segunda-feira, 11 de maio de 2015

Café em silêncio


* Por Daniel Santos

Nunca foi rapaz desses atirados que, no escuro do cinema ou na penumbra da varanda, forçam a mão da namorada a segurar pelo cabresto o que escoiceia sem aceitar doma, embora ela resista e se faça de pudica.

Mas parece que namorou algumas e até noivou, se bem não passasse disso. Depois, meteu-se de vez com os livros, tornou-se ranzinza e ainda hoje mora com a mãe que o sustenta, mas sempre lhe pede netos.

Sabe, no fundo, que ele não procriará e se pergunta nas insônias onde foi que errou. Talvez lhe faltasse pai, um homem que o escorraçasse para a rua, mode a aprender a lutar pela vida e a ganhar dinheiro.

Sabe-se lá o que faltou! O problema é esse: terá de o sustentar até o final, embora o queira distante, cuidando da própria família. E, por mais que se esforce (ah, que patético!), não sente mais por ele o antigo carinho.

A par disso, é um bom rapaz, lá isso é. E prestativo. Manhãzinha, sai ainda remelento para comprar leite e pão. Estende a toalha na mesa da cozinha e chama a mãe. Tomam café em silêncio. Há tempos é assim.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.



Um comentário:

  1. Faz pensar, refletir sobre o "encompridamento" da adolescência que avança sobre os 40 e até 50 anos. Muito mais não vai porque a mãe morre.

    ResponderExcluir