Fatos e versões
A biografia é um gênero literário dos mais procurados pelos leitores, ávidos por conhecerem detalhes e circunstâncias das vidas de determinadas personalidades. Claro que os biografados são sempre figuras públicas, muito conhecidas pelo que fizeram e quanto mais polêmicas melhor. Afinal, ninguém, com um pingo de bom senso (ou de juízo), se arrisca a biografar um sujeito obscuro, que ninguém conheça e que não tenha feito nada de excepcional que mereça lembrança em vida e muito menos póstuma.
Há, é verdade, alguns casos (raríssimos) de pessoas rigorosamente estranhas ao público, cujas histórias, todavia, são interessantes, quando não exemplares, que adquirem súbita notoriedade depois de mortas. Vá se saber porque! A vida é repleta dessas surpresas. Estes casos, todavia, são exceções. Talvez se contem nos dedos de apenas uma das mãos. Juro que não me lembro de nenhum para citar como exemplo. Mas... não descarto a possibilidade deles existirem.
Caso algum escritor, e criativo (nesse caso, tem que ser) se arrisque a escrever a respeito de alguém que não tenha feito nada na vida que mereça destaque, lembrança ou simples menção que seja (o que, convenhamos, ocorre com a imensa maioria da população do Planeta), sobre esses indivíduos rigorosamente “comuns”, digamos anônimos (desconhecidos não raro até para parentes mais afastados), dificilmente seu livro irá emplacar (embora nunca se saiba). O mais provável é que a narrativa, se escrita, sequer interesse algum editor e que permaneça, portanto, inédita, para a frustração do autor.
Li dezenas de biografias, algumas excepcionais e marcantes, mas, invariavelmente, ao cabo da leitura, me perguntava e ainda me pergunto: o quanto do narrado é fato e o quanto não passa de mera versão, quando não simples opinião? Não, leitor, não estou duvidando da integridade e, por conseqüência, da honestidade de quem redigiu, longe disso (embora não duvide da possibilidade de distorções, intencionais ou não, por um motivo ou outro, por parte do biógrafo). Pergunto: quanto do conteúdo é rigorosamente factual, ou seja, aconteceu exatamente como descrito? Cinquenta por cento? Improvável! Trinta? Mais? Menos?
Caso você seja editor, sugiro que faça um teste, que reputo bastante esclarecedor. Escale três repórteres diferentes para cobrirem um mesmo acontecimento (caso, evidente, você tenha esse tipo de autonomia). Depois, leia, com mais atenção do que de costume, os respectivos textos. Desconsidere os estilos. Pergunto: há duas narrativas rigorosamente iguais em todos os detalhes? Duvido! E isso para algo que acaba de acontecer. Imagine o que ocorre com fatos que se verificaram há vinte, trinta ou mais anos! E que, para complicar ainda mais, o redator não testemunhou pessoalmente. Como esperar que a descrição seja rigorosamente fiel?! Asseguro: não será.
Fiquei ainda mais “esperto” ainda em relação a biografias depois de ler a entrevista da atriz-escritora norte-americana Joanna Barnes, autora da novela “Silverwood”, concedida em 1985, em que ela diz que boa parte dos atores e atrizes de Hollywood (e é impossível dizer quantos e quais agiram e agem dessa maneira), criam histórias fictícias de suas vidas, sem um pingo que seja de verdade, tão logo atingem a fama. Claro que nessas “invenções” ninguém posa ou quer posar de vilão (mesmo que tenha sido) e nem mostra o seu pior ângulo.
Joanna narrou, na referida entrevista, histórias escabrosas, que jura serem rigorosamente reais, que ou testemunhou, ou ouviu de fontes seguras (será?), e que nenhum biógrafo, por mais maldoso e mal intencionado que fosse, se atreveria a narrar nas biografias que viesse a escrever. Ela conta, por exemplo, o caso de um diretor de determinado estúdio de Los Angeles que surpreendeu a esposa na cama com um dos seus atores, o mais famoso dos que mantinha sob contrato.
Ao contrário do que poderia se esperar neste caso, todavia, o marido traído não recorreu à violência, não ameaçou matar o casal adúltero e nem armou escândalo em torno do adultério. Pelo contrário, abafou o episódio. Manteve o tal ator, porém, sob contrato, como se nada houvesse ocorrido, e por mais sete anos, pagando, rigorosamente, todos seus salários. Nem mesmo se divorciou da esposa infiel.
