O sucesso e o
risco
As pessoas – pelo menos as que conheço,
pessoalmente ou através dos meios de comunicação, como televisão, rádio,
jornais, revistas e livros – tendem a apostar no catastrofismo, no negativismo,
no lado obscuro e perverso da alma. Tanto que através dos séculos se espera o
"fim do mundo", mediante algum cataclismo determinado por eventual
"castigo divino" (como se houvesse um Deus iracundo e vingativo
disposto a castigar seus filhos), ou vindo do espaço, ou provocado pelo próprio
homem. A história da humanidade é uma sucessão interminável de guerras,
tiranias, corrupção e barbárie, como se o ser humano soubesse somente praticar
o mal. Mas isso está longe da verdade. Ou pelo menos de toda ela.
Também tivemos, através dos tempos, os
santos, os altruístas, os abnegados e os puros de coração. E temo-los ainda no
nosso convívio ou ao nosso redor. Estes, porém, não atraem ninguém. Há quem os
ache uns "chatos", pois com a simples presença "esfregam"
no rosto da maioria suas deficiências, fraquezas, covardias, transgressões e
imoralidades. As pessoas, consciente ou inconscientemente, assumem sua maldade
latente, daí viverem procurando nos outros o mesmo sentimento.
Mas seria o mundo "valhacouto de
canalhas", como somos forçados a crer desde que tomamos consciência da
realidade? A vida não teria mesmo sentido? Seria uma experiência aleatória?
Estaríamos vivos apenas por acaso, sem nenhum objetivo maior senão o de
simplesmente viver, por um prazo nunca conhecido, e depois se extinguir, sem
deixar rastros ou vestígios? Recuso-me a crer em tudo isso. Muitas vezes, por
ter uma visão positiva da realidade e alimentar e disseminar esperanças, sou
criticado como sendo um intelectual alienado. Como se isso fosse ainda possível
com tanta sujeira lançada pelos meios de comunicação em nosso colo, todos os
dias!
Não há como negar que a vida implica em
permanente risco. Não somente os inerentes à nossa fragilidade face ao mundo
que nos cerca, mas principalmente os do convívio com nossos semelhantes.
Ninguém está a salvo, por exemplo, de ser atacado e morto por algum dos tantos
malucos, enrustidos ou ostensivos, a qualquer momento ou em qualquer lugar.
Tanto aqueles com os quais cruzamos fortuitamente, quanto alguns que podem até
conviver conosco, no trabalho, no lazer, na escola e às vezes até debaixo do
nosso teto. Quase que diariamente, podemos ver, ou tomamos ciência, de vários
exemplos desse tipo, em que pessoas são assassinadas por acaso, por se
envolverem em alguma briga tola ou apenas por estarem perto de algum
desequilibrado, que sem esta ou mais aquela, lhes suprime a vida.
Mas se estamos expostos a perigos,
temos, também, diante de nós, inúmeras oportunidades à espera que as
identifiquemos e nos apropriemos delas. Os pessimistas, na verdade, são os
medrosos, os que se recusam a assumir responsabilidades pelo próprio futuro.
Esse negativismo é uma forma de lançar a culpa pelos próprios fracassos sobre
ombros alheios e de justificar a inércia. Charlotte Joko Beck diz mais ou menos
isto, neste trecho do livro "Sempre Zen":
"Quando achamos nossa vida
desagradável ou insatisfatória, tentamos nos livrar desse incômodo por meio de
vários mecanismos de escape sutis. Com tais tentativas, estamos tratando nossa
vida como se houvesse um mim e uma vida fora de mim. Enquanto tratarmos nossa
vida dessa forma, faremos com que todos os nossos esforços se dirijam ao
encontro de algo ou de alguém que cuide de nossa vida por nós. Podemos procurar
amante, um mestre, uma religião, um centro – algum lugar, alguém ou alguma
coisa que resolva nossa dificuldade por nós. Enquanto tivermos nossa vida desse
modo dualista estaremos nos enganando e acreditando que não é preciso pagar
preço algum por uma vida realizada. Todos partilhamos essa desilusão em graus
variáveis; e isso só nos leva a uma vida de torturas".
Cansei de receber telefonemas de
pessoas fracassadas condenando o meu otimismo com indisfarçável rancor e
atribuindo-o a uma suposta existência despreocupada e protegida. Dizem-me que
não sei o que é o sofrimento, que devo ser "filhinho de papai" e
outras bobagens do tipo. Óbvio que quem tira essas conclusões, baseado apenas
no que escrevo, não sabe nada a meu respeito. Tenho cultura, é verdade. Mas
tive que pagar um preço altíssimo por ela, abrindo mão de repouso, lazer e de
uma série de regalias e satisfações simples, a que o mais humilde dos humildes
tem acesso.
Algo que pouca gente sabe é que sou
paraplégico e tive que fazer um esforço sobre-humano para conseguir simplesmente
andar, e de muletas, contrariando todas as previsões médicas. E dá para se
imaginar o que espera alguém que tenha qualquer deficiência física neste País,
que é a sociedade mais injusta e preconceituosa do mundo, de acordo com
estatísticas internacionais confiáveis. As circunstâncias da minha vida, em vez
de me tornarem amargo, fazem-me ser um sujeito feliz. Paguei um preço para
conquistar alguns dos meus sonhos e me dei bem. E, além disso, se chorar
trouxesse alguma vantagem, eu estaria disposto a inundar o Planeta com minhas
lágrimas. Como não traz...
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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