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As cartomantes
* Por Risomar Fasanaro
Vi outro dia na novela do Manuel Carlos uma cartomante, e me dei conta de que faz tempo que não procuro nenhuma. É verdade: não consigo viver muito tempo longe delas. E que não me venham dizer que é tudo ilusão, que elas não acertam nada, que o destino a Deus pertence. Sim, o destino a Deus pertence, mas tenho pressa, curiosidade. Melhor ainda: preciso que elas me digam coisas que desejo ouvir.
Jamais vou exigir de uma cartomante que aconteça o que ela previu, jamais. Aliás, quando alguém me indica alguma e diz: “vá que ela acerta tudo”, já perco o interesse. Quero uma cartomante mentirosa, que me diga apenas o que quero ouvir. Quero uma cartomante que me acene com um futuro em que eu me sinta inteiramente feliz. Que preveja que eu viva um amor como jamais vivi, que eu encontre um homem que me veja, que me escute, que me dê certeza de seu amor, para que eu nunca sinta ciúme dele.
Quero uma cartomante que me preveja muita saúde, muita harmonia em minha família e junto aos meus amigos.
Eu também já fui cartomante. Minha mãe lia a sorte em baralho comum, mas só fazia isso para uma de suas amigas. Como estava sempre muito ocupada, cansada de esperar por ela para ler minha sorte, com doze anos anotei nas cartas o que cada uma significava e depois, com ela, aprendi como se lia de acordo com as que viessem junto àquela. Hoje não me lembro de mais nada daquela leitura, só que as cartas de espada e de paus quase sempre são prenúncio de tristezas, dificuldades, e que as de copas se referem ao amor, e as de ouro a dinheiro. Ah...Mas quanto sucesso fiz com minhas colegas de classe lendo cartas para elas. Principalmente porque lia de graça, só pelo prazer de ler.
Personagem interessante a cartomante. Gastei muito com elas. Algumas vezes sem dinheiro, cheguei a pagar consulta com cheque pré-datado tão grande era minha ansiedade.
A primeira vez que fui a uma, ainda estava no ginásio. Fui com duas colegas e a consulta ficou marcada para o dia seguinte. Por motivos que não me lembro, faltei à aula naquele dia, e as duas meninas foram sem mim.
No dia seguinte quando voltei ao colégio, estava curiosa: e aí, como foi, o que ela disse?
As duas me olharam com ar de desconfiança e disseram: “ela disse que nós tínhamos uma colega morena muito falsa”. “E vocês acham que sou eu?”, perguntei. E elas continuando com aquele ar de desdém disseram: “não sei, foi a cartomante que disse”. Naquele dia descobri que o mundo das cartomantes era o da ficção, e que, por isso mesmo, precisava ter muito cuidado com elas, mas ao mesmo tempo senti que me interessavam e muito.
Sempre que as consulto anoto o que vão dizendo para depois conferir. Descubro que 90% do que disseram não aconteceu, e os 10% restantes qualquer um poderia prever: você vai ficar doente, mas é doença leve, deve ser gripe. Alguém ligado a você, ou amigo ou parente vai sofrer um prejuízo... Imagine, convivendo com tantas pessoas, é quase impossível uma delas não sofrer algum tipo de prejuízo.
Mas pensa que isso me tira a vontade de consultá-las? Que nada. Ao primeiro sinal de desânimo lá vou eu procurá-las.
E como a gente enfrenta dificuldades para consultar uma cartomante... Elas sempre moram longe, não podem no único dia que a gente está de folga, e quando a gente consegue marcar, na horinha que vai saindo chega um amigo ateu...e lá se vai nossa consulta. Como explicar àquele ser incréu que acreditamos que alguém irá nos prever o futuro? Se fizermos isso nos arriscaremos a ouvir uns três capítulos de Marx, uns dois de Lênin, e lá se foi aquele futuro maravilhoso que traríamos para casa naquela tarde que na ida era cinzenta e que, após a leitura de cartas nos descortinaria um pôr-de-sol como jamais vimos?
E para justificar o interesse que tenho pelas cartomantes, pediria a você que lesse o conto de Machado de Assis, “A Cartomante”, e depois “A Hora da Estrela” de Clarice Lispector. Nessas duas obras constatamos que eles dois também gostavam, tanto quanto eu, de cartomantes mentirosas.
* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
* Por Risomar Fasanaro
Vi outro dia na novela do Manuel Carlos uma cartomante, e me dei conta de que faz tempo que não procuro nenhuma. É verdade: não consigo viver muito tempo longe delas. E que não me venham dizer que é tudo ilusão, que elas não acertam nada, que o destino a Deus pertence. Sim, o destino a Deus pertence, mas tenho pressa, curiosidade. Melhor ainda: preciso que elas me digam coisas que desejo ouvir.
