domingo, 18 de outubro de 2009




“Cicilha kirida”

*Por Cecília Giannetti


Seis blogueiros e/ou colunistas entre dez já escreveram sobre aversão a telefones celulares. Farei minha parte. Pesquisadores, atualizem seus números.

Para melhor ilustrar a vasta gama de inconvenientes ligados ao aparelho, apresento a seguir alguns estudos de caso. Vou chamá-los “case study”, em inglês, pra dar um molho publicitário à coisa e, quem sabe, atrair leitores logo na estréia da coluna.

***

Case study I Como você acha que as meninas da cafetina Jeany Mary Corner tiraram fotos de nossos parlamentares trajando apenas Cohibas? Celulares. Mas adiantou de alguma coisa?

[Neste caso, pode-se argumentar que o celular cumpriu sua função; http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u118409.shtml => a Lei é que talvez não tenha cumprido a dela. Do Blog do Noblat http://noblat1.estadao.com.br/noblat/index.html "Nos últimos meses, Jeany tem espalhado que ela e suas 'recepcionistas' teriam testemunhado e até auxiliado a prática de atos de corrupção. Mas, em vez de denunciá-los, dedicou-se a vender seu silêncio. Em prestações."]

Prosseguindo:

Case study II A mais recente chuva a destruir o Rio de Janeiro, ocorrida há alguns... meses? deve ser. Bom, durante essa chuva uma colega ficou ilhada numa exígua calçadinha da Avenida Rio Branco, no Centro da cidade, procurando na agenda do aparelho alguém que estivesse ali por perto e a pudesse resgatar - quando o celular, naturalmente, apagou. Sabe aquele último ponto de bateria que aparece no visor? Pois tenha certeza de que desaparece quando mais necessitamos dele.

Case study III O celular oferece praticamente as mesmas vantagens de se ter no bolso uma bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento. Às vezes literalmente, como já estão descobrindo as adolescentes que se sacodem em Araras => [http://oglobo.globo.com/online/sp/mat/2006/03/20/192337295.asp].

Case study IV - Refutando críticas infundadas "Ah, gente, só alguém que não tem amigos e não trabalha pode achar que celular é inútil!" Olha, quando eu quero falar com os meus amigos, eu os surpreendo em seu sono, sentada à cabeceira de suas camas na escuridão, cutucando-lhes o pé com uma morsa empalhada e observando em silêncio até que eles acordem gritando.

Quando quero falar sobre trabalho no táxi a caminho de casa depois do trabalho, no cinema depois do trabalho ou numa festinha no Clube Hebraica depois do trabalho, eu me auto-flagelo com o que tiver ao meu alcance antes que consiga fazer uma ligação.

Case study V Por que alguém gostaria de ser encontrado onde quer que esteja, a qualquer hora, por qualquer pessoa que faça parte de uma lista de, digamos, dezenas de contatos - além de outros a quem os da lista tenham fornecido o seu número, e mais algumas ligações por engano e os trotes – que podem decidir dizer qualquer besteira que quiserem?

É como ser abordado constantemente por gente com síndrome de Tourette. E ser cobrado, em fatura bancária, por isso. É como viver num mundo em que todos têm a glândula pineal super-desenvolvida e podem se comunicar telepaticamente. A diferença é que apertam o botão do send para te comunicar cada pensamento.

***

Já escrevi antes: telefones, em geral, só servem para pedir pizza ["Ah, então este não é o seu primeiro texto sobre aversão a celulares!" É sim, xerife. O texto anterior ao qual me refiro era sobre aversão a telefones fixos.] Porque eu não vou me arriscar a pedir pizza pela internet. Sei lá, acho que aí é abusar demais. Mas, fora pedir pizza, tudo o mais em comunicação à distância pode - e deve - ser feito por escrito.

Discutir por e-mail um assunto de trabalho economiza horas e horas para todo um grupo de infelizes que, de outra maneira, para chegar à salinha de paredes de fórmica do escritório, ficariam:

1) presos no engarrafamento (e não falo só de São Paulo);

2) feios em roupas de escritório;

3) de saco cheio de ver uma mesma dúvida que já foi debatida no comecinho da reunião voltar à tona no final porque alguém se distraiu (justamente com o celular, que apitou), foi ao banheiro ou estava preso no engarrafamento e chegou atrasado com um terninho de dar pena.

[Psiu... tenho uma teoria: reuniões intermináveis em saletas com paredes de fórmica são o único lazer e sociedade dos chefes que não têm amigos. Tipo ir ao clube. Mas aí eles são os donos do clube e dos amigos. Risos.]

***

“Bah, Se o telefone fixo só serve para pedir pizza [ok, também serve para pedir alguma coisa na a farmácia), o celular só serve para patrocinar festivais de música!”. É isso mesmo.

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O celular é tolerável se vocês se limitarem a mandar bilhetinhos com ele. É. SMS. Aí, uma ligação que seria 99% abobrinha ["Bla bla bla... risos"] e 1% fato ["Me encontra em frente ao busto de Isaac Bashevis Singer às 20h!"] e custaria uma pequena fortuna poderá se resumir à frase que interessa e custará centavos.

O porém do bilhetinho/SMS é... Vocês já receberam uma mensagem de texto via celular com seu nome escrito numa grafia bisonha que nem a sua priminha adolescente cometeria? "Cicilha, me encontra às 8h em frente à estaltua do Belini". Pois então. Uma coisa dessas pode abreviar um envolvimento amoroso que - não fosse por de causa celular - teria durado ao menos até que o sujeito deixasse o primeiro bilhete em cima do criado-mudo.

[Tenho outra teoria: os relacionamentos hoje em dia acabam mais rápido por conta do excesso de comunicação.]


* Escritora e jornalista carioca, tem contos publicados em revistas e em antologias das editoras Record, Ediouro e Casa da Palavra. Seu primeiro romance será lançado em 2006 pela Agir. É colaboradora do site NoMínimo [www.nominimo.com.br] e edita a revista eletrônica Bala [www.revistabala.com.br]. Faz stand-up comedy todos os dias no [ www.escrevescreve.blogger.com.br

2 comentários:

  1. Maravilha de texto, Cecilia. Adorei.
    Abraços
    Risomar

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  2. Não há, na verdade, excesso de comunicação, mas de meios de comunicação, inclusive pessoais, como o micro e o celular, cujas mensagens repetem a impessoalidade que o sistema consagra, pois estamos, sem o saber, a serviço dele e nos relegamos, assim, a segundo plano. Os grandes valores, que muitos acreditam, hoje, se tratar de literatice, como solidariedade, respeito mútuo, etc, e que são a base da nossa saúde mental, independem da parafernália eletro-eletrônica. Pedir desculpas a quem pisamos o pé no metrô é já grande coisa.

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