terça-feira, 20 de outubro de 2009




O irmão dele

* Por Cacá Mendes


O ruído andava em torno do morto, ensimesmando-se para entender a dor, para saber se haveria o que chorar... Um homem que nunca fora visto, se não como um bêbado, jamais se importaria com um morto, mesmo se este morto fosse no sangue e no hábito de seu, um irmão. O outro dos três que não bebia, achava que o sujeito são via tudo, e o errado, que se acha, não vê, nem vivo nem morto, não vê o mesmo do conjunto. Assim o bêbado do irmão, encurvado, caindo, babando em silêncio, esquecido entre choros do seu entorno, mirava o logo do ali estendido no cimo da mesa, como se naquele ermo de velório só existissem ele e o morto. Os sãos não o viram, não mesmo, talvez.

Velório dos velhos tempos (se me faço entender no oco do insólito) vara a noite, pelo meio, no seu miolo, enveredando pelas horas vagas que nos sobram da desocupada da vida – instante em que o sol descansa suas pernas, mirando outros orientes, de onde pelos ossos do aqui se vêem, gente assim ou assado socialmente, numa noite de velar o ente indo, a reflexão nela é um servir de professor para nos repetir todo instante a justeza do disto: pobres e ricos se afogam sim, no mesmo balde do além, juntos ou separados eternos vão – por menos que se admita, brilhantes ou opacos cidadãos de pessoas dos todos ou de alguns, ao mesmo pó, neste ou noutro lá se dissolverá, inexoravelmente.

Assim, no desenvolvimento das coisas desse evento funéreo, o irmão bêbado do esticado no pleno, na verdade, verdade, no durante de muitas horas ficou no dizer, muito, muito, muito distante do caixão e somente o fez no primeiro do seu quase fechado olhar, lá pelos últimos fantasmas da madrugada... Sim, quando não lhe havia nos nervos tanta tontura e seu resquício de razão já lhe devolvia alguma sanidade. Então, o seu olhar esquisito que nunca conheceu mar ou rio que fosse, pode bater luz na cara do inerte, um de seu pedaço coagulado para o eterno. Naquele ali de momento e ângulo oblíquo de quase aço de tensão silenciosa, estática, melancólica, numa foto rápida, porém perpétua para os aqueles que vêem, se vissem.

O mundo dos sãos no entorno da cena, meia dúzia de seres consternados, não o viram, não mesmo.

Às seis da manhã o povo, o mais grosso da família do enternecido, deu-se pra voltar à cena da vela... O bebum, o malvisto, o cai-cai-não-cai-cai, o pudim de pinga, o amarelo, o pão de cana, o manguaça, o pinguço, o troço de gente, então, educadamente, finamente, desmontou a sua cena íntima com o morto: lançou os olhos pela última vez ao seu pedaço coagulado, estendido no ali da madeira das nuvens e retirou-se sob olhares repreensivos dos recém-chegados. Por certo aquelas criaturas que se empanturravam pra ver o morto (um que era mais seu do que de outros ali) tacitamente lhe dirigiam coisas odiosas, do tipo:
- Onde já se viu um fedido desses, infestando o ambiente, estragando o ar...! É uma falta de consideração com o falecido...

Dada a hora do ponto final, da cortina de terra, a pequena multidão em silêncio se dirigiu ao último leito para o aquele que três dias antes, nos entres de todos, em vida, sorria, brincava, amava... O outro, o da cana espremida, ficou só, no seu longe, cultivando um choro segurado a unhas e dentes, num opaco jeito de sentir, dando volta no em si para um choro que nunca houve, nunca, nunca. Fosse o que fosse nunca houve choro, nunca, nunca, nunca.

* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com

2 comentários:

  1. Cacá

    Este seu conto me causa arrepios. É um dos melhores contos que já li na vida. Parabéns!
    Beijo
    Risomar

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  2. Risomar e Fernando, obrigado por vossos comentários! Assim Eu continuarei sempre, sempre.

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