domingo, 29 de janeiro de 2012







Doce ilusão verde e amarela

* Por Fábio de Lima


A cidade chama-se Felicidade e fica no sertão de Pernambuco. Ela está 321 km distante de Recife. Sentado no batente da porta de casa, com o nariz escorrendo, com a mão direita coçando os piolhos da cabeça, Romário Ferreira Silva, 7 anos de idade, vestido com um short vermelho – sem camiseta ou chinelo – olha o asfalto quente, enquanto 4 bois magros acompanhados de dois cabritos, também magros, pisam lento neste asfalto feito brasa. Romário pensa que o mundo roda devagar.

O vento abafado e escaldante não refresca nada. A poeira cega os olhos daqueles que se atrevem a olhar longe. O cachorro pulguento, com pêlo ralo, dorme à sombra como se morto estivesse. O armazém da esquina está com as portas fechadas, pois é horário de almoço. Romário não tem comida esse dia. Órfão de pai – espera a mãe voltar do sítio de um conhecido onde foi tentar arrumar algo para ela e o filho comerem. Romário pensa que o carrapato na pata do cabrito lembra uma bolinha de gude.

Sr. Roberto, dono do armazém, é considerado o rico da região, visto que sempre tem o que comer. Ele passa na frente de Romário voltando de casa para seu estabelecimento comercial, enquanto limpa os dentes utilizando os dedos da mão direita e coça a barriga utilizando os dedos da mão esquerda. Tilito, o cachorro sarnento que dormia na sombra, acorda e levanta a cabeça para espiar o movimento. Romário pensa que sua mãe está demorando.

Um táxi entra na rua e pára de frente com a casa de Dona Severina. Desce um rapaz bem vestido, de óculos escuros, com jeito de homem de cidade grande. Dona Severina já aparece na porta chorando. Os dois se abraçam. O motorista do táxi ajuda o moço a colocar as malas para dentro de casa. O táxi vai embora. Romário e Tilito só olham. Romário pensa que quando for grande vai para a cidade grande também.

Risolange, menina mais bonita da região, na flor de seus 17 anos, filha de Sr. Roberto e vizinha de Romário, vinda da escola, aparece na subida da serra. Caderno abraçado ao peito, lápis e caneta com as pontas para fora do bolso da calça jeans, camiseta branca com o símbolo do grupo escolar e chinelo de dedo, cabelo alisado por óleo de cozinha e batom vermelho nos lábios, esboça um sorriso para Romário quando consegue pisar em asfalto já plano. Romário pensa que na escola deve ter comida.

Tilito se levanta e anda devagar até o armazém. Romário olha em volta para ver se está sozinho. Cospe em cima de uma formiga que teima em subir no batente onde ele está sentado. Romário sorri, enquanto a formiga se desespera mergulhada na saliva do garoto. No começo da serra Dona Josefa aparece carregando algo nas costas e dando passadas firmes de quem tem pressa. Romário corre ao seu encontro. Ao se encontrarem nada falam um para o outro. Dona Josefa lhe dá um saco de feijão e sobe a serra com um saco de farinha. Ambos sorriem e pensam que o mundo é bonito.

*Jornalista e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Atua como repórter freelancer para o jornal Diário do Comércio (SP) e é diretor de programação da Cinetvnet (TV pela WEB). Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.

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