Civilização e barbárie
O que é civilização? E, em contrapartida, o que é barbárie? Essas definições são bastante diferentes para habitantes de lugares bem diversos. Para um europeu, por exemplo ( ou norte-americano, ou mesmo brasileiro de classe média) ser “civilizado” é ter acesso a determinados bens, materiais e/ou imateriais – como uma casa confortável em um bairro bem urbanizado, um carro de preferência potente e do ano, uma conta bancária recheada e a meios de informação e de cultura – sem o que não concebe uma vida minimamente digna, que valha a pena. Até de forma inconsciente, consideramos que, os que não têm esses privilégios e confortos, não importa se por opção ou por incapacidade, são “bárbaros”. Será? Discordo!
O conceito a esse propósito, digamos, de um aborígene da Tasmânia, ou dos membros de algum clã do Kazaquistão, ou de habitantes de determinados países insulares do Pacífico Sul, isolados e esquecidos por todos, tende a ser (provavelmente é) muito diverso. Eles não dão tanta (talvez nenhuma) importância a essas conquistas nossas, que consideramos o suprassumo de civilização. Para eles contam mais os laços de família, as tradições legadas pelos antepassados que se empenham em transmitir aos filhos e netos, e os costumes, virtualmente imutáveis, mesmo que a nós pareçam primitivos, selvagens, bárbaros, que cultivam. Quem está com a razão? Talvez ambos. Talvez nenhum deles. Honestamente, não tenho resposta, embora tenha preferência.
O escritor francês Anatole France – ganhador de um Prêmio Nobel de Literatura nos primórdios do século XX – fez uma observação lúcida e verdadeira a respeito, que considero não apenas pertinente, como até (ou sobretudo) lógica. Escreveu, no romance “O manequim de vime” (um de seus livros menos conhecidos, posto que não menos genial), pondo a declaração na boca de um dos seus personagens: “O que os homens chamam de civilização é o estado atual dos seus costumes e o que chamam de barbárie são os estados anteriores. Os costumes serão chamados bárbaros quando forem costumes passados”.
Isso, óbvio, em referência aos habitantes das regiões supostamente “mais civilizadas” do Planeta. Imaginem para os integrantes de sociedades vistas por nós como primitivas e de costumes cristalizados, que se arrepiam face à nossa cínica e oportunista moral e à nossa falida ética. Entre esses povos, estejam certos, o valor de uma pessoa não é medido (pelo menos ainda não) pelo que ela “tem”, mas pelo que “é”. Ou seja, por sua honestidade, integridade, solidariedade etc.etc.etc. e outras tantas virtudes, desgraçadamente em baixa em nossa sociedade ocidental.
A Wikipédia, enciclopédia eletrônica livre da internet, que consulto, amiúde, sempre que quero esclarecer alguma dúvida, define “civilização” da seguinte maneira: “estágio mais avançado de determinada sociedade humana, caracterizada basicamente pela sua fixação ao solo mediante construção de cidades, daí derivar do latim civita que designa cidade e civile (civil) o seu habitante. Num sentido mais amplo, a civilização designa toda uma cultura de determinado povo e o acervo de seus característicos sociais, científicos, políticos, econômicos e artísticos próprios e distintos”.
E acrescenta, à guisa de complemento: “A civilização é um processo social em si, inerente aos grupamentos humanos que tendem sempre a evoluir com a variação das disponibilidades econômicas, principalmente alimentares e sua decorrente competição por estes com os grupamentos vizinhos”.
Importante é o adendo a essa nota, que explicita a mentalidade que nos norteia, sempre de competição e nunca de cooperação: “Alguns historiadores têm defendido que o surgimento de grandes civilizações sempre depende do progressivo acúmulo de recursos naturais por um determinado grupo étnico e tem por detonador o acúmulo de poder bélico nas mãos de certos líderes e suas famílias. A hegemonia de tais grupos sobre outros acaba sempre influenciando culturalmente toda a região e o produto, invariavelmente, redunda em um novo regramento social, impressionantes construções e a produção de obras de arte numa etapa posterior”.
