Ave, Goiandira do Couto!
* Por Lêda Selma
* Por Lêda Selma
Em todas as minhas idas à Cidade de Goiás, nunca desperdicei a oportunidade de visitar Goiandira do Couto, para abraçá-la, ouvir seu riso hospitaleiro, suas palavras irrequietas. Uma das últimas vezes em que a vi, encontrei-a adoentada, porém, altiva; com o corpo enfraquecido, mas com o espírito forte; cansada, sem, contudo, perder a alegria. Uma Goiandira guerreira, com os sonhos acesos.
Figura carismática, falante, mulher simples, anfitriã notória pela recepção sempre carinhosa, a pequenina e lépida artista, expressão notável de nossas artes plásticas, perdia-se no tempo, recuperava as lembranças e liberava a imaginação, deixando-a zanzar pelas serras para recolher tons e histórias com que presenteava seus visitantes. E surgiam revelações fantásticas sobre suas peripécias artísticas, testemunho de seu amor ao ofício de descobrir, manipular e dar harmonia às cores brotadas da alma da areia. Goiandira, um dos mais valorosos símbolos da cultura não só goiana, pois Goiás, por seu intermédio, incontáveis vezes, ultrapassou longínquas fronteiras, não foi reverenciada, como merecia, em vida.
Em 2001, após visitá-la, publiquei, em meu espaço no DM Revista, a crônica Ave, Goiandira! Nela, eu dizia: “(...) Justiça seja feita: Goiandira é merecedora das mesmas reverências concedidas a Cora Coralina. Em vida, claro! Nada de “um dia”, ou “antes tarde do que nunca”. Melhor: antes hoje que amanhã... Portanto, deflagro, aqui, uma campanha: homenagear a caçadora das nuanças escondidas nas entranhas das pedras e da terra, a areeira-mor do cerrado, que dá luz, formas e vida a uma criação abençoada, que se mescla de tons e emoções, e se eterniza nas telas espalhadas mundo afora”. Meu apelo não ecoou. Excesso de ouvidos moucos? Agora, por certo, a memória da artista receberá as homenagens (???!!!).
A casa-ateliê de Goiandira do Couto, verdadeiro templo das areias travestidas em quinhentas e inúmeras cores, sempre foi um mosaico composto de inspiração, paixão, talento, sensibilidade, alegria. Lá, tudo transpira encantamento e arte, arte em sua forma mais original. E, tão doce quanto seus licores e “pastelinhos” (triste sina diabética: sequer, pude prová-los! Melhor confessar: ela, no escondidinho, dava-me um), era Goiandira, que recepcionava todos com o sorriso, os braços e o coração, carinhosamente, escancarados e em festa. E, mesmo que faltasse a seus visitantes e admiradores o dom para seu ofício, ela não se deixava intimidar: mostrava-lhes, enlevada e com a paciência à prova, sua técnica e tentava ensinar-lhes o jeito mágico de manusear a areia, com as pontas dos dedos. Todavia, quem nasceu para admirador, jamais chegará a artista, todos sabiam. Ela também.
A lisonja é o adoçante do ego. Assim, o meu, em uma das visitas a Goiandira, ficou todo adulçorado, além de engordecido: meigamente, disse-me, com o maior interesse e entusiasmo: “E os muros poéticos? Muito bonitos todos eles, enfeitam a cidade!”. E, apontando o DM, declarou-se minha leitora assídua: “É a primeira coisa que faço domingo”. Leda honraria, ledo privilégio! E, de ledice em ledice, curiosa, quis saber da especial anfitriã há quantos anos morava naquela casa. “Oitenta. Eu tinha seis quando vim para cá”, respondeu-me. Então, pensei: nossa, que fartura de anos! Haja anos para tudo, para mais um pouco e, ainda, com certa sobra, para alguma emergência.
Isso me faz abrir parêntesis para relembrar mais uma das tiradas do velho Antônio Soares, protagonista de alguns de meus contos: “Parei de fumar há setenta anos; a maleita me largou há sessenta e, já faz noventa, não tomo leite de cabra. Da pinga, me apartei pra mais de muito tempo: desde hoje, de manhãzinha!”. Eita, sogrão!
Saudade, sinto, daquela última manhã, tão calorosa quanto o calor de Goiandira, em que, com brilho de areia nos olhos e no riso, ela me deu o braço para caminharmos sobre o silêncio do rio, deitado sob a ponte e vigiado pela Casa Velha de Cora. Saudade do sonho goiandirano, verdebrancoazulcarmim..., em voo, feito ave, esculpido na tela.
