domingo, 25 de dezembro de 2011



Um conto de Natal

* Por João Luís de Almeida Machado

Estamos na véspera do Natal. As luzes apagadas nas ruas da importante cidade revelam que o movimento está acontecendo nas casas das pessoas. Alegres e festivos lares que têm suas mesas decoradas e fartas, as árvores enfeitadas com bolas coloridas e enfeites que lembram o nascimento de Cristo. Crianças ansiosas a esperar a chegada dos presentes pelos quais tanto esperaram durante todo o ano. Adultos a brindar as realizações pessoais e profissionais do ano e orar pela chegada de um período ainda mais promissor.
O tilintar dos copos pode ser ouvido em todos os cantos, ou melhor, em praticamente todos...
Num determinado palácio, habitado por um homem muito rico e poderoso, as luzes já estão apagadas. Natal não é sinônimo de alegria, tampouco de confraternização. Na verdade toda a atmosfera que cerca essa época do ano acaba tornando esse cidadão ainda mais ranzinza e irritadiço. Quando as pessoas estendem suas mãos e lhe desejam um feliz natal ele se sente paralisado e desconversa, muitas vezes age de forma agressiva e repudia o cumprimento.
Deitado em sua grande e espaçosa cama, depois de uma refeição frugal, o eminente habitante daquela destacada cidade encosta a sua cabeça em um travesseiro de penas de ganso e adormece rapidamente.
Parece ter um sono tranqüilo. Não se importa com o fato de que muitos de seus funcionários perderam o emprego às vésperas das festividades de final de ano. As metas de aumento de vendas e consequentemente de majoração dos salários também não foram atingidas? Isso também não prejudica seu sono, afinal de contas seus lucros e contas bancárias engordaram com suas aplicações.
Acionistas majoritários e funcionários de confiança fizeram de tudo para burlar os impostos, diminuir os ganhos dos trabalhadores, oferecer menores vantagens aos consumidores. Esses homens de colarinho branco, impecáveis em suas vestimentas, amparados por advogados escusos e bancados por somas altíssimas compraram políticos, subornaram juízes e desrespeitaram as leis do país em benefício das empresas de seu patrão e também em prol de seu próprio enriquecimento.
E mesmo assim o sono de seu empregador parece transcorrer na mais absoluta tranqüilidade e paz de espírito...
Até que começam a soar as badaladas no sino da principal igreja da cidade. É meia-noite e as pessoas se abraçam e saúdam o nascimento de Jesus. Orações, cânticos, brindes e refeições em família ao redor de todo o mundo consagram os sentimentos de paz, fraternidade e amor sonhados por Cristo.
É nesse momento, que do canto mais escuro do grande quarto que acomoda o rico cidadão, uma luz intensa ilumina todo o ambiente e o som de correntes se arrastando pelo chão o desperta de seus sonhos. Ele já não está só. Assustado aperta os botões de seus sistemas de segurança, pega o telefone ao lado da cama, disca seu celular e dá alguns gritos em busca de socorro. Nada funciona...
E o pior, as correntes se aproximam num movimento lento e contínuo. As luzes tornam-se mais intensas e, aos poucos, ele vai conseguindo divisar o rosto de um de seus mais próximos sócios, assassinado ainda no início de suas operações como presidente da mais importante instituição daquele país. Ele se assusta ao ver seu ex-companheiro amarrado a tão grossas correntes. Fica ainda mais amedrontado por se lembrar que muitas pessoas associaram a morte de seu sócio ao aumento de seu patrimônio e viram nisso um elemento que poderia ligá-lo a tão horrendo crime...
“Você precisa mudar”. “Cumpra suas promessas”. “Seja bom para seus funcionários e também para o povo”. “Fale a verdade”. “Se não fizer isso suas correntes serão muito maiores que as minhas”. “Talvez isso não aconteça a partir da justiça dos homens, mas certamente o julgamento divino não será tão clemente”...
Todas essas frases foram proferidas num tom que misturava dor e aconselhamento. O fantasma de seu ex-sócio ainda lhe disse que deveria se afastar de todos aqueles que sujavam ainda mais seu nome. Também se referiu ao fato de que a cada maldade impetrada a outro ser humano um novo e mais pesado elo se adicionava as correntes que teria que arrastar.