De fato, este modelo, que conhecemos e defendemos com unhas e dentes (quando inseridos, óbvio, no grupo que tem acesso aos bens e facilidades que não são universais), propiciou uma evolução econômica, científica, tecnológica e cultural sem precedentes. Sequer é necessário citar os “milagres” da tecnologia, por exemplo, que vieram facilitar a vida dos que podem ter acesso a tais bens. Mas, e os que não podem? Restam-lhes migalhas, se tanto, e um padrão de vida horroroso, que faz do hipotético “inferno” verdadeiro paraíso na comparação com suas realidades.
É um sistema individualista, perverso, excludente, voltado para a minoria (a despeito da tão propalada e pouco exercida “democracia”), em detrimento da maioria dos habitantes de um país ou região. Explora a força de trabalho de dois terços dos habitantes do Planeta às últimas consequências, mediante remuneração injusta e vil, para o gozo e o conforto do um terço restante, que pouco ou nada faz para merecer tais benesses. E o mais grave é que esse modelo de “civilização” não tem a menor chance de ser revertido ou sequer alterado.
Pior, por ser predatório, consome os hiper parcos recursos naturais terrestres, com voracidade furiosa, em detrimento das gerações futuras, pondo em risco o delicado e frágil equilíbrio da Terra e, por conseqüência, a continuidade da vida, não somente a humana, mas dos demais animais e vegetais.
Isto me leva a questionar: quem é o civilizado e quem o bárbaro? No primeiro caso, o habitante dos países industrializados, das potências e da única superpotência que restou ou o bosquímano da Tasmânia, o kazaque das estepes da Eurásia ou o ilhéu dos Mares do Sul?
Por estas e outras, só tenho que dar razão, outra vez, a Anatole France, quando constata: “O mundo é a tragédia dum excelente poeta”. E tudo leva a crer que esta caminha para um epílogo grandiloqüente, que a tornará no suprassumo do trágico, no caso, na catástrofe final, definitiva e irremissível. Tomara que não, mas... Qual, vocês acham, que é a lógica?
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
O que é civilização? E, em contrapartida, o que é barbárie? Essas definições são bastante diferentes para habitantes de lugares bem diversos. Para um europeu, por exemplo ( ou norte-americano, ou mesmo brasileiro de classe média) ser “civilizado” é ter acesso a determinados bens, materiais e/ou imateriais – como uma casa confortável em um bairro bem urbanizado, um carro de preferência potente e do ano, uma conta bancária recheada e a meios de informação e de cultura – sem o que não concebe uma vida minimamente digna, que valha a pena. Até de forma inconsciente, consideramos que, os que não têm esses privilégios e confortos, não importa se por opção ou por incapacidade, são “bárbaros”. Será? Discordo!
O conceito a esse propósito, digamos, de um aborígene da Tasmânia, ou dos membros de algum clã do Kazaquistão, ou de habitantes de determinados países insulares do Pacífico Sul, isolados e esquecidos por todos, tende a ser (provavelmente é) muito diverso. Eles não dão tanta (talvez nenhuma) importância a essas conquistas nossas, que consideramos o suprassumo de civilização. Para eles contam mais os laços de família, as tradições legadas pelos antepassados que se empenham em transmitir aos filhos e netos, e os costumes, virtualmente imutáveis, mesmo que a nós pareçam primitivos, selvagens, bárbaros, que cultivam. Quem está com a razão? Talvez ambos. Talvez nenhum deles. Honestamente, não tenho resposta, embora tenha preferência.
O escritor francês Anatole France – ganhador de um Prêmio Nobel de Literatura nos primórdios do século XX – fez uma observação lúcida e verdadeira a respeito, que considero não apenas pertinente, como até (ou sobretudo) lógica. Escreveu, no romance “O manequim de vime” (um de seus livros menos conhecidos, posto que não menos genial), pondo a declaração na boca de um dos seus personagens: “O que os homens chamam de civilização é o estado atual dos seus costumes e o que chamam de barbárie são os estados anteriores. Os costumes serão chamados bárbaros quando forem costumes passados”.
