Um zumbi comprovado
O primeiro caso medicamente documentado de um zumbi envolveu, curiosamente, uma pessoa que sequer nasceu no Haiti. Ocorreu há meio século, em 1962 e sua experiência, além de ser relatada pelo botânico canadense Wade Davis, no livro “A serpente e o arco-íris”, foi amplamente divulgada pela imprensa, inclusive a européia. Tomei conhecimento do assunto através matéria da agência de notícias United Press International, a UPI, em 1986. Na ocasião eu era editor de política internacional do jornal “Correio Popular” de Campinas e trouxe o assunto à baila.
O primeiro caso medicamente documentado de um zumbi envolveu o britânico Clevius Narcisse, que foi declarado morto por um médico norte-americano, que vivia no Haiti e que, inclusive, assinou seu atestado de óbito. O homem em questão foi sepultado normalmente. Todavia, para surpresa, e mais do que isso, para espanto geral, dos que o conheceram e que com ele conviveram, o tal sujeito “reapareceu”, 18 anos depois, vivinho da silva, embora manifestando ainda estado de certa confusão mental. Sua reaparição ocorreu num vilarejo do país, bastante longe de onde havia sido sepultado.
A suposta morte havia ocorrido no Hospital Albert Schweitzer, em Deschapelles, em 2 de maio de 1962. A primeira reação das autoridades, quando ele reapareceu, (justificável, por sinal) foi considerar Narcisse um embusteiro que tentava se fazer passar por quem não era. A polícia local assumiu o caso. Tomou suas impressões digitais e as comparou com as da pessoa que havia sido sepultada há 18 anos, existentes em seus arquivos. Não havia dúvidas. Ambas coincidiam. Aquele cidadão era, mesmo, Clevius Narcisse, que várias testemunhas haviam visto ser enterrado. A polícia britânica, solicitada a dar seu parecer, chegou à mesma conclusão.
Interrogado pelo psiquiatra haitiano Lamarque Doyou, o tal “zumbi” revelou dados sobre sua infância e sua família que nem seus amigos mais íntimos poderiam saber, mas somente o suposto morto poderia ter conhecimento. Dessa forma... Tanto sua família, quanto outras pessoas que o conheceram chegaram à mesmíssima conclusão (equivocada, óbvio): a de que Narcisse era um zumbi de fato, que havia morrido e sido ressuscitado por algum feiticeiro vodu.
Entre os haitianos, ninguém sequer cogitou outra possibilidade. No exterior, porém, as reações foram muito diferentes. A imensa maioria achou que se tratava de uma história rigorosamente inventada, com o objetivo único de se fazer sensacionalismo, como as dos chupa cabras, óvnis e tantas outras bobagens que periodicamente freqüentam as páginas dos jornais.
Alguns (poucos) acreditaram na veracidade do episódio, mas apenas parcialmente. Propuseram-se a buscar alguma explicação racional para o caso que não tivesse nada a ver com magia. Partiam, claro, do pressuposto de que, se Narcisse estava ali, vivo, obviamente não havia morrido. Talvez passara (o que achavam mais provável) por um estado cataléptico e deve ter sido socorrido por alguém que o desenterrou assim que a catalepsia passou.
Foi esse caso que estimulou o lançamento do Projeto Zumbi, que objetivava estudar a questão dos mortos vivos do Haiti à luz da ciência. Foi o que motivou, inclusive, o envio de Wade Davis ao paupérrimo país caribenho. Narcisse disse que se recordava do médico o ter declarado morto. Disse que permaneceu o tempo todo consciente, embora sem poder mover o menor músculo do corpo. Afirmou, inclusive, que se lembrava de terem coberto seu rosto com um lençol assim que concluíram que havia morrido. E mais, disse ter visto a irmã chorando em seu velório, lembrar do seu enterro e tudo sem que pudesse fazer o mínimo movimento para provar a todos que estava vivo, apenas paralisado.
Na noite do seu sepultamento, Narcisse revelou que um sacerdote vodu o desenterrou, lhe deu de beber uma substância, que lhe devolveu alguns movimentos, e o encaminhou para uma plantação, para trabalhar como escravo. Disse que fugiu tão logo teve oportunidade, mas não retornou à cidade em que vivia porque seu irmão é que havia convencido um feiticeiro a transformá-lo em morto vivo.
