quarta-feira, 28 de dezembro de 2011







Médicos também adoecem

* Por Mara Narciso


No Brasil formam-se por ano 16 mil e quinhentos médicos. Os Conselhos de Medicina querem fechar algumas escolas médicas por não formarem bons médicos. Apenas 40% dos recém-formados fazem Residência Médica. Para suprir essa lacuna foram criados os cursos de especialização, que tentam, mas não substituem as residências.
Tempos atrás o saber médico não era questionado. Antes da divulgação de assuntos médicos em revistas leigas, televisão e internet, havia uma mística de magia oculta na antipedagógica letra ruim. Devido ao pouco acesso a informação, a sociedade aceitava uma receita e escassas palavras. A Medicina cabia em alguns livros, e hoje uma doença enche toda uma biblioteca. Era de praxe esconder do doente o que ele tinha, mas com o tempo se viu que a participação da pessoa era primordial para a melhora, ainda mais com a cronificação de doenças que antes eram fatais.
A ignorância geral sobre doenças tornava parte dos médicos pessoas misteriosas, de saber inatingível, até mesmo prepotentes. A proletarização da Medicina tirou a independência financeira do médico, antes um profissional liberal, que passou a ter empregos e receber de terceiros e não diretamente do cliente. Como o médico não ganha tão bem quanto antes, para manter a família, precisa trabalhar em vários locais. Devido aos deslocamentos e excesso de doentes, não tem como atender adequadamente, ficando cansado e mostrando-se frio e até mal educado.
Por imaturidade, alguns profissionais podem mostrar impaciência com a dificuldade de a pessoa entender o que lhe é explicado, ou quando o doente mostra desinteresse, podendo ser alertado com palavras cortantes. É possível que parte deles já tenha agido dessa forma. É necessário treinar a tolerância e estimular a paciência. Mas ainda assim, permanecem as coisas de médicos, a inacessibilidade, a pressa, a propalada letra ruim e os intermináveis atrasos.
“Paciente espera médico, e não médico espera paciente”, é o que sempre se ouviu. O atraso médico institucionalizado é uma falta de respeito. Uma fonte de stress extra para o cliente. Ao médico é difícil controlar o tempo da consulta, dominar sua agenda, pois mesmo havendo uma média de minutos para o atendimento dentro de cada especialidade, há casos que demandam mais tempo e com isso entram no outro horário. Assuntos hospitalares são ainda mais imprevisíveis.
Certo médico mandava sua secretária marcar consultas a partir das 8h. Ao fim do expediente matinal, às 11h30m, a secretária telefonava-lhe dizendo que a sala estava cheia. Do outro lado ele explicava que ainda iria demorar, pois estava em banho de imersão na hidromassagem. Mais pacientes, em outro local estavam em jejum esperando para fazer exames, mas estes só seriam atendidos após as consultas. Quando? Talvez depois de mais tarde.
Quando o médico passa mal, e apresenta-se sem condições de continuar no atendimento, avisa através da sua secretária aos que estão a sua espera. Quando os clientes ficam sabendo do fato, podem reclamar que deveriam ter sido avisados no dia anterior, e que não sabiam que médico adoecia. Mas como? Caso assim fosse, bastaria estudar Medicina para se tornar imortal.
Nada pior do que os insuportáveis conselhos, mas é bom desligar o celular durante a consulta. Educação cabe em todo lugar, da parte dos médicos e dos pacientes, que agem algumas vezes de forma imprudente, de entrar durante a consulta do outro e querer ser atendido de qualquer maneira. Diante das dificuldades, aí sim, é preciso paz nos consultórios, calma, voz suave de ambos os lados, explicações adequadas, atenção, boa letra, preço justo, e, por favor, atrasos menores, dentro das boas normas de educação. Médico chegar com mais de uma hora de atraso é desumano.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-

9 comentários:

  1. É interessante ver o médico para além da mesa do consultório, humanizar o semideus. O texto nos impõe muitas reflexões e de maneira bem descrita pela autora.

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  2. Tem-se visto uma praça de guerra entre os dois lados da mesa do consultório. É preciso paz para que se possa avançar. Obrigada pelo comentário, Adailton.

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  3. Tive este ano a oportunidade de conhecer
    toda a sorte de profissionais nessa área.
    Médicos dedicados e até carinhosos, outros
    austeros e incisivos.
    Os que te olham nos olhos e os que falam como se fossem secretárias eletrônicas.
    Profissionais responsáveis e infelizmente os que não estão nem aí.
    Uns que te apontam diagnósticos com esperança e outros que não...
    Mas graças ao meu bom Deus existem médicos que te estendem a mão e que nos tratam como iguais.
    Abraços Mara.
    Feliz 2012.

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  4. Quando se tem conhecimento de causa, e principalmente, vivência do assunto em questão, o texto flui de maneira tão clara, que parece até fácil redigir... Porém, além desses aspectos, é notável sua perspicácia diante dos acontecimentos do cotidiano...
    Abraços, Mara.
    E um 2012 de muita inspiração!

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  5. Núbia, quando uma doença grave surge, o sofrimento não precisa ser aumentando por maus tratos, pressa, impaciência, mau-humor, frieza, indiferença. Muitas vezes nos deparamos com isso. O mínimo que se espera é educação. Quando acontece o acolhimento, ficamos bem menos pesadas, mesmo quando há más notícias.
    Marleuza, sou pessoa frágil e tenho alguns problemas de saúde(melhor dizendo, problemas de doença), e por isso estou sempre em consultórios, clínicas e hospitais. Depois de 32 anos de experiência em consultório, posso afirmar que conheço os dois lados. Depois do curso de Jornalismo, minha comunicação melhorou muito.
    Obrigada, gente, por comentar.

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  6. Doutora Mara, você disse tudo. E disse de cátedra, com a propriedade da vivência. Esgotou, enfim, o assunto. Meu abraço e meu desejo de um 2012 memorável para você.

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  7. Mara, você disse: "tenho alguns problemas de saúde(melhor dizendo,problemas de doença)"
    Alguns médicos aconselham optar pelos famigerados planos de saúde (doença).
    A Constituição reza que "É da competência do Estado e dos municípios cuidar da saúde e assistência públicas, bem como da proteção e garantia das pessoas de deficiências físicas, sensoriais, mentais, como também os idosos..."
    Entretanto, continua com o sistema de marcação de consulta médica péssimo e arcaico.
    Aqui tem um tal de Disque-Same quem telefona ouve uma música irritante. Sem atendimento, o estado de saúde de qualquer um piora, não é verdade? Vamos ver 2012!
    Abração do,

    José Calvino
    RecifeOlinda

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  8. Marcelo, disseram-me que a minha opinião foi corajosa. Sei que apontar defeitos nos atendimentos é quase uma heresia, pois falo de convênios e consultas particulares. Nem toco nos atendimentos do SUS, pois não os conheço, apenas de ouvir falar. Sei que em sua maneira é desrespeitoso. Aqui em Montes Claros chegou ao cúmulo de um homem, com leve deficiência mental, ter sido submetido a vasectomia, no lugar de outra pessoa, sendo que tinha ido se consultar pode problemas no ouvido. E nem os nomes eram parecidos.
    José Calvino, A situação é ruim, mas já foi pior. Nós que não somos jovens sabemos disso. Mas ainda há muito a percorrer para chegarmos numa situação razoável. Pelo menos há tentativa de atender a todos.
    Agradeço os comentários.

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