Isso, óbvio, em referência aos habitantes das regiões supostamente “mais civilizadas” do Planeta. Imaginem para os integrantes de sociedades vistas por nós como primitivas e de costumes cristalizados, que se arrepiam face à nossa cínica e oportunista moral e à nossa falida ética. Entre esses povos, estejam certos, o valor de uma pessoa não é medido (pelo menos ainda não) pelo que ela “tem”, mas pelo que “é”. Ou seja, por sua honestidade, integridade, solidariedade etc.etc.etc. e outras tantas virtudes, desgraçadamente em baixa em nossa sociedade ocidental.
A Wikipédia, enciclopédia eletrônica livre da internet, que consulto, amiúde, sempre que quero esclarecer alguma dúvida, define “civilização” da seguinte maneira: “estágio mais avançado de determinada sociedade humana, caracterizada basicamente pela sua fixação ao solo mediante construção de cidades, daí derivar do latim civita que designa cidade e civile (civil) o seu habitante. Num sentido mais amplo, a civilização designa toda uma cultura de determinado povo e o acervo de seus característicos sociais, científicos, políticos, econômicos e artísticos próprios e distintos”.
E acrescenta, à guisa de complemento: “A civilização é um processo social em si, inerente aos grupamentos humanos que tendem sempre a evoluir com a variação das disponibilidades econômicas, principalmente alimentares e sua decorrente competição por estes com os grupamentos vizinhos”.
Importante é o adendo a essa nota, que explicita a mentalidade que nos norteia, sempre de competição e nunca de cooperação: “Alguns historiadores têm defendido que o surgimento de grandes civilizações sempre depende do progressivo acúmulo de recursos naturais por um determinado grupo étnico e tem por detonador o acúmulo de poder bélico nas mãos de certos líderes e suas famílias. A hegemonia de tais grupos sobre outros acaba sempre influenciando culturalmente toda a região e o produto, invariavelmente, redunda em um novo regramento social, impressionantes construções e a produção de obras de arte numa etapa posterior”.
De fato, este modelo, que conhecemos e defendemos com unhas e dentes (quando inseridos, óbvio, no grupo que tem acesso aos bens e facilidades que não são universais), propiciou uma evolução econômica, científica, tecnológica e cultural sem precedentes. Sequer é necessário citar os “milagres” da tecnologia, por exemplo, que vieram facilitar a vida dos que podem ter acesso a tais bens. Mas, e os que não podem? Restam-lhes migalhas, se tanto, e um padrão de vida horroroso, que faz do hipotético “inferno” verdadeiro paraíso na comparação com suas realidades.
É um sistema individualista, perverso, excludente, voltado para a minoria (a despeito da tão propalada e pouco exercida “democracia”), em detrimento da maioria dos habitantes de um país ou região. Explora a força de trabalho de dois terços dos habitantes do Planeta às últimas consequências, mediante remuneração injusta e vil, para o gozo e o conforto do um terço restante, que pouco ou nada faz para merecer tais benesses. E o mais grave é que esse modelo de “civilização” não tem a menor chance de ser revertido ou sequer alterado.
Pior, por ser predatório, consome os hiper parcos recursos naturais terrestres, com voracidade furiosa, em detrimento das gerações futuras, pondo em risco o delicado e frágil equilíbrio da Terra e, por conseqüência, a continuidade da vida, não somente a humana, mas dos demais animais e vegetais.
Isto me leva a questionar: quem é o civilizado e quem o bárbaro? No primeiro caso, o habitante dos países industrializados, das potências e da única superpotência que restou ou o bosquímano da Tasmânia, o kazaque das estepes da Eurásia ou o ilhéu dos Mares do Sul?
Por estas e outras, só tenho que dar razão, outra vez, a Anatole France, quando constata: “O mundo é a tragédia dum excelente poeta”. E tudo leva a crer que esta caminha para um epílogo grandiloqüente, que a tornará no suprassumo do trágico, no caso, na catástrofe final, definitiva e irremissível. Tomara que não, mas... Qual, vocês acham, que é a lógica?
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Mais uma vez só posso afirmar que o certo e o errado não existem, apenas o aceitável e o inaceitável dependendo da época e do lugar. Gostei da "voracidade furiosa". Os paises ricos são exatamente assim.
ResponderExcluir