domingo, 4 de dezembro de 2011







Cuidado com a mente que o pensamento é de barro...?!

* Por Lêda Selma

Em um daqueles domingos desfrutados no clube, certo amigo, homem de idade grisalha, porte e cabelos acanhados, olhar tateante e fama de mulherengo, chegou afobado, devido ao adiantado da hora, pois a tarde já se alaranjava em arribada. Mal acomodou-se à nossa roda, foi logo engatando uma esdrúxula prosa:
– Pensei não encontrar mais os amigos aqui. Todavia, meu atraso tem nome: ressaca! Também, depois dos excessos de ontem à noite... É, tirei a vontade da miséria, e que vontade gulosa... É, já não era sem tempo...
– De que vontade está falando, homem?!
– Bem, tudo começou já no amolecer da tarde, quando parti para uma emocionante aventura, dantes jamais experimentada. Ah! sim, um detalhe importante: passei toda a semana empanturrado de desejo, doidinho, doidinho, por uma frangota jeitosa que, há alguns dias, gingava toda faceira e cantarolante pela vizinhança! Então, decidi ir ao seu encalço; precisava domar aquela morena gostosa, de coxas firmes e roliças, peitinhos apetitosos, ancas fartas e insinuantes... Hum, toda aquela suculência em pleno fulgor da juventude...! Quem sabe, ainda virgem, aquela criatura encantadora, imaginei. E isso instigou-me ainda mais o olho gordo e a vontade gulosa...
Tamanha sem-vergonhice atiçava os homens, cúmplices e invejosos da saga do falastrão, a obscenos “Oh!”, “Hum!“, “Ai!”, completamente extasiados com o que ouviam. Indignei-me:
– Que sujeito mais sem tipo, você, hem?! Credo! Nem a idade lhe sugere o senso do ridículo!? Imagine só se alguma menina lhe daria trela!? Melhor conter-se e tomar tenência, isso sim!
E os homens, com a curiosidade aguçada, animavam o conquistador-mor do cerrado a encorpar ainda mais a voz e cantar de galo, a valer:
– A belezura bem que insistiu em escapar – só para fazer gênero, claro! –, mas, com astúcia, persistência e fôlego, venci a fujona. E já nos meus braços, embora ainda vacilante, talvez por temer o previsível desfecho, propus-lhe uma fuga glamurosa. E, como quem cala consente, já que espernear não me soava como legítima resposta, raptei a donzela numa carreira só. À moda princesa, carreguei-a com pompa e cuidado. Pronto, estávamos em casa. Ilesos.
– Em casa, ilesos... Baita aventura! – alguém da turma entusiasmou-se.
– Continue, vamos! – outro insistiu.
– Bom, após aquelas preliminares indispensáveis, deitei a dengosa no jeito e dei-lhe o trato esperado. Ela gemeu, estremeceu e, rendida, aquietou-se. Em seguida, o banho, o mergulho naquela água escaldante, hum...! E eu a desnuá-la, a tocar-lhe a carne de quentura e maciez tamanhas. E meu desejo, ali, indomável, à flor dos olhos, das mãos, da boca... E entre uma mexida e uma virada, o vinho a festejar minha inusitada conquista. Enfim, ritual consumado... E meu prazer, aos pulos, celebrando aquele desbragado gozo... Um gozo celestial, benza Deus!
Não aguentei e, de novo, interrompi-o incisiva:
– Que falta de compostura detalhar uma noite tão íntima e lasciva! Coisas pessoais, além do mais, dessa natureza, devem restringir-se aos interessados. Olhe, um homem de tal idade precisa dar-se ao respeito em vez de se enaltecer por seduzir mocinhas incautas e indefesas, mesmo que tudo não passe de fantasia, de imaginação, pois, como lhe disse, descreio de seus feitos libidinosos. Afinal, quem revigora velho é geriatra, ouviu, velho devasso?! Francamente...
Uma outra amiga, mulher de um daqueles tais cúmplices, invejosos e extasiados, também repudiou, possessa, aquela apologia injuriosa a um descalabro sexual de desmedido porte. E foi então que o libertino, com todo o desdém arregalado no riso baço e atrevidamente graúdo, debochou de vez:
– Calma, calma, senhoras, que braveza é essa?! Confesso: errei! E até me penitencio. Fui inconsequente e irresponsável. Sem dúvida, molecar desse jeito não combina com minha idade, todavia, a vontade é fraca, fraquejei, cometi uma leviandade, porém, valeu a pena, e, agora, de nada adianta chorar sobre o malfeito perpetrado. Mas, cá pra nós, que aquela franguinha roubada deu um baita molho pardo, ah! isso deu!

• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.

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