Perucas, peruas e botoques
* Por Mário Prata
Tem coisas que não dão certo. Já falei aqui sobre perucas. Ainda existem homens que insistem. E todos dizem a mesma coisa: o careca vira ponto de referência para localizar alguém em algum lugar. Numa fila, por exemplo. “Tá vendo aquele careca? O segundo, depois dele”. Aí o sujeito coloca uma peruca e a pessoa fala: “Tá vendo o cara de peruca? Dois depois dele”.
E agora as pessoas resolveram usar botoques (botox, em inglês). Eu digo pessoas e não apenas as mulheres porque tem muito marmanjo por aí esticando a pele, disfarçando as rugas, querendo ficar rapazinho de novo. E estão todos e todas, passando pelo mesmo constrangimento: “Tá vendo aquela de botoques? Duas depois dela”.
Além de trazer vários problema paralelos. Se uma pessoa coloca botoques na testa você nunca mais vai saber se ela está preocupada ou não. Aquilo fica uma superfície de marfim esmaltado que brilha, reluz. Preocupante. Tem umas que fazem ao lado dos lábios. Jamais saberemos se ela está sorrindo um chupando uma uva.
Mas o pior é que o efeito dura apenas seis meses. Isso significa que aquelas rugas que a mulher cultivou em sessenta anos de vida, dia a dia, agora surgem no espelho a cada seis meses, de cara. Quem é que ganha com isso, fora os aplicadores de botoques? Se envelhecer em 60 anos já não foi (fisicamente) tão agradável, imagine em seis meses, minha senhora.
Como sempre, invenção daquelas loiras americanas. O botoques que é bom para as americanas é bom para as brasileiras, já dizia alguém nos anos 60.
Só que aqui no Brasil botox é botoques e, se esticarmos os olhos até o dicionário, vamos deixar a nossa testa enrugada de preocupação.
Tá lá. Botoques: rolhas que vedam orifício no bojo de pipas, barris e tonéis; bujão, esquiça. E o que é esquiça? Rolha...
Quer mais? Botoques: pequenos orifícios circulares feitos na orelha da rês para marcá-la.
Mas botoques ainda podem ser muito mais coisas. Pode ser, por exemplo, o esporão do galo e até mesmo um indivíduo gordo e baixinho.
E sabe aquelas “peças arredondadas de madeira, pedra ou concha, usada como enfeite pelos botocudos e outros indígenas sul-americanos, que as introduzem em furos feitos no lábio inferior ou nos lóbulos das orelhas”? Também se chamam botoques...
E você, minha senhora, que está me lendo agora tentando franzir a testa e não está conseguindo, não fique chateada comigo. Por que, do alto dos meus quase sessenta, e também meio enrugadinho, posso lhe garantir que ruga não é um bicho de sete cabeças. Nem de sete testas. Faz parte. Denotam no seu rosto – no mínimo – uma certa sabedoria, uma certa vida vivida, um conhecimento do mundo, um prazer de estar vivo.
Não vamos esconder nossas preocupações e muito menos nossos sorrisos. Vamos enfrentar a velhice que se aproxima de cara limpa. Sem metamorfoses.
Crônica publicada no jornal O Estado de São Paulo em 30 de junho de 2004
• Jornalista e escritor
* Por Mário Prata
Tem coisas que não dão certo. Já falei aqui sobre perucas. Ainda existem homens que insistem. E todos dizem a mesma coisa: o careca vira ponto de referência para localizar alguém em algum lugar. Numa fila, por exemplo. “Tá vendo aquele careca? O segundo, depois dele”. Aí o sujeito coloca uma peruca e a pessoa fala: “Tá vendo o cara de peruca? Dois depois dele”.
E agora as pessoas resolveram usar botoques (botox, em inglês). Eu digo pessoas e não apenas as mulheres porque tem muito marmanjo por aí esticando a pele, disfarçando as rugas, querendo ficar rapazinho de novo. E estão todos e todas, passando pelo mesmo constrangimento: “Tá vendo aquela de botoques? Duas depois dela”.
Além de trazer vários problema paralelos. Se uma pessoa coloca botoques na testa você nunca mais vai saber se ela está preocupada ou não. Aquilo fica uma superfície de marfim esmaltado que brilha, reluz. Preocupante. Tem umas que fazem ao lado dos lábios. Jamais saberemos se ela está sorrindo um chupando uma uva.
Mas o pior é que o efeito dura apenas seis meses. Isso significa que aquelas rugas que a mulher cultivou em sessenta anos de vida, dia a dia, agora surgem no espelho a cada seis meses, de cara. Quem é que ganha com isso, fora os aplicadores de botoques? Se envelhecer em 60 anos já não foi (fisicamente) tão agradável, imagine em seis meses, minha senhora.
Como sempre, invenção daquelas loiras americanas. O botoques que é bom para as americanas é bom para as brasileiras, já dizia alguém nos anos 60.
Só que aqui no Brasil botox é botoques e, se esticarmos os olhos até o dicionário, vamos deixar a nossa testa enrugada de preocupação.
Tá lá. Botoques: rolhas que vedam orifício no bojo de pipas, barris e tonéis; bujão, esquiça. E o que é esquiça? Rolha...
Quer mais? Botoques: pequenos orifícios circulares feitos na orelha da rês para marcá-la.
Mas botoques ainda podem ser muito mais coisas. Pode ser, por exemplo, o esporão do galo e até mesmo um indivíduo gordo e baixinho.
E sabe aquelas “peças arredondadas de madeira, pedra ou concha, usada como enfeite pelos botocudos e outros indígenas sul-americanos, que as introduzem em furos feitos no lábio inferior ou nos lóbulos das orelhas”? Também se chamam botoques...
E você, minha senhora, que está me lendo agora tentando franzir a testa e não está conseguindo, não fique chateada comigo. Por que, do alto dos meus quase sessenta, e também meio enrugadinho, posso lhe garantir que ruga não é um bicho de sete cabeças. Nem de sete testas. Faz parte. Denotam no seu rosto – no mínimo – uma certa sabedoria, uma certa vida vivida, um conhecimento do mundo, um prazer de estar vivo.
Não vamos esconder nossas preocupações e muito menos nossos sorrisos. Vamos enfrentar a velhice que se aproxima de cara limpa. Sem metamorfoses.
Crônica publicada no jornal O Estado de São Paulo em 30 de junho de 2004
• Jornalista e escritor
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