quarta-feira, 7 de dezembro de 2011







O inferno de Dante não é nenhuma novidade

* Por Mara Narciso


Demonstrando grande sacrifício, o professor Waldir de Pinho Veloso, após uma hora ou mais de apresentação, devora A Divina Comédia, uma obra hiperbólica, para uma platéia de cerca de 40 pessoas que nem pisca. Com nítido entusiasmo vai dissecando para ávidos curiosos, as páginas da obra escrita entre 1304 e 1321, pelo florentino Dante Alighieri.
Estranhamente, mesmo quem não fez o dever de casa e compareceu ao Clube de Leitura no Ateliê Felicidade Patrocínio, sem ler o livro, tem a sensação de déjà vu. A apresentação é tão vívida e real, que se enxerga um filme passando nas palavras didáticas do apresentador.
Advogado, professor de seis disciplinas de Direito nas faculdades Unimontes e Santo Agostinho, autor de 12 livros, mestre em Linguística, e com dois programas de televisão, Waldir de Pinho mostrou intimidade e paixão inconteste pela obra.
O começo da palestra parece uma aula de matemática, pela enormidade dos números, a começar pelos 14.233 versos. A obra é composta pelos três livros Inferno, Purgatório e Paraíso, sendo cada livro com 33 capítulos que Dante chama de cantos, cada um deles com 40 a 50 tercetos com um verso solto no final. São todos decassílabos rimados. “O livro tem, portanto, cem Cantos. E cada qual, tem entre 130 a 150 versos, ou linhas. Um poema épico, longo, completo. Perfeito. Uma obra-prima que jamais alguém superará”, disse Dr. Waldir. O número três seria o número perfeito (Santíssima Trindade, Sagrada Família), daí a escolha de tercetos.
Contextualizando a época do autor, que chegou a ser governador da sua Cidade Estado Florença, na Itália, Dr. Waldir explicou que, depois de perder o poder, e se exilar, o florentino planeja seus livros. Faz um esquema detalhado dos locais visitados, inclusive com desenhos. Embora afirme que a intenção do livro seria afastar os homens do pecado e do fogo do Inferno, o autor e personagem, em suas andanças pelo além, vai encontrando no Inferno seus desafetos políticos, inclusive papas, e no Paraíso os seus amigos e santos. Dante idealiza o Inferno como um buraco, as profundezas do Inferno, cujo centro coincide com o miolo da Terra, e tem Lúcifer, o anjo decaído, como seu senhor.
O que mais intimidaria um pecador seria o receio de não ter nem a morte como libertação, pois quem está no Inferno tem a eternidade para suas penações, sem trégua. Os pecadores são castigados a penas terríveis de dores e sofrimentos permanentes, nas lavas ferventes e nas partes geladas.
Mesmo quem nunca leu a Divina Comédia, sabe como é o inferno. A civilização ocidental tem uma relação próxima com as imagens dantescas. As criações de Dante impregnaram o ocidente e inspiraram pintores e cineastas. Aquilo já está na cabeça de todos como uma verdade, porém questionada pelo palestrante.
Dante, que nas viagens está vivo, recebe uma autorização intermediada por Beatriz, a graça divina que está no Paraíso, e não pode ir ao inferno, para circular nos três níveis. Virgílio, poeta romano, autor de Eneida, viveu antes de Cristo e, por não ser batizado, está no Limbo, e acompanha Dante às visitas. O romano não pode entrar no céu, que se localiza na parte alta. Este tem nove níveis, daí vir a expressão Sétimo Céu. O Purgatório, por sua vez, localiza-se numa montanha. Em cada uma das sete zonas de lá, espia-se os Sete Pecados Capitais. Estes são punidos de forma exemplar, ficando os avarentos e os perdulários frente a frente. As vítimas da gula estão presentes, e sem comida.
Waldir de Pinho mostrou a etimologia de alguns termos, como por exemplo, adivinho, que tem um “i” após o “d” porque vem de divino. Para ele, a perfeição da Divina Comédia, que recebeu como complemento a palavra “Divina” em 1555, é tão grande, que só pode ter sido escrita sob sopro divino. Senão não seria o que é, e não teria influenciado, justificadamente, toda uma civilização, sendo a segunda obra, após a Bíblia, mais lida do mundo em todos os tempos. Segundo o professor, os conhecimentos humanos até então, estão na Divina Comédia. Os personagens históricos nem sempre estão explícitos, e para ser identificados são necessárias as notas de rodapé.
Houve quem discordasse de ter havido grande esforço, mas, o apresentador, de pele clara e olhos azuis, fechados atrás dos óculos em certos momentos, executa bem, e sabe disso, uma tarefa de Hércules. Segue um roteiro, segura e fala ao microfone, enquanto procura os versos marcados num dos três livros que compõem a obra. Ao final da sua missão de apresentar as 800 páginas, Dr. Waldir se mostra radiante e exausto. Analisou com brilho a obra gigantesca, em todos os sentidos, em apenas duas horas e meia. Premido pela escassez de tempo, o advogado venceu e ganhamos nós. Foram gastos cem minutos para nos mostrar o Inferno, cinco para nos apontar pela greta o Purgatório e meia hora para nos introduzir ao Paraíso.
Após a aventura fantástica, as pessoas saíram saciadas de pão intelectual, e assim como Dante, o professor Waldir convenceu a plateia de que pecar pode não valer muito a pena, mas ler Dante Alighieri vale.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-

2 comentários:

  1. Pelo seu encantamento ( texto ), Mara, vale assistir uma palestra do Doutor Waldir, que , com certeza, gastou muita energia para prepará-la e apresentá-la.
    Bom saber.
    Eu não teria fôlego para ler A Divina Comédia. Admiro quem o tenha.
    bjs

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  2. De fato, a leitura da Divina Comédia é para poucos. É preciso tempo e paciência, pois é de paladar difícil para a nossa pressa. Tem de ser sorvida devagar e com um dicionário ao lado, pois tem palavras em desuso. A simples menção de inferno, ainda mais acompanhada por foto P&B pouco atraente, afugenta leitores. Agradecida pela presença e comentário, Celamar. Muito obrigada!

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