Jamais vou exigir de uma cartomante que aconteça o que ela previu, jamais. Aliás, quando alguém me indica alguma e diz: “vá que ela acerta tudo”, já perco o interesse. Quero uma cartomante mentirosa, que me diga apenas o que quero ouvir. Quero uma cartomante que me acene com um futuro em que eu me sinta inteiramente feliz. Que preveja que eu viva um amor como jamais vivi, que eu encontre um homem que me veja, que me escute, que me dê certeza de seu amor, para que eu nunca sinta ciúme dele.
Quero uma cartomante que me preveja muita saúde, muita harmonia em minha família e junto aos meus amigos.
Eu também já fui cartomante. Minha mãe lia a sorte em baralho comum, mas só fazia isso para uma de suas amigas. Como estava sempre muito ocupada, cansada de esperar por ela para ler minha sorte, com doze anos anotei nas cartas o que cada uma significava e depois, com ela, aprendi como se lia de acordo com as que viessem junto àquela. Hoje não me lembro de mais nada daquela leitura, só que as cartas de espada e de paus quase sempre são prenúncio de tristezas, dificuldades, e que as de copas se referem ao amor, e as de ouro a dinheiro. Ah...Mas quanto sucesso fiz com minhas colegas de classe lendo cartas para elas. Principalmente porque lia de graça, só pelo prazer de ler.
Personagem interessante a cartomante. Gastei muito com elas. Algumas vezes sem dinheiro, cheguei a pagar consulta com cheque pré-datado tão grande era minha ansiedade.
A primeira vez que fui a uma, ainda estava no ginásio. Fui com duas colegas e a consulta ficou marcada para o dia seguinte. Por motivos que não me lembro, faltei à aula naquele dia, e as duas meninas foram sem mim.
No dia seguinte quando voltei ao colégio, estava curiosa: e aí, como foi, o que ela disse?
As duas me olharam com ar de desconfiança e disseram: “ela disse que nós tínhamos uma colega morena muito falsa”. “E vocês acham que sou eu?”, perguntei. E elas continuando com aquele ar de desdém disseram: “não sei, foi a cartomante que disse”. Naquele dia descobri que o mundo das cartomantes era o da ficção, e que, por isso mesmo, precisava ter muito cuidado com elas, mas ao mesmo tempo senti que me interessavam e muito.
Sempre que as consulto anoto o que vão dizendo para depois conferir. Descubro que 90% do que disseram não aconteceu, e os 10% restantes qualquer um poderia prever: você vai ficar doente, mas é doença leve, deve ser gripe. Alguém ligado a você, ou amigo ou parente vai sofrer um prejuízo... Imagine, convivendo com tantas pessoas, é quase impossível uma delas não sofrer algum tipo de prejuízo.
Mas pensa que isso me tira a vontade de consultá-las? Que nada. Ao primeiro sinal de desânimo lá vou eu procurá-las.
E como a gente enfrenta dificuldades para consultar uma cartomante... Elas sempre moram longe, não podem no único dia que a gente está de folga, e quando a gente consegue marcar, na horinha que vai saindo chega um amigo ateu...e lá se vai nossa consulta. Como explicar àquele ser incréu que acreditamos que alguém irá nos prever o futuro? Se fizermos isso nos arriscaremos a ouvir uns três capítulos de Marx, uns dois de Lênin, e lá se foi aquele futuro maravilhoso que traríamos para casa naquela tarde que na ida era cinzenta e que, após a leitura de cartas nos descortinaria um pôr-de-sol como jamais vimos?
E para justificar o interesse que tenho pelas cartomantes, pediria a você que lesse o conto de Machado de Assis, “A Cartomante”, e depois “A Hora da Estrela” de Clarice Lispector. Nessas duas obras constatamos que eles dois também gostavam, tanto quanto eu, de cartomantes mentirosas.
* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.
Que confissão corajosa a de dizer que gosta de cartomante que diz mentiras agradáveis! Mas talvez seja assim com todo o mundo. Esse negócio de acertar em cheio ... uhm ... Lembro logo de Macabéa, coitada! Quanto a mim, jogo tarô para os íntimos e percebo como eles anseiam por uma adulação disfarçada, por uma palavra estratégica que lhes aliviem terríveis premonições. Isso feito, vão-se embora mais calmos e com a renovada esperança de poderem prosseguir. Parabéns, Ris!
ResponderExcluirMas que maravilha saber que você lê tarô. Dá pra ler por correspondência? Mas só quero saber o que houver de bom, tristezas jamais...Rs,rs
ResponderExcluirObrigada, Daniel, é uma alegria muito grande ter um leitor como você.
Bjo.
Ris
Cada um descobre um artifício ou ferramenta para desbravar, se não o mundo, pelo menos a própria vida. Ao contrário de você, creio ser a única mulher que nunca foi a uma cartomante. Não tive essa curiosidade. Seria mais uma das minhas faces de agnóstica. Devo ser mais incréu do que os seus amigos vermelhos, mas a ilusão pode fazer um bem tão bom quanto remédios( ou placebos). Achei doce a sua visão das "cartomantes mentirosas".
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