De um labirinto se sai por cima
* Por
Emir Sader
O que o governo Dilma
mais perdeu foi a iniciativa política. Só reage e, quando o faz, é na ausência
de tática e estratégia política.
A correlação de forças
não é favorável ao governo neste momento.
Um empresariado que,
pela primeira vez, se opôs frontalmente a uma candidatura ainda assim
triunfante, basicamente com o voto popular. Um Congresso bastante mais
conservador que o anterior. Uma situação econômica ruim – entre estagnação e
recessão. Uma mídia monopolista que continua a atuar como partido da oposição.
Todos esses fatores
não caíram do céu. Foram resultado da forma assumida pela crise do capitalismo
internacional, que assume uma luta política que a esquerda tem tido muita
dificuldade para encarar.
A arquitetura política
montada por Lula se desfez. Não há mais acordo com pelo menos um setor do
empresariado, para que invista de forma convergente com o modelo hegemônico no
país de crescimento com distribuição de renda.
A aliança com o PMDB,
que propiciava maioria ao governo, capaz então de implementar o essencial do
seu programa – política externa soberana, resgate do papel ativo do Estado,
prioridade das políticas sociais – se desfez.
A contradição central
que enfrenta o pais se dá entre um modelo de desenvolvimento econômico com
distribuição de renda, aprovado majoritariamente pelo país em quatro eleições
presidenciais consecutivas, e a falta de disposição do grande empresariado em
investir em setores produtivos que atendam às demandas da massa da população.
Como estamos numa sociedade capitalista, predomina a propriedade privada dos
meios de produção. Os capitalistas dispõem, conforme seus interesses econômicos
e políticos, onde investir seus capitais.
Já no primeiro mandato
de Dilma isso começou a acontecer, fazendo com que a economia se estancasse,
crescesse apenas ao nível da expansão demográfica. Ainda assim o governo seguiu
expandindo políticas sociais, o que teve, como uma de suas consequências,
desarranjos nas contas públicas, que trata de reordenar agora.
Mas a arquitetura
montada por Lula, que permitiu ao PT, mesmo sem ser majoritário, impor
políticas antineoliberais, se desarmou. Juntam-se assim, contra o governo, o já
conhecido – e até agora não afetado praticamente em nada – monopólio privado da
mídia, que joga de forma brutal e coesa contra o governo, como meios de
comunicação do bloco opositor, como instância orgânica das forças políticas de
oposição ao governo.
Soma-se a isso um
boicote do grande empresariado, que se nega a investir de forma produtiva,
fortalecendo seu viés especulativo, valendo-se dos sucessivos – quatro vezes
seguidas – aumentos das taxas de juros. Somam-se abertamente agora ao bloco
político da oposição, superando uma brecha, existente anteriormente, entre a oposição
cerrada da mídia e dos partidos da direita, e os interesses econômicos do
grande empresariado, que mantinha seu nível de investimentos na economia.
O outro componente do
bloco opositor ampliado é a nova configuração interna do PMDB, com seus reflexos
na nova configuração interna do Congresso. Mesmo antes da revelação dos nomes
da Lava Jato, o Congresso já havia revelado seu novo perfil opositor, impondo
várias derrotas ao governo e prometendo outras.
Essa revelação pode
ter desarticulado a cabeça desse esquema, mesmo se de imediato se reflete numa
exacerbação do radicalismo opositor, como reação ao envolvimento dos
presidentes das duas Casas que, sem argumentos, colocam a culpa no governo.
Esse ampliado bloco
opositor goza da iniciativa total no plano político e ideológico. Através da
mídia monopolista, da ação no Congresso, da postura da maioria do grande
empresariado, centram seus ataques em três direções: nos impasses econômicos,
nas denúncias de corrupção e nas
tentativas de deslegitimição do segundo mandato da Dilma, com mobilizações
contra o governo e o apelo ao tema do impeachment.
O governo se limita a
– quando o faz – a se defender. Alguns desmentidos, algumas declarações de
ministros, mas nada que sequer coloque em questão a pauta da oposição. O
governo aceita a agenda do ajuste fiscal, o coloca em pratica e, pior, a única
grande iniciativa política do governo é tentar aprovar o pacote – de discutível
validade e eficiência – da previdência. Mudar o tema e atacar suas raízes mais
profundas, com um conteúdo claramente popular, seria dirigir suas baterias na
outra direção – imposto às grandes fortunas, combate drástico à sonegação.
Sobre a primeira dessas iniciativas, o governo manifesta disposição de tomar
iniciativas, mas até agora nenhuma delas se concretizou.
Sobre as denúncias de
corrupção, o governo praticamente assiste o seu desenrolar, sobre o conteúdo e
sobre as formas que assume, torcendo por resultados menos negativos e para que
setores da oposição sejam mais atingidos. O mesmo acontece com as manifestações
e temas opositores que tentam deslegitimar o mandato da Dilma. O próprio
silencio do governo, numa conjuntura extremamente densa e desfavorável, parece
revelar incapacidade do governo para retomar a iniciativa, com novos temas e
novas propostas.
A conjuntura se
apresenta de forma labiríntica para o governo. Como se sabe, de um labirinto
não se sai percorrendo os mesmos caminhos, que levam ao mesmo lugar, mas se sai
de um labirinto por cima, desfazendo suas armadilhas. Neste caso concreto,
retomando a iniciativa e mudando a agenda nacional: imposto às grandes
fortunas, combate à sonegação, democratização dos meios de comunicação, fim do
financiamento privado das campanhas eleitorais, entre outros temas.
Para isso o governo
teria, antes de tudo, de definir seus objetivos, que não estão nada claros. A
prioridade parece retirada da pauta opositora: o ajuste fiscal, em condições
que a própria presidente expressou tantas vezes, anteriormente, que ajustes,
cortes, austeridade, não levam à retomada do crescimento. Mas agora parece
render-se a esse caminho tortuoso, desgastante e ineficaz.
Os cortes se fazem
sentir em praticamente todos os setores – inclusive na educação -, a taxa de
juros continua a subir, apesar da cotação recorde do dólar, a balança comercial
segue aumentando seu déficit. É impossível entender a lógica dessa errática
política econômica, que fortalece a pauta opositora do pessimismo reinante e da projeção de recessão, maior
nível de desemprego, entre outros. Enquanto isso, o governo parece se resignar
a dois anos de estagnação - isto é, a metade do segundo mandato de Dilma,.
Não parece haver
condução tática nem estratégica da parte do governo, apesar de contar com
excelentes quadros políticos. Assim, tudo indica que o governo seguirá
respondendo às iniciativas da oposição, conforme as agendas da oposição. O
governo não tem iniciativas próprias, não disputa agendas com a oposição,
aceita um papel subordinado no cenário político.
O governo encontra
dificuldades para retomar a iniciativa, com agenda própria, única forma de
disputar a condução política à oposição no plano nacional e deixar claro para
os setores que o apoiam quais as tarefas fundamentais do segundo mandato –
começando por detalhar e concretizar a Pátria Educadora.
Mas o pior é que,
diante dessa situação, o governo não demonstra nenhum poder de iniciativa, que
é a chave para alterar a correlação de forças a seu favor. A iniciativa permite
disputar a agenda nacional, promover a unidade das suas forças, conquistar
novas forças, neutralizar setores vacilantes e isolar os adversários. E,
principalmente, dar a pauta central do pais.
O governo só reage às
iniciativas da oposição e, quando o faz, revela ausência de condução – tática e
estratégica – no campo político.
* Sociólogo e cientista
político
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