Senhora do destino
* Pedro J. Bondaczuk
O
Magistério, o Jornalismo e a Literatura de Campinas, portanto sua cultura,
perderam, neste 7 de março de 2015, sua figura mais exemplar, paradigma de
persistência, dedicação e amor ao próximo. Faleceu, nesta data, aos 98 anos de
idade, a professora, jornalista e escritora (minha colega na Academia
Campinense de Letras) Célia Siqueira Farjallat. Não farei propriamente um
necrológio, pois, conhecendo-a como a conheci (fomos colegas de redação no
Correio Popular por quase vinte anos), sei que ela não aprovaria isso. Farei,
sim, algumas considerações para exaltar algumas de suas virtudes que o público,
certamente, desconhece;
O
ser humano nasce, cresce, amadurece, envelhece e morre. É óbvio, e tão
evidente, que nem mesmo aquele personagem do romance “O primo Basílio”, de Eça
de Queiroz, o Conselheiro Acácio, que vivia dizendo obviedades, diria esta. Atrevo-me,
porém, sob o risco de ácidas críticas e de descambar para o ridículo, a
dizê-la, face à constatação de que há milhões de pessoas no mundo (com muitas
das quais cruzamos a todo o momento no dia-a-dia) que parecem não entender
isso, por elementar que seja. Julgam (ou pelo menos dão a entender, por suas
atitudes) que serão capazes de manter a eterna juventude, fórmula buscada, em
vão, por tanta gente (Ponce de Leon garantia que a havia encontrado na Flórida)
e por tanto tempo. Não foi encontrada, simplesmente, porque não existe, e nunca
existiu. Quem sabe, um dia, pode vir a existir, graças aos avanços da ciência.
Essas pessoas acreditam que jamais irão
envelhecer e não se previnem para esse futuro, que hoje é assustador por causa
do nosso próprio comportamento. Houve tempo em que fazer parte da Terceira
Idade, ou ser velho (ou idoso, termo politicamente correto) era símbolo de
status. Hoje, é claro, não é mais.
Nas civilizações mais evoluídas do
passado (nem tão remoto assim), os de mais idade ocupavam lugares vitalícios
nos conselhos de Estado, graças à sua experiência, reputada como muito
preciosa. Hoje, essa condição é insensatamente desprezada. E o pior é que quem
age assim vai, também (isto, é claro, se alguma doença, acidente ou ato de
violência não o eliminar antes) envelhecer.
O salutar e prudente costume de
respeito ao idoso, que o jovem de hoje não contribui para implantar e tornar
rotineiro; as leis de proteção à Terceira Idade, que não se empenha para que
sejam cumpridas; e o pouco caso que demonstra em relação à defasagem das
aposentadorias, entre outras tantas coisas, são circunstâncias que vão se
refletir, um dia, sobre ele mesmo. Quem se importa, todavia, com isso? A
imprensa, pelo menos, parece não se importar. A Terceira Idade é tema quase
sempre ausente das páginas dos jornais diários, como estão cada vez mais
ausentes das redações os jornalistas veteranos, com sessenta anos ou mais,
“banidos” precocemente da atividade. Há exceções, lógico, mas a regra é
confundir juventude com genialidade, o que é absurdo, evidentemente.
Os anos parecem passar com tamanha
rapidez, depois de certa idade, que não percebemos o início do inexorável
processo de envelhecimento. Quando nos damos conta, todavia... lá estamos nós
vivendo a mesmíssima situação de fragilidade que criticávamos em nossos avós ou
em outras pessoas idosas.
Há, contudo, uma forma racional da
pessoa não sentir o impacto dessa fase da sua vida. Há um modo prático e eficaz
de não cair na armadilha da solidão, que é o que de pior acontece a quem já
passou a barreira dos 60 anos (depois das doenças, é claro). E qual é? Simples:
trata-se de não abrir mão dos ideais e dos objetivos que sempre nortearam a sua
conduta. E, quanto mais inalcançáveis eles forem, tanto melhor. Sempre existirá
uma meta a ser perseguida.
Tempos atrás, o portal Comunique-se nos
apresentou, na sua então nova seção Perfil, uma “jovem” jornalista de cem anos,
que sequer cogitava de aposentadoria. Era Elsie Dubugras, que permanecia firme
e forte, como uma rocha, na redação da Revista Planeta, esbanjando
inteligência, disposição, talento e criatividade. Não sei se ainda permanece.