Tradicionalmente, depois de ser desenterrada, a vítima recebe outra fórmula, certamente um antídoto ao “pó de fazer zumbi”, que a devolve à vida normal (ou quase). Mas Wade Davis observou que, se a pessoa sobrevive à crise inicial, não precisa dessa segunda substância. Em vez disso, lhe é administrada outra droga, talvez ópio, que lhe causa amnésia e psicose e que provoca dependência na vítima, que fica, assim, “escravizada” ao sacerdote vodu.
Para a maioria dos haitianos, que dá grande importância à independência pessoal e ao livre arbítrio, ser convertido em zumbi é muito pior do que a morte. Davis explicou que ninguém é transformado em morto vivo por acaso, por capricho, sem nenhum motivo grave. Geralmente os que passam pela experiência são acusados de transgredir estritos códigos vodus. Quando isso acontece, os transgressores são julgados em um secretíssimo tribunal religioso, incumbido de determinar a culpa ou a inocência dos réus. Se a pessoa for julgada culpada, a corte vodu determina que a fórmula, o tal “pó de fazer zumbis” seja imediatamente espalhada sobre seu corpo.
Wade explica o que as vítimas sentem até ficarem rigorosamente paralisadas, como que mortas. “Primeiro, começam a sentir náuseas e têm dificuldades para respirar. A seguir, têm uma sensação de que alfinetes e agulhas estão sendo espetados em todo o seu corpo. Ficam paralisadas e a pressão sanguínea despenca. Os lábios ficam azuis, pela falta de oxigênio. O processo todo dura cerca de seis horas”. Terrível, não é mesmo?
Falando a propósito do seu trabalho de pesquisa no Haiti, Wade Davis afirmou: “O maior desafio que encontrei foi o de separar as crenças espirituais da imensa maioria, se não da totalidade da população haitiana, das realidades científicas, ou seja, as farmacológicas, da fabricação de zumbis”. Os feiticeiros vodus negam que o botânico canadense tenha isolado a verdadeira fórmula de “trazer os mortos para o mundo dos vivos”. “A ele falta muito para desvendar o segredo dos deuses”, declarou um deles, sem se estender mais no assunto. Enfim... Da minha parte, também não me estenderei mais nesse tão polêmico tema.
Boa leitura.
O Editor.
O primeiro caso medicamente documentado de um zumbi envolveu, curiosamente, uma pessoa que sequer nasceu no Haiti. Ocorreu há meio século, em 1962 e sua experiência, além de ser relatada pelo botânico canadense Wade Davis, no livro “A serpente e o arco-íris”, foi amplamente divulgada pela imprensa, inclusive a européia. Tomei conhecimento do assunto através matéria da agência de notícias United Press International, a UPI, em 1986. Na ocasião eu era editor de política internacional do jornal “Correio Popular” de Campinas e trouxe o assunto à baila.
O primeiro caso medicamente documentado de um zumbi envolveu o britânico Clevius Narcisse, que foi declarado morto por um médico norte-americano, que vivia no Haiti e que, inclusive, assinou seu atestado de óbito. O homem em questão foi sepultado normalmente. Todavia, para surpresa, e mais do que isso, para espanto geral, dos que o conheceram e que com ele conviveram, o tal sujeito “reapareceu”, 18 anos depois, vivinho da silva, embora manifestando ainda estado de certa confusão mental. Sua reaparição ocorreu num vilarejo do país, bastante longe de onde havia sido sepultado.
A suposta morte havia ocorrido no Hospital Albert Schweitzer, em Deschapelles, em 2 de maio de 1962. A primeira reação das autoridades, quando ele reapareceu, (justificável, por sinal) foi considerar Narcisse um embusteiro que tentava se fazer passar por quem não era. A polícia local assumiu o caso. Tomou suas impressões digitais e as comparou com as da pessoa que havia sido sepultada há 18 anos, existentes em seus arquivos. Não havia dúvidas. Ambas coincidiam. Aquele cidadão era, mesmo, Clevius Narcisse, que várias testemunhas haviam visto ser enterrado. A polícia britânica, solicitada a dar seu parecer, chegou à mesma conclusão.
Interrogado pelo psiquiatra haitiano Lamarque Doyou, o tal “zumbi” revelou dados sobre sua infância e sua família que nem seus amigos mais íntimos poderiam saber, mas somente o suposto morto poderia ter conhecimento. Dessa forma... Tanto sua família, quanto outras pessoas que o conheceram chegaram à mesmíssima conclusão (equivocada, óbvio): a de que Narcisse era um zumbi de fato, que havia morrido e sido ressuscitado por algum feiticeiro vodu.
Entre os haitianos, ninguém sequer cogitou outra possibilidade. No exterior, porém, as reações foram muito diferentes. A imensa maioria achou que se tratava de uma história rigorosamente inventada, com o objetivo único de se fazer sensacionalismo, como as dos chupa cabras, óvnis e tantas outras bobagens que periodicamente freqüentam as páginas dos jornais.
Alguns (poucos) acreditaram na veracidade do episódio, mas apenas parcialmente. Propuseram-se a buscar alguma explicação racional para o caso que não tivesse nada a ver com magia. Partiam, claro, do pressuposto de que, se Narcisse estava ali, vivo, obviamente não havia morrido. Talvez passara (o que achavam mais provável) por um estado cataléptico e deve ter sido socorrido por alguém que o desenterrou assim que a catalepsia passou.
Foi esse caso que estimulou o lançamento do Projeto Zumbi, que objetivava estudar a questão dos mortos vivos do Haiti à luz da ciência. Foi o que motivou, inclusive, o envio de Wade Davis ao paupérrimo país caribenho. Narcisse disse que se recordava do médico o ter declarado morto. Disse que permaneceu o tempo todo consciente, embora sem poder mover o menor músculo do corpo. Afirmou, inclusive, que se lembrava de terem coberto seu rosto com um lençol assim que concluíram que havia morrido. E mais, disse ter visto a irmã chorando em seu velório, lembrar do seu enterro e tudo sem que pudesse fazer o mínimo movimento para provar a todos que estava vivo, apenas paralisado.
Na noite do seu sepultamento, Narcisse revelou que um sacerdote vodu o desenterrou, lhe deu de beber uma substância, que lhe devolveu alguns movimentos, e o encaminhou para uma plantação, para trabalhar como escravo. Disse que fugiu tão logo teve oportunidade, mas não retornou à cidade em que vivia porque seu irmão é que havia convencido um feiticeiro a transformá-lo em morto vivo.
Tradicionalmente, depois de ser desenterrada, a vítima recebe outra fórmula, certamente um antídoto ao “pó de fazer zumbi”, que a devolve à vida normal (ou quase). Mas Wade Davis observou que, se a pessoa sobrevive à crise inicial, não precisa dessa segunda substância. Em vez disso, lhe é administrada outra droga, talvez ópio, que lhe causa amnésia e psicose e que provoca dependência na vítima, que fica, assim, “escravizada” ao sacerdote vodu.
Para a maioria dos haitianos, que dá grande importância à independência pessoal e ao livre arbítrio, ser convertido em zumbi é muito pior do que a morte. Davis explicou que ninguém é transformado em morto vivo por acaso, por capricho, sem nenhum motivo grave. Geralmente os que passam pela experiência são acusados de transgredir estritos códigos vodus. Quando isso acontece, os transgressores são julgados em um secretíssimo tribunal religioso, incumbido de determinar a culpa ou a inocência dos réus. Se a pessoa for julgada culpada, a corte vodu determina que a fórmula, o tal “pó de fazer zumbis” seja imediatamente espalhada sobre seu corpo.
Wade explica o que as vítimas sentem até ficarem rigorosamente paralisadas, como que mortas. “Primeiro, começam a sentir náuseas e têm dificuldades para respirar. A seguir, têm uma sensação de que alfinetes e agulhas estão sendo espetados em todo o seu corpo. Ficam paralisadas e a pressão sanguínea despenca. Os lábios ficam azuis, pela falta de oxigênio. O processo todo dura cerca de seis horas”. Terrível, não é mesmo?
Falando a propósito do seu trabalho de pesquisa no Haiti, Wade Davis afirmou: “O maior desafio que encontrei foi o de separar as crenças espirituais da imensa maioria, se não da totalidade da população haitiana, das realidades científicas, ou seja, as farmacológicas, da fabricação de zumbis”. Os feiticeiros vodus negam que o botânico canadense tenha isolado a verdadeira fórmula de “trazer os mortos para o mundo dos vivos”. “A ele falta muito para desvendar o segredo dos deuses”, declarou um deles, sem se estender mais no assunto. Enfim... Da minha parte, também não me estenderei mais nesse tão polêmico tema.
Boa leitura.
O Editor.
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Foi esclarecedor, e ainda assim permaneceu um pouco confuso. Afinal, existe mesmo tal poção mágica?
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