sábado, 5 de março de 2011




Uma pátria chamada Carnaval

* Por Paulo Fernando Craveiro



Vamos colocar em vossas mãos a paisagem musical do Recife. É um mundo estranho e vibrante. Ninguém sabe onde principia a tristeza nessa pátria.
Esse mundo está dividido não em países nem em cidades, mas em danças. Elas fazem parte de uma federação de sentimentos.
Cabocolinho, maracatu e frevo são divisões de uma alma mais geral: o Carnaval do Recife.
Os cabocolinhos são índios de Carnaval, geralmente unidos em agrupamentos. Ao som de guizos atados em suas fantasias, pulam monotonamente. A cadência é certa como pingo d'água caindo. Auditivamente cansativa, apesar do ritmo ter uma velocidade nervosa. Usam arcos que não atiram flechas. Promovem estalidos de madeira, pois a vareta que liga a corda à curvatura do arco possui apenas a função de emitir ruído sem melodia, seco como tapa no rosto.
O maracatu é uma espécie de religião. Sua pureza consiste em ser cantado por negros somente. O grupo carnavalesco que dá vida ao maracatu está alicerçado ritmicamente em instrumentos de percussão, com tambores, chocalhos e gonguês. A coreografia é pobre e espontânea. Ao que entoa as loas respondem os outros negros. Sua influência vem dos séquitos africanos, quando os escravos levavam os reis para a homenagem da coroação.
O frevo é a explosão coletiva. Violento como um susto. A multidão dançante parece ferver. Todas as vontades de libertação ficam à flor da pele. E o corpo individual e coletivo começa a vibrar; os pés em brasa e a alma voando. A coreografia de frevo nasce em cada dançarino, às vezes numa improvisação sobre o calçamento. É também formada de uma variação incomum de passes, que é o "passo" no seu conjunto de requebros e maneiras de pisar.
Vamos colocar em vossas mãos a paisagem musical do Recife. É um mundo estranho e vibrante. Ninguém sabe onde principia a alegria e termina a tristeza nessa pátria.

(Antologia do carnaval do Recife, org. Mário Souto Maior e Leonardo Dantas Silva. Recife, Massangana, 1991.)

• Escritor

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