quinta-feira, 26 de março de 2015

Comunicação verbal



* Por Pedro J. Bondaczuk


A facilidade de comunicação através da palavra falada, ou seja, da conversa, do olho no olho, daquilo que os franceses chamam de "tête-a-tête" é um dom. Alguns, são mais articulados, outros, nem tanto, outros, ainda, têm dificuldades muitas vezes intransponíveis de entender e de se fazerem entendidos pelos que os cercam.

De minha parte, vim a descobrir que tinha essa vocação para falar em público há trinta anos, embora há 54 houvesse trabalhado em rádio, profissão que voltei a exercer tempos depois, em Campinas, de 1980 a 1982, na excelente Rádio Educadora (atual Band Campinas). Não me refiro, porém, ao simples bate-papo, que sempre gostei, por apreciar as pessoas, o ser humano, os indivíduos (claro, os positivos e inteligentes, que não lesam ninguém e têm postura construtiva). Desde 1985, realizei na cidade (e fora dela, inclusive em outros Estados) constantes palestras, proferindo discursos em solenidades diversas, fazendo, até, conferências, e inclusive dando aulas inaugurais em universidades.

Há oito anos, por questão de dificuldade de locomoção, em decorrência da idade (afinal, não sou mais menino), limitei essa exposição pública, que agora é bastante rara. O engraçado é que até começar a palestrar, não me julgava capaz de enfrentar grandes platéias. Sempre me considerei tímido, inibido, medroso em relação a estranhos. No rádio não havia problema: ficava confinado em um estúdio, na companhia somente do operador de som. Mesmo sabendo que do outro lado eu poderia estar sendo ouvido por milhares, provavelmente milhões de pessoas, inclusive de outros países, dado o incrível alcance das ondas sonoras, nunca me preocupei. Até porque, voz (principal instrumento do radialista) sempre tive boa (pelo menos os que me empregaram diziam isso, além dos ouvintes fiéis que consegui conquistar).

Encarar um auditório, principalmente desconhecido, como fiz freqüentemente, não é brincadeira. E interessá-lo de formas a que me ouça por meia hora ou mais, sem impaciência, tédio ou irritação, e aprenda alguma coisa comigo, é constante desafio. A arte da oratória ajuda e tive a felicidade de fazer um curso desses, o que me deu pelo menos autoconfiança, mas nunca me tirou o nervosismo.

Um orador (palestrante ou conferencista) sente, antes de começar a falar, a mesma tensão de um ator. Fica dopado de adrenalina. Tanto, que só consegue voltar ao normal duas ou três horas depois de cada apresentação. Sua frio, a boca fica seca, o coração dispara e o sangue lateja nas têmporas.

Quando o mestre de cerimônias me anunciava, e todos os olhares se voltavam para mim, dava um medo terrível. Não das pessoas ali presentes, é óbvio, mas do ridículo. A mesma coisa eu sinto quando encaminho à editoria competente (não a que era responsável, é óbvio) um texto para ser publicado, artigo ou crônica (não importa). Mas ao vivo, diante de uma grande platéia, em geral desconhecida, a sensação de medo é muito pior.

A vista fica turva, a respiração ofegante e entrecortada e é difícil dizer as primeiras palavras. Chegava a ficar em pânico, embora ninguém percebesse. Ao contrário, em geral os que me ouviam comentavam, depois, sobre a minha frieza, minha calma, minha tranqüilidade. Mal sabiam que tão logo era anunciado, tinha, apenas, vontade de fugir, de correr, de sair daquele local. Respirava fundo, olhava para todos os lados do auditório e fixava o olhar na última fileira. É um truque que aprendi. Parece, a cada pessoa presente, que o palestrante está olhando diretamente para ela. Na verdade, não olhava especificamente para ninguém.

Feita a saudação de praxe, a tensão baixava. A mente ficava clara e só tinha um objetivo: fazer-me entendido. O nervosismo desaparecia por completo, substituído por uma euforia muito grande, uma espécie de embriaguez. Essa sensação é que me garantiu sucesso no contato com o público. Nestes trinta anos, fiz mais de quinhentas apresentações. E posso contar nos dedos de uma só mão as que, na minha autocrítica – e no consenso dos que me assistiram – não foram pelo menos corretas.

Os que me acompanharam nestes anos todos garantem que 30% delas foram brilhantes. Acho exagerado. Talvez 5%, quando muito, mereçam essa classificação. Medíocres, por outro lado, foram umas dez ou doze, em que senti a platéia bocejar e alguns chegarem até mesmo a abandonar o recinto. E qual a razão dessa arriscada exposição? Vaidade? Dinheiro? Fome de elogios? Pode até ser. Mas o motivo maior era a generosidade, a convicção de que devia passar adiante os conhecimentos e a experiência que adquiri.  Só mesmo ela poderia levar-me a abrir mão da privacidade, vencer a timidez, superar o medo do ridículo e enfrentar públicos dos mais variados e complexos, tornando-me "viciado" em adrenalina.


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 




Um comentário:

  1. Já tinha falado dessas mais de 500 palestras, mas não tão detalhadamente. Bom saber que todos passam por apertos para falar. Eu não sei fazer isso.

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