O céu já ornou suas estrelas com areia de quinhentas e muitas cores. Em uma delas, cintila Goiandira do Couto!
Figura carismática, falante, mulher simples, anfitriã notória pela recepção sempre carinhosa, a pequenina e lépida artista, expressão notável de nossas artes plásticas, perdia-se no tempo, recuperava as lembranças e liberava a imaginação, deixando-a zanzar pelas serras para recolher tons e histórias com que presenteava seus visitantes. E surgiam revelações fantásticas sobre suas peripécias artísticas, testemunho de seu amor ao ofício de descobrir, manipular e dar harmonia às cores brotadas da alma da areia. Goiandira, um dos mais valorosos símbolos da cultura não só goiana, pois Goiás, por seu intermédio, incontáveis vezes, ultrapassou longínquas fronteiras, não foi reverenciada, como merecia, em vida.
Em 2001, após visitá-la, publiquei, em meu espaço no DM Revista, a crônica Ave, Goiandira! Nela, eu dizia: “(...) Justiça seja feita: Goiandira é merecedora das mesmas reverências concedidas a Cora Coralina. Em vida, claro! Nada de “um dia”, ou “antes tarde do que nunca”. Melhor: antes hoje que amanhã... Portanto, deflagro, aqui, uma campanha: homenagear a caçadora das nuanças escondidas nas entranhas das pedras e da terra, a areeira-mor do cerrado, que dá luz, formas e vida a uma criação abençoada, que se mescla de tons e emoções, e se eterniza nas telas espalhadas mundo afora”. Meu apelo não ecoou. Excesso de ouvidos moucos? Agora, por certo, a memória da artista receberá as homenagens (???!!!).
A casa-ateliê de Goiandira do Couto, verdadeiro templo das areias travestidas em quinhentas e inúmeras cores, sempre foi um mosaico composto de inspiração, paixão, talento, sensibilidade, alegria. Lá, tudo transpira encantamento e arte, arte em sua forma mais original. E, tão doce quanto seus licores e “pastelinhos” (triste sina diabética: sequer, pude prová-los! Melhor confessar: ela, no escondidinho, dava-me um), era Goiandira, que recepcionava todos com o sorriso, os braços e o coração, carinhosamente, escancarados e em festa. E, mesmo que faltasse a seus visitantes e admiradores o dom para seu ofício, ela não se deixava intimidar: mostrava-lhes, enlevada e com a paciência à prova, sua técnica e tentava ensinar-lhes o jeito mágico de manusear a areia, com as pontas dos dedos. Todavia, quem nasceu para admirador, jamais chegará a artista, todos sabiam. Ela também.
A lisonja é o adoçante do ego. Assim, o meu, em uma das visitas a Goiandira, ficou todo adulçorado, além de engordecido: meigamente, disse-me, com o maior interesse e entusiasmo: “E os muros poéticos? Muito bonitos todos eles, enfeitam a cidade!”. E, apontando o DM, declarou-se minha leitora assídua: “É a primeira coisa que faço domingo”. Leda honraria, ledo privilégio! E, de ledice em ledice, curiosa, quis saber da especial anfitriã há quantos anos morava naquela casa. “Oitenta. Eu tinha seis quando vim para cá”, respondeu-me. Então, pensei: nossa, que fartura de anos! Haja anos para tudo, para mais um pouco e, ainda, com certa sobra, para alguma emergência.
Isso me faz abrir parêntesis para relembrar mais uma das tiradas do velho Antônio Soares, protagonista de alguns de meus contos: “Parei de fumar há setenta anos; a maleita me largou há sessenta e, já faz noventa, não tomo leite de cabra. Da pinga, me apartei pra mais de muito tempo: desde hoje, de manhãzinha!”. Eita, sogrão!
Saudade, sinto, daquela última manhã, tão calorosa quanto o calor de Goiandira, em que, com brilho de areia nos olhos e no riso, ela me deu o braço para caminharmos sobre o silêncio do rio, deitado sob a ponte e vigiado pela Casa Velha de Cora. Saudade do sonho goiandirano, verdebrancoazulcarmim..., em voo, feito ave, esculpido na tela.
O céu já ornou suas estrelas com areia de quinhentas e muitas cores. Em uma delas, cintila Goiandira do Couto!
• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.
Homenagem de primeira.
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