domingo, 29 de janeiro de 2012




Livro que desfaz mitos


O botânico e antropólogo canadense Wade Davis viajou, em 1982, quando ainda era estudante da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, ao Haiti. Seu objetivo era o de investigar se havia algum fundo de verdade no mito vodu dos zumbis. Permaneceu dois anos e meio no país, entrevistando um grande número de pessoas, visitando cidades, estudando os costumes locais, freqüentando cultos e colhendo todas as informações que lhe fossem possíveis.

Depois desse tempo, em que se empenhou o quanto pôde para confirmar ou desmentir a suposta zumbificação, regressou a Cambridge, com malária, hepatite, mas também com farto material para um livro. Antes mesmo de escrevê-lo, assegurou que tinha tantas e tamanhas revelações a fazer, que o texto seria lido como um romance de espionagem. E, de fato, não frustrou seus leitores. “A serpente e o arco-íris”, publicado no Brasil por Jorge Zahar Editor, foi um sucesso. Creio que atualmente esteja esgotado. Mas pode ser encontrado, ainda, nos bons sebos. De quebra, o material que colheu rendeu um filme, rodado em 1987, dirigido por Wes Craven, que teve razoável bilheteria.

Mas Wade Davis trouxe, do Haiti, algo mais do que somente material para seu instigante livro. Trouxe o que garantiu ser a fórmula secreta para se produzir zumbis. “Parti sem saber nada do país e cheguei apenas com a curiosidade”, revelou o botânico, em entrevista que deu ao jornalista Gino Del Guércio, da agência de notícias United Press International (UPI), em matéria escrita e divulgada para milhares de jornais assinantes, em várias partes do mundo, em abril de 1986. “Tive sorte, muita sorte. Abri uma caixa de Pandora que consumiu três anos da minha vida”, acrescentou Wade.

O livro “A serpente e o arco-íris” é, como o autor havia prometido antes mesmo de escrevê-lo, desses que não conseguimos parar a leitura enquanto não chegarmos ao final. Um dos seus méritos é o de desvendar o vodu tal qual ele de fato é, desfazendo equívocos a seu respeito, principalmente o que considera esse culto como mera prática de magia negra. Wade prova que não é bem assim. Tive a oportunidade de trazer ao seu conhecimento, caríssimo leitor, algumas informações a propósito dessa prática religiosa, colhidas em outras fontes, diversas do livro do botânico canadense. A leitura das suas observações apenas me confirmou a exatidão dos dados que colhi em minhas próprias pesquisas.

Wade revelou que o vodu, de fato, é uma prática religiosa sofisticada. Concluiu que a sua história é, no fundo, no fundo, a própria história do Haiti, desde sua origem africana, com escravos trazidos do continente negro para trabalhar na produção de açúcar, nos muitos engenhos comandados por franceses, em toda a Ilha Hispaniola, onde se situa, também, a República Dominicana, até os dias atuais. O culto é praticado, também, em várias outras ilhas do Caribe e até no Brasil.

Como todas religiões que se prezem, o vodu não se dedica, somente, ao lado espiritual dos fiéis, embora este seja, óbvio, seu aspecto prioritário. Tem, também, um sistema de medicina natural bastante evoluído, baseado no multimilenar conhecimento de fitoterapia, ou seja, do poder curativo das plantas. Davis revela que esse culto tem, ainda, “um sistema de educação e um sistema de lei e ordem que poderiam estar ligados a todo o sistema de sanções sociais” da sociedade haitiana.

Quanto aos zumbis, o botânico canadense revela o óbvio. Ou seja, que eles não são mortos vivos coisa nenhuma. São pessoas vivas, vivíssimas e que, mesmo no estado cataléptico, conseguem conservar a consciência. Fazer um “morto” andar, trabalhar etc. como se vivo estivesse, mas sem o comando do cérebro, claro, é o absurdo dos absurdos. Isso não existe, nunca existiu e jamais existirá. Quem acredita nessa bobagem é o crédulo dos crédulos ou, mais especificamente, o suprassumo do ignorante.

Na entrevista concedida à UPI, antes de escrever seu best-seller, Wade Davis enfatizou: “Os zumbis não são pessoas que tenham surgido dos mortos. Em vez disso, são as que receberam uma droga cujos efeitos se assemelham à morte. Paralisa-lhes e reduz-lhes as batidas do coração e o ritmo da respiração a zero. Mas os pacientes continuam conscientes”.

Peço licença para transcrever trecho de um texto que colhi no blog Biblioagrogriot (HTTP//:biblioafrogriot.blogspot.com), bastante revelador, que explica, com lógica, clareza e coerência, os motivos da forma preconceituosa com que o vodu é tratado ainda hoje em várias partes do mundo, notadamente nos Estados Unidos.

“E de onde se tirou essa idéia de o vodu ser demoníaco? Em primeiro lugar, o Haiti era a única nação negra independente por cem anos. Os haitianos costumavam comprar navios de escravos que iriam para os EUA e dar-lhes liberdade no Haiti. O país deu dinheiro a Simon Bolívar em suas lutas de liberação da Gran Colômbia . Mas em 1915 o exército americano ocupou o Haiti. Era época da segregação, e a maioria dos soldados eram homens sulistas, crescidos em meio ao racismo, e todos, do cabo ao sargento, acabaram assinando contrato para escrever um livro. E os livros que saíam tinham títulos como ‘Fogo vodu no Haiti’, ‘Aparição na terra vodu’, ou ‘A ilha mágica’, todos cheios de crianças que eram levadas para o caldeirão e zumbis se levantando dos túmulos para atacar pessoas. Foram essas histórias que deram origem aos filmes de Hollywood da RKO nos anos 1940. Esses livros e filmes terríveis diziam essencialmente aos americanos que qualquer país onde coisas terríveis assim acontecem, precisa de redenção pela ocupação militar”.

Como se vê, tudo no mundo tem explicação lógica e racional, basta procurá-la com método e empenho. Ou, pelo menos, quase tudo tem. Por trás de toda a lenda, por mais absurda que esta pareça (como é o caso dos mortos vivos do Haiti) sempre há um fundo de verdade. Compete às pessoas racionais e lógicas procurá-lo e demonstrá-lo.

Boa leitura.

O Editor.



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Um comentário:

  1. As religiões costumam colocar ordens sociais nos povos. Quanto a demonização do vodu, muito bem explicado. Para dobrar um povo, acrescente preconceito às suas crenças. Isso pode não fazê-los desmoronar, mas dá combustível aos seus inimigos.

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