Crítica ao
Plano Nacional de Cultura
* Por
Urariano Mota
Clicando no link do
Ministério da Cultura, pode se ver que o Plano Nacional de Cultura (PNC) é um
conjunto de princípios, objetivos, diretrizes, estratégias e metas que devem
orientar o poder público na formulação de políticas culturais.
Previsto no artigo 215
da Constituição Federal, o Plano foi criado pela Lei n° 12.343, de 2 de
dezembro de 2010. Seu objetivo é orientar “o desenvolvimento de programas,
projetos e ações culturais que garantam a valorização, o reconhecimento, a
promoção e a preservação da diversidade cultural existente no Brasil”.
Mas, de modo mais
preciso, em as metas do PNC podemos ver o que parecia ser apenas um mau
anúncio. O plano que temos para a cultura no Brasil é iletrado, desde a sua
origem e concepção. Quero dizer, de modo mais claro: em Temas, a literatura nem
aparece. “Mas não está proibida”, poderia nos conformar um raro conformista. O
problema é que no conjunto das “tags” do Plano Nacional de Cultura o luxo da
literatura é lembrado apenas uma vez em “Livro, leitura e literatura”. O diabo
é que ao se abrir essa tag, a literatura não é mencionada em nenhum dos resumos
de qualquer Meta. A não ser, claro, que a expressão maior da língua de um povo
esteja disfarçada em metas do gênero:
“Aumento em 150% de
cursos técnicos, habilitados pelo Ministério da Educação (MEC), no campo da arte
e cultura com proporcional aumento de vagas...”
ou em
“Aumento em 100% no
total de pessoas qualificadas anualmente em cursos, oficinas, fóruns e
seminários com conteúdo de gestão cultural, linguagens artísticas, patrimônio
cultural e demais áreas da cultura”.
É preciso proclamar o
quanto o rei está nu, e quase ninguém viu, ou reclamou ou deu importância. A
nudez do rei: não existe uma só linha no Plano Nacional de Cultura – uma só, de
esmola, pelo amor de Deus – não há uma só que se dedique à literatura
brasileira.
A pesquisa há de notar
a palavra “literatura”, o substantivo, na Meta 22 – “Aumento em 30% no número
de municípios brasileiros com grupos em atividade nas áreas de teatro, dança,
circo, música, artes visuais, literatura...”.
E de passagem em
“1.5.4 Estabelecer programas específicos para setores culturais, principalmente
para artes visuais, música, artes cênicas, literatura, audiovisual, patrimônio,
museus e diversidade cultural...”
Para a palavra
“escritores”, o plural, não há uma só ocorrência. Mas para “escritor” , o
singular e raro, há muitas, sob a forma de “escritórios”. O que faz sentido.
Em algumas
oportunidades, a literatura é chamada de “indústria cultural”, em outras, na
maioria das vezes, aparece na frase “entre outras”, até o máximo do poder de
síntese, quando a literatura surge na palavra “etc.”
Mas não pode haver má
vontade, porque a arte literária aparece por um conteúdo implícito, quando se
fala em “livros”. Sabemos todos, mas nunca é demais insistir, diante da diluição,
má vontade ou ignorância que cerca a literatura: existem livros para tudo e
para todas e todos, e nem todos são de literatura. Mas tentemos sair do cerne
da confusão: façamos de conta que entre livros didáticos, técnicos, ou de boas
maneiras, ou de receitas de cozinha e de como conseguir fortuna, amantes, fama
e riqueza, façamos de conta que entre 100 best-sellers dos 50 tons venha 1 só
livro de um poeta ou romancista cinzento. Então concedamos, olhemos a
literatura como “livros”.
Vejamos. Na meta 20,
fala-se em
“Aumentar para quatro
a média de livros que os brasileiros leem por ano, fora da escola”
e daí se expressa um
desejo:
“Para alcançar esta
meta será necessário um esforço do poder público para estimular o hábito da
leitura no país. As ações deverão ser feitas por vários ministérios, em
parceria com estados, cidades e organizações da sociedade civil”.
Onde se atinge a
fronteira do ridículo, quando o desejo cai na seguinte tautologia:
“Em 2007, cada
brasileiro com mais de cinco anos lia em média 1,3 livros por ano, por
iniciativa própria, fora da escola.
Na pesquisa ‘Retratos
da Leitura’ a metodologia para calcular a média de livros lidos foi alterada.
Antes a média de leitura era medida ‘por ano’ e agora passou a ser medida ‘nos
últimos três meses’. Segundo esta nova metodologia, a média de livros lidos
fora da escola nos últimos 3 meses anteriores à pesquisa, realizada em 2008,
foi de 1,05. Dessa forma, será necessário reformular o indicador da meta”.
(Negrito tautológico meu)
Então ocorre uma luz
de como a meta pode ser alcançada. Em outra meta (mé-ta) 32:
“100% dos municípios
brasileiros com ao menos uma biblioteca pública em funcionamento - Ter pelo
menos uma biblioteca pública ativa em cada cidade brasileira”
O diabo é que a Meta
32 vê as bibliotecas como “locais (que) contribuem para formar leitores e
promover o hábito de leitura, e (que) são fundamentais para o acesso à
informação e para a transmissão de conhecimentos”.
Menos, bem menos. Ou
melhor, isso é um equívoco. Delega-se às bibliotecas uma finalidade impossível:
a de formar leitores. Para quem as conhece, as bibliotecas apenas se mostram
como um lugar passivo para o usufruto. O protagonismo, o ente fecundador vem da
escola e da discussão que se estabeleça até fora da sala de aula com educadores
públicos, mestres, escritores, e programas no rádio e televisão. Caso
contrário, teremos bibliotecas como locais esplêndidos, com acervos fabulosos,
mas lacrados, fechados, com um hímen sagrado que não tem força humana que o
rompa.
Se a experiência de
escritor serve para alguma coisa, eu lhes digo: não há uma genética para a
leitura. E melhor ainda, para a literatura. Leitores não nascem. Leitores se
formam antes da entrada em bibliotecas. Nas igrejas, rodas de amigos, encontros
políticos, bares e cinemas. De um ponto de vista institucional, deveríamos ter
a formação de leitores nas escolas, a partir do ensino fundamental até o médio.
Leituras deveriam ser feitas por todos os mestres, de todas as especialidades.
Leitura não é coisa de aula de português, não é exclusividade de professores de
literatura. É da aula de química, de matemática, de história, de inglês, de
espanhol, de educação física, da reunião de pais e mestres.
Enquanto não se
articulam o Ministério da Cultura e o Ministério da Educação, o Plano Nacional
de Cultura deveria ser fecundado por escritores e assimilar e aprender a
experiência do Sesc em todo o Brasil, que mantém programas de encontros e
palestras de literatura. Seria bom, para que o Plano fosse menos iletrado.
Seria mais que bom, seria ótimo, se o Plano Nacional de Cultura superasse a
confusão identidade que faz entre livros e arte literária. Isso, claro, quando
não resume a literatura à genial síntese do etc.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho
renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário