quarta-feira, 18 de janeiro de 2012







O passado está de volta


* Por Mara Narciso

Quantas vezes você se sentiu injustiçado? Ainda criança, foi relegado ao segundo plano em detrimento de outro, ou em casa ou na escola. Aquela professora que o maltratou, ou que lhe deu nota ruim. O seu trabalho estava melhor do que o de um colega, e foi você quem fez os dois. O seu primeiro e o outro apressadamente, ao término do seu. Você foi solidário, e diante da sua meninice e da incapacidade do amigo, fez ambos os trabalhos de arte, para que ele não ficasse sem pontuação. E a sua nota foi pior do que a dele.
Aquele menino quebrou a vidraça do vizinho e sobrou para você, que ia passando. Você limpou o quintal, mas foi seu irmão quem recebeu o agrado. Época terrível, e você quase morreu, quando o destino tirou seu primeiro namorado, o levando para longe. Foi choro desatinado, tudo estava perdido, não tinha vontade de viver, apenas chorar, caída numa cama, ouvindo Roberto Carlos. E a vida não acabou nada. Foi apenas o começo, a primeira paixão, pois muitas outras aconteceriam. Numa outra situação, você vai ficar noivo, e seu amigo tenta roubar-lhe a namorada. É susto, é choro, mas você ganha a parada. Casa-se com ela.
O tempo passa e um namoradinho que nem chegou a ser de fato namorado, perde-se no tempo. Você fica dentro dele como um caso não resolvido. Décadas se passam, e ele ainda sente necessidade de um acerto. Ou então, um vizinho bonitinho some no mundo. Depois volta, correndo pela cidade. Voltarão a amizade interrompida?
São muitas as possibilidades, e bem diversos os passados. Cada um tem o seu. E o de amigos, parentes, vizinhos, namorados, professores, colegas. Tantas e tantas coisas para contar ou omitir. Umas boas, outras ruins. Fora alguns que morreram pelo caminho.
Então, a internet e de algum modo também a telefonia móvel começam a jogar toda essa gente na sua frente. São almas que se desgarraram há tempos, e vão perfilando na sua tela e depois ficam cara a cara. Pessoas cujos nomes não foram esquecidos, e muito menos o rosto. Vem o contato, a voz, a foto, o ver de novo. Há quem não era lembrado por muito tempo. E chega outra vez. Sem as possibilidades tecnológicas, de rastreamento, que as redes sociais propiciam, dificilmente certas pessoas seriam revistas. Um amigo comum leva ao restante do grupo, seja do colégio, da faculdade, do trabalho, daquela rua, ou outros mais. O passado está de volta. E para que serve esse retorno? Para confirmar que o tempo passou?
Há quem queira matar a curiosidade, saber o que aconteceu com o personagem importante, que se evaporou, deixou esse palco e foi viver outras histórias. Ou ainda quer resgatar alguém querido que não poderia ter sumido por tanto tempo. Encontram-se, e os pontos comuns já se compactuam, pois as características principais não mudam. Aquele amigo engraçado e espirituoso voltou, para o seu gosto. Ou o namorado que não foi tão bacana no final, e saiu meio que pela porta dos fundos, tem a oportunidade de consertar, de mostrar-se como pessoa de bem.
O amor não vivido plenamente na juventude pode agora, sim, acontecer com força. Ou o amiguinho de infância confessar um amor não dito na época e despertar um novo interesse. Ou um amigo que o magoou mostrar-se afável, e você vê que ele não é má pessoa, e o desentendimento foi sem motivo. É a oportunidade que as redes sociais, em especial o Facebook, lhe proporciona.
Como estão essas pessoas desaparecidas? Mudaram bastante, embora os traços marcantes permaneçam. Envelheceram, e não apenas você. Alguns tiveram vidas ótimas, outros não. Uns engordaram, mudaram a cor dos cabelos, ou os perderam, deram a volta ao mundo, casaram-se mais de uma vez. Não há desejo de retornar laços estreitos com todos, mas para muitos há a vontade de fazer um resgate, se não de tudo, de parte do que ficou mal resolvido. Rever lugares, fatos e fotos antigas, que alguém tenha.
O chat sempre foi o divã do analista, sem o analista. Agora, com os recursos de interação, percebem-se pessoas passando a limpo, consertando suas vidas, resgatando, ou simplesmente fazendo as pazes com seu passado. Para felicidade geral da nação dos internautas.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-

6 comentários:

  1. Verdade, Mara. Quantas vezes me peguei no facebook fazendo exatamente isso que você relata, puxando um fio de meada que vai dar em outros e esquecidos novelos... Muito boa a reflexão e o texto. Parabéns e um abraço.

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  2. Errata: Voltarão à amizade interrompida? Faltou a crase.
    Marcelo, há tempos estou vendo os mortos se levantarem, desafiando a lei de que os mortos não falam. Ando vendo e ouvindo tanto fantasma, e já não os temo. O que tenho conseguido é sentir-me bem, melhorar aquilo que não ficou bem na foto.
    Obrigada pelo elogio.

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  3. ...E na distância morro, todo dia, sem você saber (RC). Seu texto deixou-me melancólica! Mesmo sabendo que hoje a distância já não existe neste mundo globalizado. Tem seu lado bom e ruim, como tudo que nos cerca, como nós mesmos.
    Abraços.

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  4. Verdade, Marleuza. Todos estão próximos, no tempo e no espaço, e cada um deles poderá voltar.Agradeço a presença.

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  5. "A História é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi anuncia o que será." Eduardo Galeano
    As duvidas são a certeza do hoje, mas como
    não tê-las? Não sei,mas ela é um combustível de que amanhã possamos vislumbrar que fizemos muitas coisas certas mesmo nos momentos errados. Recordar é viver... diz o jargão, logo penso, porque não recordar e mudar para coisas boas? se for possível... desculpe a viagem...

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  6. Pois é, Adailton, as redes sociais, por mais que não agradem a alguns, nos permite aproximar de gente que nunca conseguiríamos sem este meio, como também reencontrar gente que mora em outros quadrantes. Obrigada por comentar.

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