O animal agonizante
* Por Fabiana Bórgia
Escrevi sobre o filme Fatal, mas não havia ainda lido o livro O Animal Agonizante, de Philip Roth. O livro é excelente.
Muito direto e realista, sendo que David Kepesh, protagonista, foi realmente um homem egoísta, que sempre viveu de acordo com suas próprias convicções, principalmente em busca do próprio prazer.
Ele é capaz de detalhar com clareza a natureza humana. A finitude da existência. Exemplo: "É importante traçar uma distinção entre o morrer e a morte. O morrer não é um processo ininterrupto. Se a gente tem saúde e se sente bem, é um processo invisível. O final que é uma certeza nem sempre se anuncia de maneira espalhafatosa. Não, você não consegue entender. A única coisa que você entende a respeito dos velhos quando você não é velho é que eles foram marcados pelo tempo. Mas compreender isso só tem o efeito de fixá-los no tempo deles, e assim você não compreende nada. Para aqueles que ainda não são velhos, ser velho significa ter sido. Porém ser velho significa também que, apesar de ter sido, você continua sendo. Esse ter sido ainda está cheio de vida. Você continua sendo, e a consciência de continuar sendo é tão avassaladora quanto a consciência de ter sido. Eis uma maneira de encarar a velhice: é a época da vida em que a consciência de que a sua vida está em jogo é apenas um fato cotidiano. É impossível não saber o fim que o aguarda em breve. O silêncio em que você vai mergulhar para sempre. Fora isso, tudo é tal como antes. Fora isso, você continua sendo imortal enquanto vive".
Também traz com nitidez a característica da paixão: aquilo que não se sabe. O que se contempla. O que transforma a pessoa em algo inatingível, inacessível e até mesmo artístico, como no trecho "eu a havia elevado à categoria de grande obra de arte (...) Não se exigia dela, como não se exige de um concerto para violino nem da lua, que ela tivesse uma concepção de si própria. Era aí que eu entrava: eu era a autoconsciência de Consuela".
Esclarece o que é a pornografia: "É uma forma de arte degradada. Não é apenas faz-de-conta, é uma coisa abertamente insincera. A gente deseja a garota do filme pornô, mas não sente ciúme do sujeito que a está comendo porque ele age como substituto da gente".
Reafirma as diferenças entre um garoto e um homem: "E o último namorado era um colega dela, um boboca que nem sabia comê-la direito, que só se concentrava no seu próprio orgasmo. Aquela velha história de sempre. Um homem que não era apreciador de mulheres".
Analisa friamente as relações estáveis duradouras, como casamentos, chegando mesmo a ridicularizá-las. No entanto, numa visão pessoal feminina, no caso a minha, penso ser mais sincero do que o discurso de muitos homens, que ao invés de tomarem alguns posicionamentos, mascaram suas próprias vidas, sustentando a imagem, só a imagem, do correto: traindo e continuando casado.
Ressalta o poder do sexo: "Porque é só quando você fode que tudo aquilo que você não gosta da vida, tudo aquilo que derrota você na vida, é vingado da maneira mais pura, ainda que efêmera (...). Sexo não é só atrito e diversão superficial. É também a maneira como nos vingamos da morte. Não se esqueça da morte. Não se esqueça da morte jamais. É verdade, também o sexo tem um poder limitado. Eu sei muito bem quais são os limites desse poder. Mas me diga uma coisa: existe poder maior?"
Por meio do personagem principal, David, o autor consegue ainda explicar algumas diferenças entre pai e filho: "Eu sou o pai que ele não consegue derrotar, o pai da presença de quem seus poderes são subjugados. Por quê? Talvez por eu ter sido um pai ausente. Um pai ausente e uma figura apavorante. Ausente e carregado de significados".
Resumindo, eu poderia ter transcrito muitas outras frases, mas o livro simplesmente é fantástico, porque é capaz de movimentar nosso comodismo. Gera reflexão. Com isso, há sempre um movimento. Ler este livro faz com que sejamos capazes de descobrir nossos novos aspectos. Isso é apavorante, pois ser humano não é bom por inteiro, nem mal por inteiro. É um ser cheio de limitações, transgressões e novas dimensões.
Muito prazer.
