culinário que ele praticava, e eu fiquei olhando admirado. Daí, o velho Joaquim engoliu uma colherada bem generosa daquela sopa super apimentada e de seus olhos escorreram lágrimas abundantes. Meu pai, empolgado com a conversa, voltou-se para meu avô e disse: “olha aí, papai, tem uma pimenta bem gostosa, coloque na sopa”.

Meu avô, num esforço visivelmente dramático, com uma voz baixinha, sibilante, parecida com grasnar assoprado de ganso ou de pato rouco: “já coloquei”. Claro que crianças não podiam rir de adultos, mas, confesso, a situação era hilária e se eu não podia rir de modo ostensivo, nada me impedia de rir por dentro, foi o que fiz. Meu avô só não chorou de verdade porque naquele tempo o mote era: homem não chora. Pela primeira vez achei que a pimenta, além de sua utilização como condimento, podia ser usada como estressante natural de gente sem noção. Esclarecendo, meu avô naquele momento encontrava-se sem noção por causa da cachaça.

Bem, além de terem desenvolvido centenas de espécies dessas plantas, hoje o campo de uso das pimentas ampliou-se muito além do simples tempero picante, e agora podem ser encontrados cremes, cosméticos, geléias, os tradicionais molhos e até sorvetes e bolos nos quais entram doses variadas de pimentas. A pimenta é até recomendada como agente preventivo anticâncer pela medicina ortomolecular. Viva a eclética pimenta!

• Escritor

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