quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Embaralhe o baralho


* Por Mara Narciso


Depois do meu casamento comprei um jogo de baralho. Chamei meu recém-marido para jogar Buraco, mas ele nada entendia, nem mesmo o nome das cartas e os naipes. Ás que vale um, 2 até 10, J (valete), Q (rainha), K (rei), Copas (clero), Ouros (burguesia), Espadas (militares) e Paus (camponeses). Tínhamos, eu e ele, 22 e 28 anos, respectivamente. Eu tinha terminado o quarto ano de medicina e ele era engenheiro civil há três anos e meio, bem informado, interessado e atualizado, de olhos e ouvidos no rádio, TV, jornais e revistas, mas completamente fora do mundo do baralho. Intrigada, descobri o mistério: quando meninos, o pai dele, que era sargento da FAB – Força Aérea Brasileira -, flagrou os três filhos mais velhos (meninos ainda e ele era um deles) com cartas na mão, e fez um escândalo, arrancou tais cartas, picotou e jogou fora, e prometeu que se algum dia os visse jogando, daria uma surra em cada um. Obedeceram e passaram a ter pavor de qualquer tipo de jogo, exceto loteria, evidentemente, que o meu então marido jogava toda semana.

Quando eu tinha sete e o meu irmão oito anos, Milena, a nossa mãe, nos comprou dois mini baralhos, que couberam em nossas mãos e nos ensinou a jogar Buraco. Sentávamos no chão e tentávamos acompanhá-la. Descobrimos o que significavam as cartas, qual o valor de cada uma na formação do jogo e na contagem dos pontos, as letras, os números, o coringa, que podia substituir qualquer carta, assim como o dois, a trinca, o jogo furado, a sequência, a canastra, a canastra real, o canastrão, embaralhar, cortar o baralho, o morto, comprar carta, descartar, o lixo, bater, vencer e perder.

Não tenho habilidade em jogos. Com bola, desde queimada, vôlei e futebol sou uma negação. Perdia em outros jogos, como Ludo, Damas, Dominó, Vareta, Banco Imobiliário e também no baralho quando tentávamos jogar sete e meio e vinte e um, ditos jogos infantis. Mas o baralho também foi um caminho para convívio e interação em casa de amigas, quando formávamos duplas (não me queriam por eu ser desatenta, que entregava cartas para o adversário), no Pentáurea Clube, quando até quem não entendia o jogo jogava, para desespero do parceiro, e na casa de familiares, anos depois, mas aí já era o Pôquer.

Conheci o Pôquer através do meu colega de medicina Clédimo Noronha. Naquele tempo a Faculdade de Medicina Norte de Minas (depois Unimontes) ficava num lugar ermo (o mesmo de hoje). Os professores atendiam em hospitais e consultórios e seus horários eram imprevisíveis. Era comum ficarmos esperando duas horas ou mais, até que aparecessem para nos ensinar. Para matar o tempo, ficávamos jogando Pôquer, apostando cigarros e balas de hortelã. Participavam do jogo Margarida Batista, Waldeir Barreto, Clédimo Noronha, eu, e mais alguém.

O Pôquer é um jogo fascinante e viciante, pela velocidade com que ocorre. Tudo pode mudar e a sorte se inverter num segundo, podendo-se perder muito, pois se faz a aposta, que pode ser dobrada no mesmo instante. Jogávamos do jeito mais comum, e determinávamos o valor da rodada. Mesmo sabendo quantas cartas tem um baralho (excluíamos as cartas abaixo de sete) mantendo o ás, eu jogava mal. Na escola não houve nada de mais marcante, mas um dia, no Pentáurea, por coincidência, meu irmão e eu fizemos bons jogos, na mesma rodada. Era só brincadeira e nada apostávamos além de fichas, sem valor real. Ficamos confiantes por estarmos com a mão cheia e fomos apostando e dobrando as apostas, pegando emprestadas fichas de quem estava na mesa, numa crescente excitação, e ao final, um de nós tinha um four de valete e o outro um four de ás. Sinceramente, eu não sei quem ganhou, mas devo ter sido eu, pois foi o momento mais marcante do Pôquer em minha vida.

Ainda que me venham à mente alegrias com o jogo, não mais joguei nos últimos anos. Do meu ponto de vista, o vício em qualquer coisa, sejam ações repetitivas, drogas ou disputas, depende de um fator pessoal. E vocês? Façam suas apostas!

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   




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