A mendiga e os cães
* Por Sílvio Lancellotti
Estava na porta do teatro, a fumar, no aguardo da estréia de uma peça de escola – as duas filhas pequenas iriam representar. Então, à sua frente, cruzou uma senhora, já idosa, na casa dos setenta anos de idade. Era visivelmente uma mendiga. Mas, uma mendiga diferente do convencional. Parecia limpa, de banho tomado. Calçava sapatos de salto, usava um vestido longo, de veludo – e, para se proteger do frio de julho, ostentava um longo e espesso chale de tricô ao redor do pescoço. Um chale em várias cores, de franjas enormes.
Ficou mais impressionado, porém, com os três cachorros que seguiam a velhota, mansamente. Cachorros saudáveis, que comiam todos os dias. Daí, a velhota estacionou diante de um pipoqueiro, pegou algumas moedas de uma bolsa que já vira melhores dias, comprou um saquinho e subiu a ladeira. Num rompante, pensou em pagar ele a despesa da mulher. Mas, não houve tempo. Saquinho à mão, a senhora reiniciou a sua marcha ladeira acima. Perguntou ao pipoqueiro se conhecia a velhota: “Sim, passa aqui, sempre à noitinha”.
Curioso, subiu atrás da mulher – que entrou numa pracinha e se alojou, os cães aos seus pés, num banco junto a uma igreja. Ao lado, existia uma barraquinha de frutas. A velhota comprou duas maçãs e as dividiu em quatro partes. Serviu-se de um gomo e dividiu os outros com os seus cachorros.
Começou a se angustiar. À distância, passou a vigiar a mulher. Mal se lembrava, então, da peça das filhas. Da praça, a senhora tomou uma escadaria e desceu a uma avenida em decadência. Uns cem metros além, com a suas próprias chaves, abriu o portão de uma mansão vetusta. Outros cachorros saudaram aqueles que a escoltavam. Não encontrou coragem para continuar a sua investigação. Não se tratava de uma mendiga, não. Apenas uma velhota sem mais sonhos, que a família ignorava. Sentiu muito mais pena... Voltou ao teatro, ofegante. Salvou-lhe a jornada o belo sucesso das filhas na peça.
Naquela madrugada, de todo modo, não dormiu.
* Diplomou-se em Arquitetura. Trabalhou na revista “Veja” de 1967 até 1976, onde se tornou editor de “Artes & Espetáculos”. Passou por “Vogue”, agências de publicidade, foi redator-chefe de “Istoé”, colunista da “Folha” e do “Estadão”, fez programas de gastronomia em várias emissoras de TV, virou comentarista de esportes da Band, Manchete e Record, até se fixar, em 2003, na ESPN. Trabalha, além da ESPN, na Reuters, na “Flash”, no portal Ig e na “Viva São Paulo” e é sócio da filha e do genro na Lancellotti Pizza Delivery – site de Internet www.lancellotti.com.br.
* Por Sílvio Lancellotti
Estava na porta do teatro, a fumar, no aguardo da estréia de uma peça de escola – as duas filhas pequenas iriam representar. Então, à sua frente, cruzou uma senhora, já idosa, na casa dos setenta anos de idade. Era visivelmente uma mendiga. Mas, uma mendiga diferente do convencional. Parecia limpa, de banho tomado. Calçava sapatos de salto, usava um vestido longo, de veludo – e, para se proteger do frio de julho, ostentava um longo e espesso chale de tricô ao redor do pescoço. Um chale em várias cores, de franjas enormes.
Ficou mais impressionado, porém, com os três cachorros que seguiam a velhota, mansamente. Cachorros saudáveis, que comiam todos os dias. Daí, a velhota estacionou diante de um pipoqueiro, pegou algumas moedas de uma bolsa que já vira melhores dias, comprou um saquinho e subiu a ladeira. Num rompante, pensou em pagar ele a despesa da mulher. Mas, não houve tempo. Saquinho à mão, a senhora reiniciou a sua marcha ladeira acima. Perguntou ao pipoqueiro se conhecia a velhota: “Sim, passa aqui, sempre à noitinha”.
Curioso, subiu atrás da mulher – que entrou numa pracinha e se alojou, os cães aos seus pés, num banco junto a uma igreja. Ao lado, existia uma barraquinha de frutas. A velhota comprou duas maçãs e as dividiu em quatro partes. Serviu-se de um gomo e dividiu os outros com os seus cachorros.
Começou a se angustiar. À distância, passou a vigiar a mulher. Mal se lembrava, então, da peça das filhas. Da praça, a senhora tomou uma escadaria e desceu a uma avenida em decadência. Uns cem metros além, com a suas próprias chaves, abriu o portão de uma mansão vetusta. Outros cachorros saudaram aqueles que a escoltavam. Não encontrou coragem para continuar a sua investigação. Não se tratava de uma mendiga, não. Apenas uma velhota sem mais sonhos, que a família ignorava. Sentiu muito mais pena... Voltou ao teatro, ofegante. Salvou-lhe a jornada o belo sucesso das filhas na peça.
Naquela madrugada, de todo modo, não dormiu.
* Diplomou-se em Arquitetura. Trabalhou na revista “Veja” de 1967 até 1976, onde se tornou editor de “Artes & Espetáculos”. Passou por “Vogue”, agências de publicidade, foi redator-chefe de “Istoé”, colunista da “Folha” e do “Estadão”, fez programas de gastronomia em várias emissoras de TV, virou comentarista de esportes da Band, Manchete e Record, até se fixar, em 2003, na ESPN. Trabalha, além da ESPN, na Reuters, na “Flash”, no portal Ig e na “Viva São Paulo” e é sócio da filha e do genro na Lancellotti Pizza Delivery – site de Internet www.lancellotti.com.br.
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