Sabedoria de caboclo
* Por Euclides Farias
Os de Vigia de Nazaré dizem que o “causo” se deu em Colares e os de Colares dizem que foi na Vigia. Mas o certo é que a lenda sustenta que um pescador, entre tantas pessoas que na década de 1970 juraram ter testemunhado a presença de OVNIs na região do rio Guajará-Mirim, no Pará, travou didático diálogo com um ufólogo que por aquelas bandas esteve pesquisando o suposto fenômeno extraterrestre:
- Qual o formato do objeto que o senhor viu no ar? Era discóide?
- Discóide, não sei dizer não, senhor. O que sei é que era igual uma arraia!
Sabedoria de caboclo é assim: não admite rodeios, é na mosca.
Vai daí que os exemplos da sagacidade interiorana se multiplicam, aplicando-se a qualquer tema. Em programa de rádio, focava-se o dilema do Paysandu Esporte Clube, que naquela altura, ainda na série A, se arrastava para a segunda divisão do campeonato brasileiro. Entrevistado, e com o linguajar inconfundível dos ribeirinhos, um caboclo torcedor do Papão reagiu com fina ironia às provocações de torcedores do Clube Remo, então mergulhados no inferno da Série C:
- Masantes uma tristeza dé premêra do que uma alegria dé tercêra.
De Macapá, a contribuição vem de Seu Mário, que, do alto de seus 85 anos, faz bravata com os conhecimentos de história do Amapá antigo. Autodidata, criou bordão com a frase “Sei, mas não digo”. Desafia todo mundo com perguntas do arco da velha. Diante da capitulação do interlocutor, sapeca: “Sei, mas não digo”. Pura troça.
Pressionado por amigos, concordou em explicar a enigmática marca registrada. “Meu filho, aprendi tudo o que sei sozinho, viajando ou lendo nos livros. Outro dia, uma professora, dessas que se diz estudada, queria tirar umas dúvidas comigo. Respondi na lata: ‘Sei, mas não digo’. Tem lógica eu dizer, e ela ir pra sala de aula ganhar dinheiro às minhas custas?”.
Lógica, mesmo, fez o pedido de um pescador a um governador, também pescador, nos cafundós-do-judas dos rios do Pará. De óculos escuros e chapéu, o irreconhecível governador aproximou sua lancha da canoa do nativo para pedir palpite sobre bons pesqueiros. O caboclo, depois de muito prosear, entremeando a conversa com generosos goles de pinga, já se despedia quando um amigo do governador entrou na conversa:
- O senhor já viu alguma vez o governador?
- Só pur retrato.
O governador tirou os óculos e o chapéu, para espanto, seguido de raciocínio rápido do caboclo, já meio pau, meio tijolo pelo efeito da pinga:
- Ah, não. Pus agora o sinhú vai tê dé mé levar lá em casa. Já pensú se eu chego bêbado deste jeito e digo pra mulher que tava pescando com o guvernadú?...
• Jornalista, trabalhou no O Liberal, A Província do Pará, Agência Nacional dos Diários Associados e Rádio Cultura. Atuou, como freelancer, na Folha de S. Paulo e Jornal da Tarde.
* Por Euclides Farias
Os de Vigia de Nazaré dizem que o “causo” se deu em Colares e os de Colares dizem que foi na Vigia. Mas o certo é que a lenda sustenta que um pescador, entre tantas pessoas que na década de 1970 juraram ter testemunhado a presença de OVNIs na região do rio Guajará-Mirim, no Pará, travou didático diálogo com um ufólogo que por aquelas bandas esteve pesquisando o suposto fenômeno extraterrestre:
- Qual o formato do objeto que o senhor viu no ar? Era discóide?
- Discóide, não sei dizer não, senhor. O que sei é que era igual uma arraia!
Sabedoria de caboclo é assim: não admite rodeios, é na mosca.
Vai daí que os exemplos da sagacidade interiorana se multiplicam, aplicando-se a qualquer tema. Em programa de rádio, focava-se o dilema do Paysandu Esporte Clube, que naquela altura, ainda na série A, se arrastava para a segunda divisão do campeonato brasileiro. Entrevistado, e com o linguajar inconfundível dos ribeirinhos, um caboclo torcedor do Papão reagiu com fina ironia às provocações de torcedores do Clube Remo, então mergulhados no inferno da Série C:
- Masantes uma tristeza dé premêra do que uma alegria dé tercêra.
De Macapá, a contribuição vem de Seu Mário, que, do alto de seus 85 anos, faz bravata com os conhecimentos de história do Amapá antigo. Autodidata, criou bordão com a frase “Sei, mas não digo”. Desafia todo mundo com perguntas do arco da velha. Diante da capitulação do interlocutor, sapeca: “Sei, mas não digo”. Pura troça.
Pressionado por amigos, concordou em explicar a enigmática marca registrada. “Meu filho, aprendi tudo o que sei sozinho, viajando ou lendo nos livros. Outro dia, uma professora, dessas que se diz estudada, queria tirar umas dúvidas comigo. Respondi na lata: ‘Sei, mas não digo’. Tem lógica eu dizer, e ela ir pra sala de aula ganhar dinheiro às minhas custas?”.
Lógica, mesmo, fez o pedido de um pescador a um governador, também pescador, nos cafundós-do-judas dos rios do Pará. De óculos escuros e chapéu, o irreconhecível governador aproximou sua lancha da canoa do nativo para pedir palpite sobre bons pesqueiros. O caboclo, depois de muito prosear, entremeando a conversa com generosos goles de pinga, já se despedia quando um amigo do governador entrou na conversa:
- O senhor já viu alguma vez o governador?
- Só pur retrato.
O governador tirou os óculos e o chapéu, para espanto, seguido de raciocínio rápido do caboclo, já meio pau, meio tijolo pelo efeito da pinga:
- Ah, não. Pus agora o sinhú vai tê dé mé levar lá em casa. Já pensú se eu chego bêbado deste jeito e digo pra mulher que tava pescando com o guvernadú?...
• Jornalista, trabalhou no O Liberal, A Província do Pará, Agência Nacional dos Diários Associados e Rádio Cultura. Atuou, como freelancer, na Folha de S. Paulo e Jornal da Tarde.
Risos... Estando em boa companhia, está perdoado.
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