Todavia, o diretor em questão não perdoou os amantes. Sua vingança foi lenta, prolongada e sutil. Não escalou o referido astro para atuar nunca mais, em nenhum filme do seu estúdio, até que ele fosse totalmente esquecido pelo público que, como se sabe, é volúvel e tem memória curta. Quando isso ocorreu, demitiu-o. Jamais o ator voltou a ser falado nos meios cinematográficos ou na imprensa. Foi como se nem tivesse existido. Encerrou melancolicamente a carreira, esquecido, amargurado e alcoólatra. Algum biógrafo (do diretor, ou da atriz ou do astro destruído) narraria esse episódio, e com a esperada isenção, em sua biografia? Duvido!
Joanna narrou outra hist6ória (sem identificar, lógico, os protagonistas) que soa inacreditável, mas que jura ser verdadeira. É a de um famoso cowboy de filmes de faroeste, que vivia feliz com a esposa e filhos até o dia em que a sogra veio morar com eles. Meses depois, para espanto geral, a mulher descobriu, perplexa, que a mãe havia se tornado amante do marido. Pediu divórcio, claro. E o que vocês acham que aconteceu com o cowboy infiel? Ele simplesmente casou-se com a ex-sogra, sem se importar com a fúria da esposa rejeitada.
Sobre a possibilidade de narrar esse tipo de história, de forma ficcional, em um romance ou novela, Joanna disse que não se arriscaria a fazer isso, pois esse tipo de enredo soaria inverossímil. “Os casos são muitos e acontecem todos os dias. Mas se alguém quiser usá-los em ficção, tem que suavizá-los com muita habilidade, para que o leitor acredite que não são frutos de exageros ou de delírios”.
Algum biógrafo se atreveria a narrar um episódio como esse em uma biografia? Não mesmo!!! Por tudo o que expus, fico sempre na dúvida sobre qual gênero tem maior carga de fantasia, se contos, se novelas ou se romances, que narram histórias declaradamente de ficção, ou se biografias, supostamente relatos de fatos acontecidos. Acontecidos?
Boa leitura.
O Editor.
A biografia é um gênero literário dos mais procurados pelos leitores, ávidos por conhecerem detalhes e circunstâncias das vidas de determinadas personalidades. Claro que os biografados são sempre figuras públicas, muito conhecidas pelo que fizeram e quanto mais polêmicas melhor. Afinal, ninguém, com um pingo de bom senso (ou de juízo), se arrisca a biografar um sujeito obscuro, que ninguém conheça e que não tenha feito nada de excepcional que mereça lembrança em vida e muito menos póstuma.
Há, é verdade, alguns casos (raríssimos) de pessoas rigorosamente estranhas ao público, cujas histórias, todavia, são interessantes, quando não exemplares, que adquirem súbita notoriedade depois de mortas. Vá se saber porque! A vida é repleta dessas surpresas. Estes casos, todavia, são exceções. Talvez se contem nos dedos de apenas uma das mãos. Juro que não me lembro de nenhum para citar como exemplo. Mas... não descarto a possibilidade deles existirem.
Caso algum escritor, e criativo (nesse caso, tem que ser) se arrisque a escrever a respeito de alguém que não tenha feito nada na vida que mereça destaque, lembrança ou simples menção que seja (o que, convenhamos, ocorre com a imensa maioria da população do Planeta), sobre esses indivíduos rigorosamente “comuns”, digamos anônimos (desconhecidos não raro até para parentes mais afastados), dificilmente seu livro irá emplacar (embora nunca se saiba). O mais provável é que a narrativa, se escrita, sequer interesse algum editor e que permaneça, portanto, inédita, para a frustração do autor.
Li dezenas de biografias, algumas excepcionais e marcantes, mas, invariavelmente, ao cabo da leitura, me perguntava e ainda me pergunto: o quanto do narrado é fato e o quanto não passa de mera versão, quando não simples opinião? Não, leitor, não estou duvidando da integridade e, por conseqüência, da honestidade de quem redigiu, longe disso (embora não duvide da possibilidade de distorções, intencionais ou não, por um motivo ou outro, por parte do biógrafo). Pergunto: quanto do conteúdo é rigorosamente factual, ou seja, aconteceu exatamente como descrito? Cinquenta por cento? Improvável! Trinta? Mais? Menos?
