Gringo vendo futebol
* Por Mário Prata
Um americano (não era o Shirts), na semana passada estava assistindo a um jogo de futebol comigo, pela televisão. Entendia a língua portuguesa, não entendia muito de futebol. E me fazia perguntas que me faziam pensar. A mais intrigante, foi esta:
- Por que aquele homem olha na chuteira do reserva, quando ele vai substituir o outro?
Já notou, quando o reserva vai entrar, tem que mostrar a sola da chuteira para o quarto juiz? O juiz olha como se estivesse vendo o casco de um cavalo. Expliquei para ele que há muitos e muitos anos atrás que nos sapatos e nas chuteiras usavam-se pregos para grudar a sola. Isto há mais de quarenta anos. Portanto, um jogador (por maldade ou descuido) poderia entrar em campo com um prego meio solto e machucar o adversário.
- Mas, se há tanto tempo não tem mais prego, por que olham?
Eu estava entretido com o meu timee disse não sei. Mas percebi que ele estava intrigado com o negócio. E insistiu:
- Os outros onze, quando entram, no começo do jogo, eles também olham a chuteira para ver se têm pregos?
- Não.
- Então por que esta implicância com os reservas? Olha lá, outro reserva entrando e mostrando a sola da chuteira. Por quê? Why?
O americano tinha lá suas razões. Se os titulares não mostram, porque o reserva tem que ficar ali naquela incômoda posição eqüina? E mais: se não tem mais prego, por que mostrar? Será que ninguém ligado ao futebol ainda não pensou nisto? O americano estava certo.
Mais um pouco e ele continuou com suas observações:
- Por que o locutor diz que o jogador caiu?
- Porque caiu, uai.
- Sim, eu vi que ele caiu. É televisão. Ele não precisa me dizer. Olha lá, dizendo que o goleiro pegou a bola. Eu vi! Será que ele não pode me deixar assistir em paz? É televisão ou rádio?
Penso:
- É que antes era rádio e eles acostumaram a narrar tudo.
- Mas então alguém precisa dizer para eles que a gente não é cego. Olha lá: dizendo que foi falta. Eu vi!!!
O americano estava certo, os nossos locutores de televisão acham que estão transmitindo pelo rádio.
- Se o juiz já disse que vai ter mais três minutos de jogo, se o sujeito já levantou a placa mostrando, se lá em cima da televisão está dizendo que vamos ter três minutos de acréscimo, por que o locutor tem que avisar a gente que vamos ter mais três minutos de jogo? E precisa dizer que o jogo vai até os 48? Não é meio óbvio?
O americano estava certo.
- Outra coisa – insistiu ele – você já notou que aquele jatinho de tinta branca que ele marca o campo na hora das faltas, no final do jogo não sai mais quase nada lá de dentro? É porque foram muitas faltas, ou é o tubinho dele que não cabe mais spray? Olha lá, nem dá mais para ver a marquinha. Assim a barreira vai avançar.
O americano, mais uma vez, estava certo.
Quando acabou o jogo, ele (que já havia assistido a outros jogos comigo) disse:
- Quer apostar como o repórter de campo vai perguntar o que foi que faltou ao time?
O repórter perguntou.
Mais tarde, no boteco, ele me perguntou:
- E por que todos os jogadores negros raspam a cabeça? É da regra?
Crônica publicada no jornal O Estado de São Paulo em 2 de junho de 2004
• Jornalista e escritor
* Por Mário Prata
Um americano (não era o Shirts), na semana passada estava assistindo a um jogo de futebol comigo, pela televisão. Entendia a língua portuguesa, não entendia muito de futebol. E me fazia perguntas que me faziam pensar. A mais intrigante, foi esta:
- Por que aquele homem olha na chuteira do reserva, quando ele vai substituir o outro?
Já notou, quando o reserva vai entrar, tem que mostrar a sola da chuteira para o quarto juiz? O juiz olha como se estivesse vendo o casco de um cavalo. Expliquei para ele que há muitos e muitos anos atrás que nos sapatos e nas chuteiras usavam-se pregos para grudar a sola. Isto há mais de quarenta anos. Portanto, um jogador (por maldade ou descuido) poderia entrar em campo com um prego meio solto e machucar o adversário.
- Mas, se há tanto tempo não tem mais prego, por que olham?
Eu estava entretido com o meu timee disse não sei. Mas percebi que ele estava intrigado com o negócio. E insistiu:
- Os outros onze, quando entram, no começo do jogo, eles também olham a chuteira para ver se têm pregos?
- Não.
- Então por que esta implicância com os reservas? Olha lá, outro reserva entrando e mostrando a sola da chuteira. Por quê? Why?
O americano tinha lá suas razões. Se os titulares não mostram, porque o reserva tem que ficar ali naquela incômoda posição eqüina? E mais: se não tem mais prego, por que mostrar? Será que ninguém ligado ao futebol ainda não pensou nisto? O americano estava certo.
Mais um pouco e ele continuou com suas observações:
- Por que o locutor diz que o jogador caiu?
- Porque caiu, uai.
- Sim, eu vi que ele caiu. É televisão. Ele não precisa me dizer. Olha lá, dizendo que o goleiro pegou a bola. Eu vi! Será que ele não pode me deixar assistir em paz? É televisão ou rádio?
Penso:
- É que antes era rádio e eles acostumaram a narrar tudo.
- Mas então alguém precisa dizer para eles que a gente não é cego. Olha lá: dizendo que foi falta. Eu vi!!!
O americano estava certo, os nossos locutores de televisão acham que estão transmitindo pelo rádio.
- Se o juiz já disse que vai ter mais três minutos de jogo, se o sujeito já levantou a placa mostrando, se lá em cima da televisão está dizendo que vamos ter três minutos de acréscimo, por que o locutor tem que avisar a gente que vamos ter mais três minutos de jogo? E precisa dizer que o jogo vai até os 48? Não é meio óbvio?
O americano estava certo.
- Outra coisa – insistiu ele – você já notou que aquele jatinho de tinta branca que ele marca o campo na hora das faltas, no final do jogo não sai mais quase nada lá de dentro? É porque foram muitas faltas, ou é o tubinho dele que não cabe mais spray? Olha lá, nem dá mais para ver a marquinha. Assim a barreira vai avançar.
O americano, mais uma vez, estava certo.
Quando acabou o jogo, ele (que já havia assistido a outros jogos comigo) disse:
- Quer apostar como o repórter de campo vai perguntar o que foi que faltou ao time?
O repórter perguntou.
Mais tarde, no boteco, ele me perguntou:
- E por que todos os jogadores negros raspam a cabeça? É da regra?
Crônica publicada no jornal O Estado de São Paulo em 2 de junho de 2004
• Jornalista e escritor
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