Machado de Assis e as sociedades
literárias
A vocação de Machado de Assis para as letras manifestou-se
muito cedo, ainda no início da adolescência, a despeito de pouco ter
freqüentado escolas, digamos, formais, em vista das circunstâncias que cercaram
sua vida. Ele soube, todavia, suprir essa tão importante lacuna com contatos
com intelectuais, sobretudo com escritores, com os quais, nos anos de sua
formação, aprendeu muito e aos quais, quando já maduro e consagrado, ensinou
mais ainda. Muitos dos que aprenderam com ele tiveram a humildade de reconhecer
isso. Outros tantos, porém... Deixaram-se levar pela vaidade (ou pelo
preconceito, o que é mais provável) e jamais admitiram essa influência. Em Literatura as coisas (às vezes) funcionam
assim: ora somos influenciados por terceiros, ora os influenciamos e assim a
banda toca.
Com Machado de Assis não foi diferente. Antes da fundação da
Academia Brasileira de Letras – da qual participou, com inusitado entusiasmo,
mas não foi, propriamente, “o fundador” – ele havia participado diretamente de
duas entidades culturais que, entre os assuntos de que tratavam, destacavam-se
as artes e, entre estas, a Literatura. A primeira, que chega a ser até surreal
pelos objetivos que tinha, foi uma tal de Sociedade Petalógica. Machado de
Assis começou a freqüenta-la muito jovem, quando ainda adolescente, quase
menino, por influência direta de seu mentor, espécie de padrinho e primeiro
patrão (que lhe deu o primeiro emprego de aprendiz de tipógrafo), o jornalista
Francisco de Paula Brito.
Esta pitoresca figura merece um estudo a parte, um resgate
completo e detalhado, pelo que fez naqueles idos do século XIX. Era uma espécie
de “faz tudo”, misto de jornalista, comerciante, empresário, escritor e vai por
aí afora. Era um intelectual desses de quem se diz que estão muito à frente de
seu tempo. E Paula Brito estava. Comentei, posto que de passagem, em outro
texto, sobre essa organização informal, que se reunia na gráfica desse “artista
dos sete instrumentos”, parece-me que sem pauta fixa, nem periodicidade
definida ou sequer coisa que o valha. Curiosíssima, principalmente, era a
finalidade dessa sociedade, definida, inclusive, em seu próprio nome. A melhor
descrição dela encontrei, dia desses, em um blog. “memoriasdemachadodeassis.blogspot.com.br”.
Vejam que coisa mais estranha:
“Seu (da Sociedade Petalógica) interesse de estudo era a
peta, a mentira, a afirmativa falsa. Não só achavam seus membros de que,
através da análise detalhista de mentira, poderiam penetrar com mais acuidade
na alma humana, como não a viam com maus olhos morais. Diria até que a
defendiam. E, como reconhecessem que não tinham tanta profundidade no assunto,
assumiram o compromisso do estudo dedicado e sério. Cada petalógico tinha a
incumbência de estudar e escrever sobre uma faceta da mentira, fornecendo,
assim, um capítulo para o Grande Dicionário Referencial e Ilustrado da Peta,
que seria a obra máxima da sociedade. Uma vez concluída, ela seria impressa na
mesma escala da Bíblia e distribuída a todos os cidadãos do reino”. Claro que
não foi!!! Esse era um sonho tão maluco como a própria finalidade dessa
sociedade. Mas...
Machado de Assis se referiu, muitos anos depois, da seguinte
maneira sobre esse grupo: "Lá se discutia de tudo, desde a retirada de um
ministro até a pirueta da dançarina da moda, desde o dó do peito de Tamberlick
até os discursos do Marquês do Paraná". Deduzo, porém, até pela natureza e
finalidade dessa “organização” (nem sei se é correto caracterizá-la assim) que
as discussões tinham o enfoque da mentira, ou seja, da peta, sinônimo há muito
arcaico e em desuso para as tantas inverdades que se dizem e que se escrevem.
Maluco ou não, o fato é que uma sociedade desse tipo é excelente treino para
ficcionistas. Afinal, o que é a ficção se não uma total mentira, posto que com
máxima verossimilhança?
Outra organização que “pintou” na vida de Machado de Assis
foi a “Arcádia Fluminense”. Aliás, dessa ele foi o fundador. Quando a fundou,
em 1865, já era relativamente famoso, se não ainda como escritor, pelo menos
como jornalista. Um ano antes, havia publicado o livro de poesias “Crisálidas”.
A entidade tinha esse nome porque se reunia na sede do Clube Fluminense, no
centro do Rio de Janeiro. Tratava-se de uma sociedade artístico-literária, com
apresentações, em seus saraus, não somente de textos literários (geralmente
poemas e crônicas), mas também de música erudita, com exibições quer de
instrumentistas, quer de cantores líricos. Era freqüentada péla elite
intelectual da cidade, como poetas, jornalistas, romancistas etc. e também por
simples diletantes de arte e de cultura.
Na Arcádia Fluminense Machado de Assis leu muitos de seus
poemas, tanto os que posteriormente integraram alguns de seus livros, quanto os
que permaneceram inéditos. Usava esses saraus, segundo entendo, como uma
espécie de “teste de aceitação” de suas composições. Tinha tanto apreço por
essa entidade, que chegou a compor a letra do seu hino oficial. A melodia ficou
a cargo do controvertido compositor espanhol José Zapata y Amat, uma espécie de
refugiado político, acusado em seu país de ser agitador. A partitura da música
sobreviveu, mas a letra, composta por Machado de Assis, desapareceu. Procurei-a
em todas as fontes possíveis que tratam da obra do “Bruxo do Cosme Velho”, em
vão. Não consegui localizá-la. Desconheço se alguém tem cópia dessa letra.
Presumo que não, pois se tivesse, certamente já teria vindo a público para
exibi-la, por seu óbvio valor histórico.
Machado de Assis escreveu, em 1866, um artigo sobre essa
sociedade (que parece não ter sobrevivido mais do que um ano), publicado no
“Diário do Rio de Janeiro”: "A fundação da Arcádia Fluminense foi
excelente num sentido: não cremos que ela se propusesse a dirigir o gosto, mas
o seu fim decerto que foi estabelecer a convivência literária, como trabalho
preliminar para obra de maior extensão". Ou seja, praticamente confirmou
minha impressão inicial de que seu objetivo era o de testar a aceitação de
textos literários antes destes serem publicados em livros.Quanto à sua importância
na “gênese” da Academia Brasileira de Letras, é um aspecto de tamanha
relevância, que merece todo um capítulo á parte.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Curiosidades com as quais me delicio. Preciso aprender a achar o que encontra por aqui, Pedro, nas suas pesquisas. Obrigada!
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