Uma pausa de mil compassos
* Por
Analu Faria
“Silêncio
por favor
Enquanto
esqueço um pouco
a
dor no peito
Não
diga nada
sobre
meus defeitos
Eu
não me lembro mais
quem
me deixou assim
Hoje
eu quero apenas
Uma
pausa de mil compassos”.
(Paulinho da Viola)
Onde sentar? No sofá?
Macio demais, como a cama. Não dá, tem que ser disciplina, tem que ser um
projeto de vida, não dá pra ser macio. Além do mais, vou me sentir relaxada
demais, vou querer deitar, vou acabar dormindo.
Quantas respirações
profundas? Três, quatro? Quatro. Agora posso respirar normalmente? Ok,
respirando normalmente. Como é mesmo? Rotulagem mental: estou respirando, estou respirando estou
respirando estou respirando estou respirando.
Tá bom, chega, assim
eu vou dormir ou ficar louca. Eu paguei a conta de luz? Paguei. Paguei? Ai, foi
ontem. É, paguei. Opa, voltando. Prestando atenção na respiração. Ai, será que
está certo? Tem que estar certo. É só respirar e prestar atenção. Inalando,
exalando. Ok, é isso.
Tá funcionando. Tá
funcionando? Deve estar, e agora? Olhe para o silêncio. Que silêncio? Silêncio
era o que pairava na casa depois que meus pais brigavam, quando eu era criança.
Silêncio é o que pairou no quarto depois da primeira vez que transei. Silêncio
é o que existe logo depois que meu despertador toca, às cinco da manhã.
Silêncio é aquele minuto eterno nas homenagens que fazemos aos mortos. Isto não
é silêncio.
Bom, voltando. Inspira,
expira. Talvez seja bom voltar a rotular: estou respirando. Respirando e
pensando. Pensando à toa, no silêncio. Não consigo fazer silêncio, consigo
pensar no silêncio. Será que consigo escrever sobre o silêncio?
Novamente: voltando.
Não, pera. Não tem uma música que fala de silêncio, aquela do Paulinho da
Viola, que a Marisa Monte canta? Ai, é uma música meio triste, né? Será que o
silêncio é triste? Será que algum dia, algum momento, aqui em casa, sentada de
pernas cruzadas no tapete, só eu acordada, o gato dormindo, o mundo dormindo,
vai haver silêncio?
Voltando: estou
respirando. Respirando e pensando, respirando e pensando, respirando e pensando
sem pausa, sem pausa, sem pausa, sem compasso.
*
Jornalista.
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