quarta-feira, 21 de dezembro de 2011



Subterrâneos do poder

O
s subterrâneos do poder, representados por alguns atos dos governos, que seus detentores não querem que sejam revelados ao público (e é impossível estimar quantos e quais são), despertam, óbvio, muita curiosidade mundo afora. As pessoas intuem que existam, mas desconhecem sua substância e natureza e sequer têm certeza de sua existência, embora contem com inúmeras evidências a propósito.

A imprensa, é verdade, está atenta a esses casos, digamos, obscuros e, sempre que pode, e que consegue comprovar alguma dessas ações, a maioria ilegal à luz do direito, as divulga. Contudo, é muito pouco o que se consegue ou apurar, ou, principalmente, provar. E sem provas, ninguém é maluco de publicar qualquer denúncia que seria encarada, e com razão, como mera insinuação. Ademais, muita coisa, mesmo que comprovada, permanece não divulgada, a pretexto de se tratar de matéria atinente à “segurança nacional”. Raro é o repórter que não trema face a essa classificação. Eu tremeria. E, convenhamos, com razão. Esses assuntos têm, mesmo, forte “cheiro” de encrenca.

A Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, a temível e temida CIA, é fonte preferencial de reportagens, de livros e de roteiros de cinema (são milhares os filmes que a têm como foco) sobre irregularidades cometidas. A maioria é de enredos de ficção, todavia verossímil. Muitos são de denúncias, de supostos fatos que, no entanto, se diluem e não tardam a cair no esquecimento. Não faço juízo de valor sobre as atividades desse órgão e nem ponho a mão no fogo para assegurar ou desmentir a veracidade de tudo o que se diz e se escreve a seu respeito. Meu objetivo nem é este. É mais simples: induzir reflexões. Limito-me, apenas, a transcrever alguns textos a propósito, dando-lhes, claro, os devidos créditos.

Em 9 de outubro de 1987, o consagrado jornalista do “The Washington Post”, Bob Woodward (Robert Upshur Woodward), na época repórter e, atualmente, editor gerencial assistente desse prestigioso diário norte-americano, lançou o livro “Veil: as guerras secretas da CIA”, que na ocasião foi considerado “explosivo” e causou muita celeuma, e sobre o qual farei algumas observações, que entendo pertinentes, hoje e nos próximos dias.

Os casos tratados (e, mais especificamente, o escândalo Irã-Contras, que abalou o governo do então presidente Ronald Reagan e foi objeto de investigação por parte do Congresso dos EUA) abrangem os anos que vão de 1981 a 1987, quando a agência era comandada pelo falecido William Casey. Bob Woodward denuncia subornos, assassinatos encomendados e até atos de terrorismo, que atribui à CIA, todos cometidos em nome da tal “segurança nacional”.

E por que tratar de um livro lançado há quase um quarto de século, quando os principais personagens já estão mortos há muito e quando o assunto tratado já caiu no esquecimento? Uma das razões é que esses episódios deixaram de ser notícia, é verdade, mas se transformaram em capítulos da história contemporânea, de fins do século XX. O autor, óbvio, não inventou nada do que escreveu. Caso o fizesse, seria réu não apenas de um processo, mas de vários. E poderia lhe acontecer até coisa pior, muito pior do que ser levado aos tribunais. Nada disso ocorreu. Vai daí...

O livro foi fruto de muitos anos de meticulosas pesquisas, de consultas a montanhas de documentos, além de centenas de entrevistas com funcionários e ex-agentes do serviço secreto. Só o então diretor da CIA, William Casey, o jornalista entrevistou em cerca de cinqüenta oportunidades. Munido desse farto material, praticamente pôs a nu o governo de Ronald Reagan no que diz respeito a dezenas de ações encobertas (eufemismo para caracterizar ações ilegais). Todo o material que coligiu lhe rendeu um livro de 600 páginas, de pura nitroglicerina (que foi lançado no Brasil pela Editora Best-Seller).

Falar da credibilidade de Bob Woodward é desnecessário e chega a ser redundante. Basta lembrar que, em 1974, ao lado do repórter Carl Bernstein, revelou ao mundo o escândalo de espionagem à sede do Partido Democrata, no edifício “Watergate”, em Washington, caso que, no final das contas, levou o então presidente Richard Nixon a renunciar ao cargo, para não se tornar no primeiro ocupante da Casa Branca a deixar o poder em decorrência de um “impeachment” por parte do Congresso.

Naquela oportunidade, como no caso do livro que ora enfoco, o jornalista também foi acusado de veicular notícias falsas e de distorcer as verdadeiras. Sabe-se lá quantas e quais ameaças sofreu! Certamente não foram poucas. O tempo, porém, encarregou-se de provar que Woodward estava rigorosamente certo, e nos dois casos. Ou seja, tanto no envolvendo Richard Nixon, quanto no que comprometeu Ronald Reagan. A diferença é que o segundo mostrou muito mais jogo de cintura, mais recursos políticos do que o primeiro e, por isso, conseguiu desviar o foco da sua pessoa e escapar ileso.

Casos de ex-agentes da CIA, que denunciaram desmandos e ilegalidades da agência, tão logo se desligaram dela, nunca foram raridades. Pelo contrário. Só para citar um exemplo, lembro um bastante emblemático, de fins dos anos 70. Refiro-me a Philip Agee, que ao abandonar a organização, fez copiosas e contundentes denúncias de ilegalidades por ela praticadas. Aliás, estas foram tantas, que lhe renderam pelo menos cinco livros, alguns de excelentes vendas, além de uma infinidade de entrevistas para jornais, revistas, rádio e televisão. Na época, ainda não havia o poderoso recurso da internet.

Claro que os envolvidos, tanto nos casos denunciados por Agee, quanto nos trazidos à baila por Woodward, negaram suas respectivas participações. Seria estranho se admitissem. Quem comete delitos, salvo raríssimas exceções, nunca admite haver agido de forma contrária ou à lei, ou à ética, ou a ambas simultaneamente. Os acusados, nestes dois casos (e em todos os outros que vieram à baila, antes e depois), atribuíram, invariavelmente, as menções aos seus nomes ora à desinformação dos denunciantes, ora à má fé, ora a qualquer outro motivo, tão ridículo que o efeito, em geral, sempre foi o contrário do pretendido, ou seja, o de confirmar tacitamente seu envolvimento e nunca negá-lo.

Não há motivos, todavia, e muito menos a menor lógica, para supor que Agee, Woodward e tantos outros denunciantes iriam arriscar suas peles, além das reputações profissionais, denunciando uma agência tão poderosa (ardilosa?) e inventando histórias apenas para fazer sensacionalismo e, de alguma maneira, lucrar com isso. Ocorre que os subterrâneos do poder estão repletos de casos escabrosos, de “cadáveres no armário”, de coisas inimagináveis que, na maioria, jamais vem à luz do conhecimento público. E, mesmo quando eventualmente vêm... vêm truncados e nebulosos.

Boa leitura.

O Editor.




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