domingo, 18 de dezembro de 2011







Tudo tem um preço


* Por Pedro J. Bondaczuk

O “homo sapiens”, há cerca de 12 mil anos, deu um importante salto evolutivo, quando construiu a primeira cidade de que se tem notícia. Historiador algum sabe, com certeza, qual foi. É uma pena! Afinal, tratou-se de um marco fundamental na história da espécie (para o bem e para o mal). Esse avanço implicou em vários outros, em termos de organização social e vida comunitária.
Não tardou, por exemplo, para que o nosso primitivo ancestral criasse, implantasse e difundisse noções elementares, que evoluíram (mas também se corromperam) com o tempo e que sobrevivem (posto que bastante alteradas) até hoje, como a de poder, de hierarquia, de justiça, de segurança, de educação, de dever, de produção, de comércio e tantas e tantas outras. O “homo sapiens”, sem dúvida, passou a viver melhor e, por conseqüência, também por mais tempo. E pôde se reproduzir com maior intensidade, com índices de sobrevivência da prole sempre crescentes, dada a evolução das condições sanitárias.
As cidades transformaram-se em reinos, em Estados, em nações e em impérios. O restante desse enredo é desnecessário citar, já que a história registra, de sobejo, o que aconteceu. Tudo na vida, porém, tem o seu preço. E esse importante avanço, origem da civilização (como a conhecemos, claro), também teve o seu.
O homem perdeu a comunhão íntima que mantinha com a natureza, da qual, como animal, também fazia (e ainda faz e sempre fará) parte. Deixou de ter contato permanente e cotidiano com a amplidão, com os espaços abertos, com os vastos campos e florestas, que lhe davam a inigualável sensação de liberdade, a despeito dos perigos a que estava exposto a cada passo que dava. Trocou isso por uma vida intra-muros – mais saudável e mais segura é verdade – em cidades que cresciam, mais e mais, e que, por isso, se tornavam apertadas, barulhentas, problemáticas e tensas à medida que evoluíam.
Mas a natureza, como se sabe, tem leis inflexíveis, como a da ação e da reação. Uma delas, que vale para qualquer animal (e claro, também para o homem) é a do “território natural”. E o que vem a ser isso? Trata-se do espaço vital que, quando ultrapassado por alguém, o cérebro emite, automaticamente, alarme de perigo e mobiliza, por conseqüência, todos os mecanismos de defesa do organismo, através do sistema nervoso.
O antropólogo norte-americano Edward Hall pesquisou o assunto e concluiu que para o ser humano, esse espaço-limite de liberdade, instintivo, que todos precisamos, é delimitado por um raio mínimo de 45 centímetros e máximo de 120. Como querer que seja respeitado nas megalópoles atuais, algumas com populações equivalentes à do mundo todo, digamos, no ano 600 a.C. (tomando esta data aleatoriamente)?
Como esperar que o nosso “território natural” não seja ultrapassado dezenas de vezes num dia, nos ônibus e metrôs superlotados, nos aviões, nos bancos, nas indústrias, nas lojas, shoppings e supermercados, nos estádios, cinemas e teatros e em tantos e tantos outros lugares que freqüentamos? E a cada violação do nosso espaço vital, o cérebro emite (embora não nos apercebamos), automaticamente, o alarme de perigo. E mobiliza todos os mecanismos de defesa do organismo, através do sistema nervoso.
Esta, certamente, é uma das causas (e não ficaria surpreso se fosse a maior), desses subprodutos da chamada vida moderna, como a violência em todas as suas variadas formas de manifestação, as neuroses dos mais diferentes tipos e intensidades, a angústia, a tensão, a insônia, a depressão etc.etc.etc. que se verificam em nossas apertadas, barulhentas, enfumaçadas, fedorentas e tão problemáticas cidades. E pensar que, conforme recentíssimas e confiáveis estimativas, 60% da humanidade se concentra em somente 75 dessas neurotizantes e absurdas megalópoles! Já imaginaram a quantidade de lixo que essas aglomerações humanas produz diariamente? E de dejetos, como urina e fezes? E de malucos de todos os matizes e gradações?
Tenho a íntima convicção que, se o primitivo “homo sapiens” tivesse a mínima capacidade de previsão, se soubesse no que sua criação redundaria, ou seja, nisto que aí está, jamais lhe passaria, mesmo que remotamente, pela cabeça, a idéia de construir cidades. Sua vida seria, certamente, muito mais difícil e mais curta. Talvez a espécie tivesse até desaparecido. Certamente, de cada cem nascidos, somente um chegaria a completar cinco anos de idade. Mas os remanescentes teriam (penso eu) uma vida muito mais equilibrada, natural e, conseqüentemente, feliz.
É verdade que, se isso ocorresse, talvez eu e você caro leitor sequer existíssemos. Certamente eu não estaria escrevendo estas insólitas (no mínimo estranhas) reflexões, pois não haveria escrita, eletricidade, computador etc. Por conseqüência, você não estaria lendo, agora, esta maluquice, que talvez o irrite e lhe acrescente um aborrecimento a mais nos tantos que você terá neste dia. Mas é como frisei no início destas linhas: tudo na vida tem um preço! Ou não tem?



* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

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