Amigos sem se conhecer
* Por Pedro J.
Bondaczuk
Os
meios de comunicação, fenômeno recente na vida das comunidades (o jornal
diário, por exemplo, o mais antigo deles, tem menos de dois séculos de
existência) adquiriram, a despeito de alguns desvios e imperfeições, enorme
importância no mundo moderno. Trazem até nossos lares, todos os dias,
acontecimentos de todos os tipos e toda a sorte de informações, úteis ou
inúteis, permanentes ou descartáveis, benéficas ou prejudiciais. Projetam
personagens em todas as áreas de atividade humana: políticos, economistas,
financistas, esportistas, cientistas, artistas, tarados, ladrões, homicidas
etc. Constroem, às vezes, falsos ídolos, de pés de barro, que acabam se
esboroando. Mas ressaltam, igualmente, os verdadeiros.
Com o passar do tempo, os principais
personagens de uma geração tornam-se familiares. Passamos a conhecer suas
vidas, obras, idéias, sonhos e decepções. Os que têm afinidade conosco se
transformam em nossos “amigos”, mesmo que não os conheçamos pessoalmente ou
jamais os venhamos a conhecer. Vibramos com seus sucessos, lamentamos seus
fracassos, os criticamos muitas vezes, lhes damos nosso carinho em outras. Estabelecemos
com tais pessoas, de forma unilateral, sem a respectiva correspondência ou
conhecimento por parte delas, uma relação de amor e ódio, dependendo das
circunstâncias.
Quando algum desses ídolos morre,
sentimos como se houvéssemos perdido um parente, tamanha é a familiaridade que
adquirimos com eles. Daí a dor que o País sentiu quando das mortes de
personagens tão díspares quanto Euríclides Zerbini e Dener; Ulysses Guimarães e
Ayrton Senna; Roberto Burle Marx e Mário Quintana; Ronaldo Bôscoli e Antonio
Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. Com estas perdas, um pedaço de nós também
morreu. Claro que passado o momento do impacto, tão logo esses falecimentos
sejam substituídos, nos meios de comunicação, por outras comédias e tragédias
do dia-a-dia, a maioria cai no esquecimento. Ou é lembrada apenas numa ou
noutra ocasião.
A vida segue seu curso. Novos ídolos
surgem. Mais alguns antigos desaparecem. Até que nós, também, enfrentemos o
mistério, jamais respondido com certeza, sobre o que nos espera depois da
morte. Se a consciência, que também é chamada de alma, se decompõe com o corpo
ou se passa para outro estágio. Todas as respostas a esta dúvida até hoje
sempre ficaram por conta da fé. Certeza ninguém jamais teve e provavelmente
nunca terá. A morte de Tom Jobim – como as de Senna, Quintana, Ulysses, Burle
Marx, Denner e Bôscoli – doeu em todos nós, que nos tornamos seus “amigos” por
intermédio dos meios de comunicação.
Nada melhor para expressar esse
sentimento de perda do que o trecho de uma crônica de Vinícius de Moraes que
diz: “Ah, meus amigos, não vos deixeis morrer assim. Ide ver vossos clínicos,
vossos analistas, vossos macumbeiros, e tomai sol, tomai vento, tomai tento,
amigos meus...Amai em tempo integral, nunca sacrificando ao exercício de outros
deveres este sagrado, do amor. Amai e bebei uísque. Não digo que bebais em quantidades
federais, mas quatro, cinco uísques por dia nunca fizeram mal a ninguém. Amai,
porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido. Mas sobretudo não
morrais, amigos meus!”. Fazemos eco com o “poetinha”.
(Capítulo do
livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 71 a 73, 1ª edição – 5 mil
exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo).
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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