• Escritora por vocação e advogada por formação. Paulista por natureza e carioca por estado de espírito. Engenheira de sonhos: alguém em eterna construção. Autora do livro “Traços de Personalidade”
* Por Fabiana Bórgia
Escrevi sobre o filme Fatal, mas não havia ainda lido o livro O Animal Agonizante, de Philip Roth. O livro é excelente.
Muito direto e realista, sendo que David Kepesh, protagonista, foi realmente um homem egoísta, que sempre viveu de acordo com suas próprias convicções, principalmente em busca do próprio prazer.
Ele é capaz de detalhar com clareza a natureza humana. A finitude da existência. Exemplo: "É importante traçar uma distinção entre o morrer e a morte. O morrer não é um processo ininterrupto. Se a gente tem saúde e se sente bem, é um processo invisível. O final que é uma certeza nem sempre se anuncia de maneira espalhafatosa. Não, você não consegue entender. A única coisa que você entende a respeito dos velhos quando você não é velho é que eles foram marcados pelo tempo. Mas compreender isso só tem o efeito de fixá-los no tempo deles, e assim você não compreende nada. Para aqueles que ainda não são velhos, ser velho significa ter sido. Porém ser velho significa também que, apesar de ter sido, você continua sendo. Esse ter sido ainda está cheio de vida. Você continua sendo, e a consciência de continuar sendo é tão avassaladora quanto a consciência de ter sido. Eis uma maneira de encarar a velhice: é a época da vida em que a consciência de que a sua vida está em jogo é apenas um fato cotidiano. É impossível não saber o fim que o aguarda em breve. O silêncio em que você vai mergulhar para sempre. Fora isso, tudo é tal como antes. Fora isso, você continua sendo imortal enquanto vive".
Também traz com nitidez a característica da paixão: aquilo que não se sabe. O que se contempla. O que transforma a pessoa em algo inatingível, inacessível e até mesmo artístico, como no trecho "eu a havia elevado à categoria de grande obra de arte (...) Não se exigia dela, como não se exige de um concerto para violino nem da lua, que ela tivesse uma concepção de si própria. Era aí que eu entrava: eu era a autoconsciência de Consuela".
Esclarece o que é a pornografia: "É uma forma de arte degradada. Não é apenas faz-de-conta, é uma coisa abertamente insincera. A gente deseja a garota do filme pornô, mas não sente ciúme do sujeito que a está comendo porque ele age como substituto da gente".
Reafirma as diferenças entre um garoto e um homem: "E o último namorado era um colega dela, um boboca que nem sabia comê-la direito, que só se concentrava no seu próprio orgasmo. Aquela velha história de sempre. Um homem que não era apreciador de mulheres".
Analisa friamente as relações estáveis duradouras, como casamentos, chegando mesmo a ridicularizá-las. No entanto, numa visão pessoal feminina, no caso a minha, penso ser mais sincero do que o discurso de muitos homens, que ao invés de tomarem alguns posicionamentos, mascaram suas próprias vidas, sustentando a imagem, só a imagem, do correto: traindo e continuando casado.
Ressalta o poder do sexo: "Porque é só quando você fode que tudo aquilo que você não gosta da vida, tudo aquilo que derrota você na vida, é vingado da maneira mais pura, ainda que efêmera (...). Sexo não é só atrito e diversão superficial. É também a maneira como nos vingamos da morte. Não se esqueça da morte. Não se esqueça da morte jamais. É verdade, também o sexo tem um poder limitado. Eu sei muito bem quais são os limites desse poder. Mas me diga uma coisa: existe poder maior?"
Por meio do personagem principal, David, o autor consegue ainda explicar algumas diferenças entre pai e filho: "Eu sou o pai que ele não consegue derrotar, o pai da presença de quem seus poderes são subjugados. Por quê? Talvez por eu ter sido um pai ausente. Um pai ausente e uma figura apavorante. Ausente e carregado de significados".
Resumindo, eu poderia ter transcrito muitas outras frases, mas o livro simplesmente é fantástico, porque é capaz de movimentar nosso comodismo. Gera reflexão. Com isso, há sempre um movimento. Ler este livro faz com que sejamos capazes de descobrir nossos novos aspectos. Isso é apavorante, pois ser humano não é bom por inteiro, nem mal por inteiro. É um ser cheio de limitações, transgressões e novas dimensões.
Muito prazer.
• Escritora por vocação e advogada por formação. Paulista por natureza e carioca por estado de espírito. Engenheira de sonhos: alguém em eterna construção. Autora do livro “Traços de Personalidade”
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