Mas... O fato é que não abriu mão de seus ideais e sobrevivia, com dignidade,
ao tempo e aos desgastes que este causa no corpo e na mente.
É aqui que entra a figura da professora,
jornalista e escritora campineira Célia Siqueira Farjallat. Em 2006, aos 89
anos de idade, e 65 de jornalismo (começou em 1940 no Correio Popular, onde,
até então era colunista e das mais lidas e apreciadas), sequer lhe passava
remotamente pela cabeça a possibilidade de parar. Fez bem! Mantinha viva a
chama do ideal que sempre a moveu, o verdadeiro elixir da eterna juventude.
Quem lia seus textos, e não a conhecesse, os atribuiria, certamente, a algum
jornalista na faixa dos 30 anos, tamanha era sua identificação com os tempos de
hoje e sua atualidade em termos dos temas que abordava, linguagem que utilizava,
mentalidade que tinha etc. Não posso precisar quando se afastou do jornal. Mas
deve ser algo bastante recente, bem depois que me aposentei e me desliguei da
empresa.
Professora, dedicou 41 anos ao
magistério na Escola Normal de Campinas, onde formou mais de 20 mil jovens. Ao
contrário de muitos jornalistas, hoje na faixa dos 50 a 60 anos, adaptou-se, de
imediato, ao computador, ferramenta da qual não abria mão e que dominava com
incrível facilidade. O apresentador da EPTV e coordenador da TV Local em
Campinas, Fernando Kassab, que foi seu companheiro de redação no Correio
Popular, confidenciou, em artigo intitulado “Renovar ou morrer – vamos
renovar”: “Célia tinha mais de 70 anos quando me ensinou a usar o computador na
redação do jornal, e que segue escrevendo muitíssimo bem sobre assuntos de
grande importância”. Seguia mesmo.
É indispensável, contudo, que mesmo
tendo consciência de que o alvo perseguido é muito difícil, senão impossível de
ser atingido, que não se pare de lutar, de tentar, com todas as forças, tornar
concreta essa utopia.
O renomado clínico norte-americano,
Northcote Parkinson, escreveu, há cerca de trinta anos, no “Medical Affairs”:
“Fiz uma descoberta importantíssima para a medicina clínica: as pessoas mais
ocupadas não têm tempo para ficar doentes”. E não têm mesmo... Se você já
passou dos 60, experimente fazer isso. O que você terá a perder?!
É indispensável, por outro lado, que
jamais nos deixemos vencer pela tentação da autopiedade. Não podemos assumir a
postura de “coitadinhos”. Se o fizermos, seremos, com toda a certeza, por maior
que seja o nosso potencial, de fato dignos apenas de piedade.
James W. Kennedy dizia, com muita
sabedoria, que “o que realmente importa é o que acontece em nós, e não a nós”.
É esta integridade de espírito, esta riqueza interior, que devemos cultivar,
para nos servir nos anos mais difíceis da nossa existência.
Estas têm que ser as armas ao nosso
dispor para quando nossos músculos já não obedecerem, com prontidão, as ordens
emanadas pelo cérebro; para quando nossos olhos não enxergarem com a mesma
acuidade da juventude; para quando nossos ouvidos já não captarem os sons com a
mesma nitidez dos bons tempos e quando o nosso raciocínio levar um tempo enorme
para “esquentar”.
Envelheçamos, sim, pois esta é uma
fatalidade biológica. Mas o façamos com tranqüilidade, com picardia e, sobretudo,
com dignidade, como Elsie Dubugras, como Célia Siqueira Farjallat e como
Barbosa Lima Sobrinho, entre tantos, fazem ou fizeram, mesmo que isso nos custe
um esforço sobre-humano. Sejamos, até o derradeiro segundo de vida, senhores,
de fato, do nosso destino! Adeus, exemplar companheira! Você mais do que
cumpriu, com competência e galhardia, a missão que a vida lhe impôs. E foi,
além de exemplo para todos nós, legítima senhora do seu destino!
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Magnífica exposição do envelhecimento digno. Esse sim, modelo que deverá ser copiado. Chego em 6 meses aos sessenta anos, e vou cuidando passo a passo dessa chegada, especialmente no que concerne buscar novos rumos e tentar manter os originais. Admirável texto, Pedro!
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