quinta-feira, 8 de dezembro de 2011







Verde e amarela

* Por Gustavo do Carmo

Você ainda é muito verde para a função.” Amarildo sempre ouvia isso. Desde procurar emprego até conquistar mulheres. O problema é que Amarildo já tinha 35 anos. Idade mais do que madura. Mas estava sempre verde. Sempre amarelava nas horas mais importantes.
Cursou jornalismo. Não fez estágio porque seu currículo ainda era muito verde para ter chances de uma vaga. No final do curso, estava verde porque não tinha experiência. Formou-se verde e branco. Branco de virgem no mercado e também no sexo.
Exigente, paquerava as mulheres mais bonitas que conhecia. Ainda era muito verde para conquistá-las. Uma vez, quase conseguiu. Marcou encontro com uma amiga. Mas amarelou quando descobriu que ela tinha um filho pequeno.
Fez cursos de informática, jornalismo online e assessoria de imprensa. Amadureceu (somente um pouco) o seu currículo. Mesmo assim, ainda foi considerado verde para entrar no mercado de trabalho.
Brasileiro nacionalista, Amarildo se recusava a aprender outras línguas e não retomou o curso de inglês que tinha largado aos quinze anos. Por isso, seu inglês ainda era verde.
Desde os vinte anos, Amarildo tentou ocupar o seu lugar no mercado de trabalho. Aos vinte e três, já com os certificados dos cursos que fez, tentou mais uma vez. Não conseguiu. Ainda estava verde para a função.
Chegou a fazer um teste de vídeo. Além de desarrumado, gaguejou e falou com a língua presa. Sua voz também era horrível. Fez nova faculdade (agora de publicidade) e batalhou para conseguir estágio. Continuava verde.
Tentou ser vendedor de carros, sua paixão. Verde. Atendente de telemarketing. Verde. Plantonista de clipagem. Verde também. Tentou ser escritor. Mandou originais de um romance para várias editoras. Todas recusaram. O aspirante a escritor ainda tinha um texto muito verde.
Amarildo amarelava nas poucas entrevistas de estágio em que era chamado. Amarelou em uma oferta de estágio porque estava viajando. Amarelou até na avaliação de desempenho do Banco do Brasil. Ele tinha sido aprovado no concurso público que seu pai lhe obrigara a fazer. Mas amarelou no período de experiência. Resolveu pagar para publicar o seu primeiro livro. Ainda muito verde. Amarelou na hora de divulgar.
Tentou tirar carteira de motorista. Fez todas as aulas obrigatórias. Passou na prova escrita com louvor. Também se saiu bem no exame psicotécnico. Na hora da prática, ainda se sentia verde para fazer o exame final de direção. No dia da prova, quando achou que estava maduro, amarelou.
E por que Amarildo chegou aos 35 anos verde e amarelando sempre? Deprimido com tantas amareladas e de ser considerado verde, ele procurou um psicólogo. Descobriu que tinha transtorno de ansiedade e déficit de atenção. Além de uma grande resistência em amarelar. Amarelar no sentido de amadurecer.
Um dia, Amarildo amanheceu verde de enjoo. Foi ao médico e descobriu que os seus olhos estavam amarelos. A pele, com manchas azuladas. Meses depois, morreu de hepatite. Branco de virgem e de medo. Ficou cinza. Apodreceu em vez de amadurecer.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores.

Um comentário:

  1. Que pena, Gustavo! Amarildo, pelo esforço, merece vingar, amadurecer e parar de sofrer dessa fobia, dessa história de ir até a margem e não a traspassar. Ares de autobiográfico, apenas que o final será diferente.Saúde!

    ResponderExcluir