sexta-feira, 20 de janeiro de 2012







Cartas camponesas

* Por Urariano Mota

A coluna de hoje poderia ser chamada também de “a humanidade fora do rádio”. Ou de “a inteligência fora das ondas, fora dos sinais de toda e qualquer mídia”. Mas deixo o título acima para ser fiel ao espírito do que vão ler. Antes, um breve esclarecimento.

As cartas a seguir foram dirigidas ao programa “Acorda, camponês”, que a partir de 1987 esteve no ar da Rádio Tamandaré. Nele estivemos ao lado de Ruy Sarinho e Marco Albertim, que produziam, faziam reportagens e editavam tudo. Eu, no papel improvisado de apresentador, com direito a virar repórter, sempre que necessário. O certo é que duramos dois anos, no ar todos os domingos, das 5 às 6 da manhã. Os usineiros e donos de engenho de Pernambuco a princípio não sabiam que o programa era gravado, e ligavam para a emissora, ameaçando invadir o estúdio para acabar à bala a subversão.

O “Acorda, camponês” era patrocinado pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco, a Fetape, que a ele dava substância, vida e orientação. Os trabalhadores fizeram do Acorda uma coisa muito bonita, até em resultados de audiência. Por muito tempo o programa foi líder, a partir das 5 da manhã, chegando até a “derrubar” o lendário Forró do Lacerdinha, da Rádio Clube, que comandava o Ibope vários anos antes do Acorda, Camponês. Como era possível um programa de denúncia, de esclarecimento dos direitos do trabalhador do campo, ser tão ouvido e amado? Em outra oportunidade, tentaremos responder.

No fim o “Acorda, Camponês” saiu do ar de forma brusca, sem aviso prévio, como quem despede um moleque, na Rádio Tamandaré, do Sistema Verdes Mares de Comunicação. Notem: era um programa pago à emissora, no preço que ela ditou, com números recordes de audiência, em um horário “morto” da madrugada. E fomos cortados de forma arbitrária, sem explicações. Mas por ora, vamos ao que mais importa. Em um feliz acaso, descoberto pela senhora Francêsca, que suporta a pessoa do colunista no papel de marido, segue a cópia de duas cartas.

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“Engenho Pranalto, 17-5-88
Saudação

Eu estou escrevendo esta minha carta a este brilhante maravilhoso programa acorda camponês, que eu estou toda de manhã com o meu rádio no travesseiro ouvindo acorda, camponês. Eu fico muito feliz de ouvir vocês falar. Vocês falam que está difícil pra essa reforma da terra sair. O que está faltando é se unir todos os trabalhadores, se unir um com outro trabalhador, rurais da cidade e periferia, trabalhadores das indústrias, todos esses trabalhadores se unir. Então assim essa reforma agrária da terra era resolvida.

Esteja sempre ao nosso lado nos ajudando. Vocês sabem, tudo unido vai avante, assim nós seremos nós mais nossa luta. Vocês olhem e pensem e meditem das produções e demais trabalhadores do campo. Nos ajudem para nós alcançar a vitória da reforma agrária da terra.

Lembrança ao radialista que foi ao acorda, camponês. Eu também vai lembrança e um forte abraço pra Sinésio. Não se esqueça de mim. Todo domingo estou ligado ao programa acorda camponês. Aqui eu fico com estas minhas palavras. Desculpe os erros.
Fim
Francisco Gomes Barbosa”
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“Engenho Acaú, 3 de 4 de 88

Prezados companheiros que fazem o programa acorda camponês. É pela terceira vez que escrevo para este maravilhoso programa. Venho por meio desta dizer-lhes que sou um ouvinte autêntico deste programa e do violência zero. Aí vai o nosso sincero abraço para todos que fazem os mesmos... Companheiro, aí vai um apelo para que a Fetape, a Contag e todas as entidades sindicais façam esta pergunta a nossas autoridades, que constituem o nosso país, principalmente o nosso ministro e ao nosso presidente e governo do estado Pernambuco, e todos os trabalhadores de Pernambuco queremos saber desta resposta.

Eis aí:

Como podemos viver neste país? Se roubamos, vamos presos. Se assaltamos, também. E se vamos trabalhar para alimentar os nossos filhos e para a grandeza do nosso país, somos mortos. Só agradecemos todos os trabalhadores de Condado.

Peço que leia, mas não anuncie o meu nome, pra eu não ser ameaçado, que aqui a boca é quente. Nós do município de Condado queremos justiça pelo que aconteceu em nosso município e vem acontecendo em nosso país. Só nosso sincero abraço, assina aqui o trabalhador
(Nome riscado), Acaú de Baixo, Condado – PE”

Ouçam um trecho de um programa de 1987, aqui

http://soundcloud.com/urariano/fx01acordacamponesprograma0918

* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.

2 comentários:

  1. No respaldo do que vi e testemunhei(era Sarney-1987), instalava-se a Assembléia Nacional Constituinte, sob a liderança do deputado Ulisses Guimarães. Sendo promulgada em 05/10/88... deixando lacunas, no entanto, no que se refere à reforma agrária... Em 1986 o então presidente Sarney anunciou uma ampla reforma monetária, quem não se lembra do "Plano Cruzado"?!
    Valho-me, a cada passo, cartas camponesas, que foram dirigidas ao então programa da Tamandaré: "Acorda, camponês", programa de denúncia das injustiças sociais e dos direitos dos trabalhadores. Muito importante citar quem patrocinava(Fetape), que vem atuando além da simples luta pela terra e exigindo que os governos dêem infra-estrutura, assistência técnica, crédito, educação e saúde aos agricultores que conseguiram seu pedaço de chão. Isso é muito mais que lutar pela posse de um local. É garantir qualidade de vida para o homem e a mulher que vivem no campo.
    Enfim, era de se esperar as arbitrariedades do coronel do Maranhão, o senador José Sarney!!!
    Parabéns, Urariano, Marco Albertim e Ruy Sarinho (é irmão do saudoso Byron Sarinho?)
    Abração do,
    José Calvino
    RecifeOlinda

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  2. O terreno da alma pura, inteligente e voraz, dos camponeses encontrava no programa a lição de vida procurada, e gostava. O dinheiro da cana-de-açúcar chegou para calar o programa. Mas nos dois anos que existiu,- e as cartas mostram isso- provam que valeu a pena!

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