domingo, 25 de outubro de 2009




História de amor

* Por Edmundo Luiz Pacheco


Havia um gosto amargo naquele beijo. Mas nunca soube ao certo o por quê. Havia algo de que não gostava...

De resto...De resto não, era suportável. Era a salvação.

Passava sempre às oito em ponto, antes que entrasse a aula. Reclamava se me pegava de papo com alguma menina. Nem perto. Dizia que eram ciúmes...

- É loucura, mas é paixão. Te quero só pra mim, lobinho – babava de êxtase.

Eu não poderia ter mais ninguém. O diabo era a adolescência me empurrando para a vida. Garotas belas, coxudas, fazendo-me subir pelas paredes. Olhos ligeiros nas portas dos banheiros, atrás de flagrantes... Buraquinhos na parede. As saias curtas sob as carteiras... O céu e a terra se confundiam neste gozo inocente, adolescente, e... Proibido.

Era rotina.
Às oito horas, entrada da aula, sempre às terças e quintas, não, era diferente.
Beijo amargo, credo.

Pagava as mensalidades. Os livros. Conhecia os professores. Até meu boletim.
Era rápido. O carro verde encostava, lá ia eu, pela cidade afora, veloz.
Nas calçadas, moças coxudas me atraíam. Parados no sinaleiro, reclamava de um olhar, por mais discreto que fosse, para uma saia insinuante.

- Porque você não me olha assim? Você é meu. Fecha o olho! Ordenava, ríspido...
Era o tal ciúme. Era preciso respeitar. Mas meu tesão de garoto esquecia o respeito.
Às vezes, de pirraça e raiva, quando me pegava desobedecendo, deixava sem mesada uma semana inteira. Nem aparecia nos dias sagrados. Em casa, mamãe logo percebia o meu deslize:
- Moleque vagabundo! Além de perder tempo com esta merda de escola, agora deixou de ajudar em casa.

E eu , então, esperava a próxima semana, implorando o fim do castigo.
E engolia o amargo daquele beijo. Engolia meu orgulho. E esperava, submisso, às oito horas, em ponto.

Ao menos teria o que vestir, o que comer, o que levar para casa e a merda da escola. Isto, sem contar que andava de carro... Ah, como gostava andar de carro...

Era certo que havia o amargo daquele beijo.
Um amargo que me feria fundo. Mas era algo suportável...inevitável...
Insuportável era seu bigode.

*Jornalista

Um comentário:

  1. Certas negociações são inconfessáveis. Poucos se habilitam a dizer sobre o preço pago para subir alguns degraus.

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