Caso você seja editor, sugiro que faça um teste, que reputo bastante esclarecedor. Escale três repórteres diferentes para cobrirem um mesmo acontecimento (caso, evidente, você tenha esse tipo de autonomia). Depois, leia, com mais atenção do que de costume, os respectivos textos. Desconsidere os estilos. Pergunto: há duas narrativas rigorosamente iguais em todos os detalhes? Duvido! E isso para algo que acaba de acontecer. Imagine o que ocorre com fatos que se verificaram há vinte, trinta ou mais anos! E que, para complicar ainda mais, o redator não testemunhou pessoalmente. Como esperar que a descrição seja rigorosamente fiel?! Asseguro: não será.
Fiquei ainda mais “esperto” ainda em relação a biografias depois de ler a entrevista da atriz-escritora norte-americana Joanna Barnes, autora da novela “Silverwood”, concedida em 1985, em que ela diz que boa parte dos atores e atrizes de Hollywood (e é impossível dizer quantos e quais agiram e agem dessa maneira), criam histórias fictícias de suas vidas, sem um pingo que seja de verdade, tão logo atingem a fama. Claro que nessas “invenções” ninguém posa ou quer posar de vilão (mesmo que tenha sido) e nem mostra o seu pior ângulo.
Joanna narrou, na referida entrevista, histórias escabrosas, que jura serem rigorosamente reais, que ou testemunhou, ou ouviu de fontes seguras (será?), e que nenhum biógrafo, por mais maldoso e mal intencionado que fosse, se atreveria a narrar nas biografias que viesse a escrever. Ela conta, por exemplo, o caso de um diretor de determinado estúdio de Los Angeles que surpreendeu a esposa na cama com um dos seus atores, o mais famoso dos que mantinha sob contrato.
Ao contrário do que poderia se esperar neste caso, todavia, o marido traído não recorreu à violência, não ameaçou matar o casal adúltero e nem armou escândalo em torno do adultério. Pelo contrário, abafou o episódio. Manteve o tal ator, porém, sob contrato, como se nada houvesse ocorrido, e por mais sete anos, pagando, rigorosamente, todos seus salários. Nem mesmo se divorciou da esposa infiel.
Todavia, o diretor em questão não perdoou os amantes. Sua vingança foi lenta, prolongada e sutil. Não escalou o referido astro para atuar nunca mais, em nenhum filme do seu estúdio, até que ele fosse totalmente esquecido pelo público que, como se sabe, é volúvel e tem memória curta. Quando isso ocorreu, demitiu-o. Jamais o ator voltou a ser falado nos meios cinematográficos ou na imprensa. Foi como se nem tivesse existido. Encerrou melancolicamente a carreira, esquecido, amargurado e alcoólatra. Algum biógrafo (do diretor, ou da atriz ou do astro destruído) narraria esse episódio, e com a esperada isenção, em sua biografia? Duvido!
Joanna narrou outra hist6ória (sem identificar, lógico, os protagonistas) que soa inacreditável, mas que jura ser verdadeira. É a de um famoso cowboy de filmes de faroeste, que vivia feliz com a esposa e filhos até o dia em que a sogra veio morar com eles. Meses depois, para espanto geral, a mulher descobriu, perplexa, que a mãe havia se tornado amante do marido. Pediu divórcio, claro. E o que vocês acham que aconteceu com o cowboy infiel? Ele simplesmente casou-se com a ex-sogra, sem se importar com a fúria da esposa rejeitada.
Sobre a possibilidade de narrar esse tipo de história, de forma ficcional, em um romance ou novela, Joanna disse que não se arriscaria a fazer isso, pois esse tipo de enredo soaria inverossímil. “Os casos são muitos e acontecem todos os dias. Mas se alguém quiser usá-los em ficção, tem que suavizá-los com muita habilidade, para que o leitor acredite que não são frutos de exageros ou de delírios”.
Algum biógrafo se atreveria a narrar um episódio como esse em uma biografia? Não mesmo!!! Por tudo o que expus, fico sempre na dúvida sobre qual gênero tem maior carga de fantasia, se contos, se novelas ou se romances, que narram histórias declaradamente de ficção, ou se biografias, supostamente relatos de fatos acontecidos. Acontecidos?
Boa leitura.
O Editor.
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Fatos reais assustam mais do que ficção. Conheci uma mulher cuja mãe tornou-se amante do marido dela. A família rejeitou a mãe, que virou moradora de rua. Depois, doente e feridenta, foi levada para casa pela filha traída, que nunca largou do marido. Nem dá para imaginar essas três pessoas morando debaixo do mesmo teto. Mas foi verdade. A mãe morreu e o casal permaneceu junto.
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