Assustado o nobre cidadão fechou os olhos e começou a chorar. Não sabia rezar e, por isso, se escondeu embaixo dos lençóis para espantar aquela terrível visão. Ao sair debaixo das cobertas não havia mais ninguém por perto. Achou que tudo aquilo era apenas um pesadelo...
Deitou-se e tentou começar a dormir novamente. As horas passavam e seus olhos não se fechavam. Quando o relógio anunciou duas horas da manhã ele recebeu uma nova visita. As luzes, de cores diferentes, vinham acompanhadas de um leve tilintar, como se um sino estivesse anunciando a chegada de um anjo e não de uma alma penada.
E era justamente isso que estava acontecendo. E do meio de toda aquela intensa claridade surgiu sua mãe, com enormes asas angelicais em suas costas. O ambicioso homem arregalou seus enormes olhos e começou a chorar copiosamente. Um pequeno milagre acontecia diante de seus olhos. Surpreendido pela inesperada presença o cidadão ficou sem voz e escutou de sua mãe:
“Seja justo e bom”. “Pratique a bondade e terás a salvação como recompensa”. “Realize as lições de humildade e honestidade que eu e seu pai lhe ensinamos”. “Respeite o nome de nossa família e retorne ao caminho da fé e do amor encontrados em Cristo”. “Abandone seus vícios e a corrupção do espírito e da carne”.
Quando sua voz retornou e permitiu que ele direcionasse algumas palavras a sua mãe, já era tarde, ela desaparecera em poucos segundos. Com um nó na garganta aquele homem que muitos temiam foi se lembrando de sua infância pobre, da decência de seu pai e de sua mãe a criar tantos filhos com dignidade a partir de um pequeno pedaço de terra. Tudo aquilo que havia sido sua vida fora abandonado em troca de dinheiro, muito dinheiro, mesmo sabendo que essa riqueza fora obtida de forma ilícita, ele ainda não estava convencido de que agira de forma errada.
Por esse motivo tentou novamente deitar sua cabeça em seu macio encosto e dormir. Quando o relógio marcou quatro horas da manhã ele verdadeiramente temeu por sua vida. Uma nuvem acinzentada brotou de sua lareira e uma marcha fúnebre pôde ser ouvida ao fundo. Por detrás daquela fumaça toda era possível divisar um esguio corpo escondido atrás de uma negra veste de frade. O rosto não era visível, apenas os olhos avermelhados a anunciar a proximidade da morte.
Esse visitante nada lhe falou. Num rápido movimento pegou-o pelo braço e o levou num assustador vôo noturno em direção ao cemitério da cidade. Do alto de uma colina puderam divisar dois homens a cavar uma cova. Eles conversavam entre si e tinham ao seu lado um luxuoso caixão. Comentavam que nunca tinham visto um enterro tão triste, sem ninguém a rezar pela alma daquele pobre coitado.
“Também, quem iria se atrever a dizer qualquer coisa boa sobre um homem tão sórdido, corrupto, desleal e mentiroso quanto esse magnata?” – emendou um dos coveiros.
Depois dessa frase o rico homem de negócios conseguiu perceber que estavam diante do túmulo onde ele mesmo estava prestes a ser enterrado...
Aterrorizado diante daquela visão, ele acordou assustado na manhã do dia de Natal. Foi atrás de seus advogados e pediu-lhes que pagassem a todos seus funcionários as devidas indenizações; requisitou a seus executivos que dessem o justo aumento de salários que suas empresas haviam prometido; Mandou telegramas aos empregados demitidos pedindo-lhes que voltassem a trabalhar logo depois das festividades.
Comprou alguns brinquedos e levou a uma creche e a um hospital para crianças. Depois de muitos anos visitou uma irmã que era professora e, para sua surpresa, foi recepcionado com carinho por ela e por todos os seus irmãos e demais familiares. Daquele dia em diante Brasília nunca mais foi à mesma... Deixou de ser a terra da promissão e da promiscuidade e se tornou o lugar dos sonhos realizados, da decência e da honestidade...

• Doutor em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).

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