sábado, 17 de dezembro de 2011




Indefinível e marcante


Amor é um não sei que, nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei porquê”. Esta declaração, convenhamos, é um primor de ambigüidade, posto que tenha sonoridade impar. É agradável de se ouvir. Tem musicalidade e muito ritmo. Seu autor, como confessa, não sabe coisa alguma sobre o tema que trata, no caso, o amor. Desconhece sua natureza (o quê?), sua procedência (onde?), forma de manifestação (como?) e o motivo das conseqüências que gera, no caso a dor (por que?).


Todavia, declara tudo isso com tamanha graça e talento (e verdade, diga-se de passagem), que o dito vem sendo repetido tempo afora e se perpetuou. Esses versos foram escritos há praticamente meio milênio e volta e meia vemos amantes e namorados repetindo-os, ora para fazer graça às garotas que querem impressionar, ora para se consolarem de algum fracasso amoroso, ora por qualquer outro motivo. Pudera! Foram compostos por um gênio: Luiz Vaz de Camões.


O que mais chama a atenção nestes versos do irrequieto lusitano, todavia, nem é sua intrínseca ambigüidade. É o fato do poeta associar amor à dor. Não há incompatibilidade entre ambos? Esse sentimento não é o suprassumo da felicidade? Não é o paraíso que tanto procuramos? Não, não e não. E as duas coisas não são incompat6íveis. Muito pelo contrário, estão intimamente associadas.


O amor, salvo exceções (que honestamente não lembro quais), sempre dói. Dói se correspondido e dói muito mais se frustrado. Dói quando os amantes estão juntos e dói infinitamente mais quando separados. Queiram ou não, concordem ou discordem, amor e dor andam sempre juntos. E, mesmo sem sermos masoquistas, não apenas nos resignamos a senti-la, mas a buscamos com afã e a queremos constante. Dói por que? Camões confessou não saber. E eu sei muito menos.


Todavia, o prazer que o amor proporciona – físico e psíquico – supera em muito a dor. Faz com que a ignoremos, como se não existisse e nunca fosse possível. Stendhal escreveu a respeito: “Amar é retirar prazer do ver, do tocar e do sentir um adorável objeto que nos ama, através de todos os nossos sentidos e tão exclusivamente quanto possível”. Tudo estaria bem se houvesse, sempre, essa “exclusividade” mencionada pelo escritor francês. Se não tivéssemos, por exemplo, que competir com ninguém pela pessoa amada. Ocorre que... no terreno das possibilidades, podemos ter que batalhar, e muito, por ela. Outras pessoas, sabe-se lá quantas e quais, podem estar interessadas, e sentindo a mesmíssima atração, pelo objeto do nosso amor. E mesmo que a amada nos mostre, sem ambigüidades, irrestrita fidelidade e reciprocidade, há o permanente risco do ciúme se instalar na relação. Se moderado, normal. Será fator até de maior aproximação do casal. Se exacerbado... Nem é bom pensar!


Um dos erros que frequentemente cometemos é o de projetar nosso amor no futuro ou de retroagi-lo ao passado, não raro quando sequer conhecíamos a pessoa que amamos, para fazer-lhe cobranças de toda a sorte, sobre o que fez, sentiu ou pensou. Isso é muito mais comum do que se queira admitir. Todavia, com essa preocupação, deixamos de usufruir o mais importante, o presente, ou não o fazemos com a intensidade que poderíamos ou deveríamos.


Seria de bom alvitre, porém, que prestássemos atenção ao que escreveu a respeito Honoré de Balzac. Nos trinta e cinco livros de sua copiosa “Comédia humana”, ele tratou de praticamente todas as possibilidades e conseqüências desse sublime sentimento. E, a certa altura, sentenciou: “O amor é a única paixão que não admite nem passado nem futuro”. E não admite mesmo. A pessoa amada de hoje pode, queiram ou não, ser a odiada de amanhã. Claro que o amor pode sobreviver a todas as crises, cataclismos e mudanças físicas, psicológicas e afetivas (mudamos a cada instante) e nunca se acabar, enquanto os dois amantes viverem. Mas... Este “mas” é que é o problema, concordam?


Pablo Neruda tem um poema fantástico (e qualificá-lo dessa forma chega a ser redundância, tal a qualidade da sua obra, que lhe valeu justíssimo Prêmio Nobel de Literatura), em que diz, a certa altura:


“Já não a quero, é certo, mas quando
a quis, minha voz buscava o vento
para tocar seu ouvido.
De outro, será de outro, como antes dos meus beijos,
sua voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos.
Já não a quero, é certo, mas talvez a queira.
É tão curto o amor, e é tão grande o esquecimento!”


Aproveito o ensejo para partilhar com vocês um soneto de Antonio Callado que é verdadeira raridade literária, embora já tenha sido publicado em jornal, mais especificamente, no caderno “Folha Ilustrada”, da “Folha de S. Paulo”, na edição de 2 de setembro de 2000. E por que é raro? Porque foi escrito quando o autor tinha 17 anos. Foi publicado pela primeira vez em 1934, no jornal estudantil “O Ensaio” e divulgado anos depois pela Academia Brasileira de Letras.


Tu e meu verso


Eu quero que te vejas no meu verso
com perfeição serena refletida,
como a andorinha que no lago, imerso
vê, gracioso, o seu vôo de partida.

Eu quero que nas rimas tu respires
o teu perfume a se evolar divino,
e que se acaso a um verso meu sorrires,
vejas que o verso... é o teu sorriso fino.

Quero que a esbelta curva do teu talhe
'steja na grácil curva do soneto;
e que, sublime, no último terceto

presa das rimas no custoso entalhe,
vejas com doce espanto fulgurar
a cristalização do teu olhar.


Voltarei ao assunto, certamente, até para aproveitar esta ocasião em que o espírito natalino nos torna mais relaxados e predispostos a temas mais amenos (ou que supostamente têm essa característica), como é o amor que “é um não sei que, nasce não sei onde, vem não sei como e dói não sei porquê”, como Camões nos assegurou, há pelo menos meio milênio.


Boa leitura.

O Editor.

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