segunda-feira, 19 de outubro de 2009




Primeira data


* Por Daniel Santos

O golfo resume o oceano a uma vogal circular e, dessa letra inicial, o homem partiu sozinho fazia tempo já. Quando não havia mais esperança de regresso, as nuvens rápido se adensaram num toldo só prenúncios.

Toda a gente, ainda sem nome nem noção de destino, acercou-se da praia, onde as ondas alvejavam a areia como papel para a primeira escrita. E a escrita, todos logo entenderam, evoluiria do litoral para o continente.

Aí, do pasmo que enfuna a interjeição, ele surgiu. Ouviu-se um “oh!” de alívio com o valor de uma prece. Não trazia peixes nem pérolas, que outro tesouro convenceu aos seus: mais que ricos, estavam salvos!

Em cada porto, em cada ilha, o bravo vivera uma história. Constituíra, assim, a própria saga. Ao perceber que reunira, afinal, valioso acervo, regressou. Combalido, sim, mas já com barbas de fundador.

Calçaram-lhe sandálias, deram-lhe roupas novas e, em torno à fogueira inaugural, ouviram lendas, fábulas ... balbucio do que logo se tornou palavra, língua. E a História tinha já a sua primeira data!

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.


6 comentários:

  1. Magnífico, Daniel. A primeira frase já valeria, mas vai além, muitíssimo além dela.

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  2. Como sempre, poesia pura, Daniel. Obrigada!
    Ris

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  3. E que história, Daniel !
    Bela e cheia de poesia.
    Parabéns !

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  4. Obrigado, Murta, Ris, Cel e Mara. Sentemos ao redor da fogueira inaugural e contemos nossas histórias. Vai ser papo de varar a madrugada ... uhm ... que gostoso!

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  5. Como disse o Murta, vai além e deixa miríades de interpretações. Tem-se o relato literal, mas ao mesmo tempo toda uma conotação fabular. E é isso o que nos vicia ao que o Daniel produz. Ele escreve na areia, insinua e deixa-nos ir sozinhos. Brilhante.

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  6. Grato, mestre Marcelo. Venha, junte-se a nós neste papo em torno da fogueira inaugural.

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