Loucuras de amor
A natureza dotou todas as espécies animais de um instinto
específico para assegurar sua reprodução e, dessa forma, promover sua perpetuação,
ou tentativa dela. Em algumas, os machos são dotados de características físicas
peculiares, como o formato e as cores das penas de alguns tipos de aves, por
exemplo, ou um canto próprio e tantos outros artifícios naturais. Em outras, há
todo um ritual de acasalamento, que se repete geração após geração e que
precede o instante que a natureza objetiva que seja atingido: o da cópula e da
respectiva fecundação. Há casos e mais casos em que o macho precisa lutar com
rivais pelo direito de fecundar a fêmea, em combates que, se não são mortais
(às vezes são), causam ferimentos variáveis nos contendores, tanto no vencedor,
quanto, principalmente, no perdedor.
E entre os humanos, como esse instinto se manifesta? Há,
também, competição? Os machos da espécie têm, igualmente, que lutar pela fêmea,
pelo direito de engravidá-la e, dessa forma, assegurar sua continuidade com a
geração de novo ser? Sim, há. Todavia, por se tratar do único animal que se
conhece, dotado de razão, os rituais de acasalamento humano ocorrem de forma,
digamos, mais civilizada. Há todo um processo, que antecede o clímax, iniciado
por passos preliminares que caracterizam a conquista e que tem a penúltima
etapa, a que antecede a cópula, representada por uma cerimônia, conhecida como
casamento. Isso tudo, frise-se, em situações ditas “normais”, consideradas como
tais e, por isso, aceitas e consagradas pelas várias sociedades, quase que por
consenso.
Fôssemos deixar tudo por conta exclusivamente dos instintos
naturais, todos esses passos seriam prescindíveis e a conjunção carnal se daria
com pleno sucesso em minutos, tão logo macho e fêmea se encontrassem. Não raro
isso acontece. Todavia, tais ocorrências exclusivamente instintivas estão
cercadas por sanções sociais que servem como freio para que o acasalamento
ocorra de maneira mais nobre, racional e, portanto, nada selvagem. Nossa espécie cultiva um
sentimento que se manifesta de diversas maneiras, e que inúmeras pessoas tentam
racionalizar e explicar (em vão), conhecido como “amor” (e suas expressões
correspondentes nas mais de duas dezenas de milhar de idiomas e dialetos
existentes). O homem raciocina, age e vive por símbolos, que ele próprio cria,
e que transmite de geração a geração. A linguagem, falada e, sobretudo, a
escrita, é um deles. E o processo de acasalamento, desde seu princípio, quando
surge entre um casal a atração amorosa, o mútuo interesse, aquela centelha de
paixão, até a véspera da consumação, que é o casamento, é todo ele simbólico.
Os sacrifícios que estamos dispostos a fazer (e que muitas
vezes fazemos) apenas para atrair a atenção da mulher que amamos, e cuja
reciprocidade pretendemos conseguir, praticamente não têm limites. Não raro,
arriscamos até a vida por sua simples atenção. Desmanchamo-nos em gestos de
gentileza, boa parte dos quais simbólicos, com essa finalidade. Um deles é o
hábito de ofertar flores à pessoa amada, cuja reciprocidade ansiamos conseguir.
E estas são cercadas de toda uma simbologia, envolvendo espécies e cores,
entendida pela parte que desejamos impressionar e, no fim das contas, claro,
conquistar. Uma dessas flores que transmitem à mulher dos nossos sonhos a
mensagem de que nutrimos por ela amor sincero e extremo, ou seja, desesperado,
é o miosótis, mais conhecido como “Não-me-esqueças”.
E como surgiu esse costume específico? Qual a causa dessa
denominação tão direta e objetiva? Conforme uma lenda européia, muito popular
ainda hoje, datada da Idade Média, certo dia, um cavaleiro andante, jovem
impetuoso e apaixonado, viu, em um barranco íngreme e quase inacessível, a flor
azul de Miosótis. Percebeu que a mulher de seus sonhos também a viu e ficou
encantada por ela. Sem medir conseqüências, indiferente a riscos e sacrifícios, o guapo cavaleiro resolveu
apanhá-la para oferecer como tributo à amada. Dito e feito. Só que, no afã de
realizar a façanha, não se desfez da pesada armadura que usava, a exemplo de
todos os cavaleiros andantes do seu tempo. Até chegou a colher a pequena e
delicada florzinha, mas, quando se preparava para descer e entregá-la à sua
musa, seus pés resvalaram na íngreme ribanceira e o imprudente rapaz despencou
e caiu no rio. Tentou nadar, em vão. O peso da armadura puxava-o para o fundo.
Antes de se afogar, num último esforço, com o miosótis na mão, gritou: “Não me
esqueças!”. E afundou. Desde então, a flor simboliza o amor sincero e
desesperado e é conhecida, também, pelo nome do último apelo feito pelo
imprudente apaixonado.
Essa lenda tem várias versões, todas, porém, com idêntico
desfecho. Uma delas diz que num belo dia de Primavera, dois jovens apaixonados
se encontravam à margem de um caudaloso rio. Suas águas eram turbulentas e nelas a moça avistou
um ramo de miosótis flutuando. Ficou maravilhada pela beleza da flor. Seu
amado, no afã de agradá-la, mergulhou para apanhar o ramo e oferecê-lo à mulher
dos seus sonhos. Todavia, quando tentou voltar para a margem, foi arrastado
pela forte correnteza. Pouco antes de desaparecer no fundo do rio, o
tresloucado rapaz gritou para a amada: "Não me esqueça, me ame para
sempre!". A partir desse dia, a flor miosótis passou a crescer apenas nas
margens planas dos rios, para que mais ninguém tivesse que morrer por sua
causa. Se preciso, porém, muitos e muitos estão dispostos a fazê-lo em nome do
amor, porquanto, ao contrário do que ser propala, o romantismo (ainda?) não
morreu. Quão estranhos que nós somos!!!!
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
As pequenas florzinhas são bem pequenas e delicadas, no estilo flores do campo. Gostei de saber o nome delas, que até então desconhecia.
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