Ah! Isso já é demais
* Por Lêda Selma
Ainda sob os efeitos vibrantes daquela natureza encantada, ungida pelas águas do Rio Paraguai e pelo verde de vários tons a vestir a paisagem pantaneira, lembrei-me dos peixes que não pesquei, e, por tabela, de uma história estapafúrdia, versão avantajada de papo graúdo de pescador. Espere aí, pescador?! Pronto: impliquei com o nome! Assim como impliquei, lá no início de meu conluio internético, com o tal computador (até o troquei por computamor). E tenho razão: existe alegria maior do que a emoção tremulando sobre a vara, enquanto o peixe, atraído pela isca que lhe incita a fome, vai de encontro ao seu destino? Então, qual a dor a ser pescada? Só se for a dele, do fisgado, o peixe. Aí, sim, concordo! Concordo e também entendo por que, em Alagoas, falam seribeiro, no Rio e em São Paulo, piraquara. Naturalmente, para substituir pescador. Claro! Para que fundir alegria com dor? Bem, com dor ou sem dor, à pesca. Antes, ao provérbio: de poeta, médico e louco, todo mundo tem um pouco. E de mentiroso? Hum... muito pesado o termo. Melhor, fantasia. Menos acintosa e mais poética.
Poeta, médico e ment... fantasioso, ele, entre um paciente e um poema, gosta de terapeutizar-se no rio, sempre com os sonhos em ebulição e a tralha a tiracolo. Surgiu ocasião, estrada pra que te quero?!
De certa feita, levou seu filho, garoto esperto, pescador potencial. O rio? O Miranda. Lá no Pantanal Sul onde a beleza também se espalha magnífica, e toma a forma de pássaros, de cores, de sons, de bichos e de poesia.
Vara em riste, isca sedutora e negaceante, emoção à flor dos olhos e o peixe, alheio à sua sina, a rebolar, enfeitiçado e faminto, em direção ao banquete. De repente, o garoto, no alvoroço de seus dez anos, e todo afoito, esgoelou: pesquei, pesquei! E é peixe grande demais!
Para o pai, grande era pouco. Grandenorme aproximava-se mais da estatura do portentoso piau. – Como assim, piau?! – indignava-se. E, com toda a propriedade paterna, insistia em restabelecer a verdade (sua verdade, bem entendido!): – Um senhor piau, com seus sessenta e oito centímetros de lindeza! De tão grande, chegou a ser confundido com um dourado – vangloriava-se, em nome do filho, sem, sequer, vermelhejar a cara (de pau, sem dúvida). Segundo ele, um piau de muito respeito. Para honra e glória do pai, do filho e do espírito manco.
Goiânia toda soube daquele grande feito mirim. E não faltaram as incautas visitas: dos vizinhos, amigos, curiosos...
Não tardou, o orgulhoso pai organizou um encontro à altura do peixe que, mesmo congelado, não perdeu a pose e a importância. Queria exibir a façanha do filho. Uma peixada calharia bem. Não de piau, claro! O tal continuava inteiriçado no frízer, durinho que nem só, à espera da exibição.
Pois é, o momento ansiado aportou na cozinha, sob os olhares céticos dos bisbilhoteiros. Fita métrica à mão, peixe exposto à medição. E, entre um espicha aqui, estica ali, resultado: – Setenta e três centímetros bem medidos e conferidos – alardeou o pai.
O quê...?! O peixe não tinha sessenta e oito centímetros?! Logo, o pai tentou a explicação mais simplista: – Sim, porém, mesmo morto, mortinho, hirto, duro, teso, rijo... cresceu, dentro do frízer, mais cinco centímetros, ora! Meu filho tem estrela!
Crônica publicada no jornal Diário da Manhã em 7 de maio de 2011.
• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.
* Por Lêda Selma
Ainda sob os efeitos vibrantes daquela natureza encantada, ungida pelas águas do Rio Paraguai e pelo verde de vários tons a vestir a paisagem pantaneira, lembrei-me dos peixes que não pesquei, e, por tabela, de uma história estapafúrdia, versão avantajada de papo graúdo de pescador. Espere aí, pescador?! Pronto: impliquei com o nome! Assim como impliquei, lá no início de meu conluio internético, com o tal computador (até o troquei por computamor). E tenho razão: existe alegria maior do que a emoção tremulando sobre a vara, enquanto o peixe, atraído pela isca que lhe incita a fome, vai de encontro ao seu destino? Então, qual a dor a ser pescada? Só se for a dele, do fisgado, o peixe. Aí, sim, concordo! Concordo e também entendo por que, em Alagoas, falam seribeiro, no Rio e em São Paulo, piraquara. Naturalmente, para substituir pescador. Claro! Para que fundir alegria com dor? Bem, com dor ou sem dor, à pesca. Antes, ao provérbio: de poeta, médico e louco, todo mundo tem um pouco. E de mentiroso? Hum... muito pesado o termo. Melhor, fantasia. Menos acintosa e mais poética.
Poeta, médico e ment... fantasioso, ele, entre um paciente e um poema, gosta de terapeutizar-se no rio, sempre com os sonhos em ebulição e a tralha a tiracolo. Surgiu ocasião, estrada pra que te quero?!
De certa feita, levou seu filho, garoto esperto, pescador potencial. O rio? O Miranda. Lá no Pantanal Sul onde a beleza também se espalha magnífica, e toma a forma de pássaros, de cores, de sons, de bichos e de poesia.
Vara em riste, isca sedutora e negaceante, emoção à flor dos olhos e o peixe, alheio à sua sina, a rebolar, enfeitiçado e faminto, em direção ao banquete. De repente, o garoto, no alvoroço de seus dez anos, e todo afoito, esgoelou: pesquei, pesquei! E é peixe grande demais!
Para o pai, grande era pouco. Grandenorme aproximava-se mais da estatura do portentoso piau. – Como assim, piau?! – indignava-se. E, com toda a propriedade paterna, insistia em restabelecer a verdade (sua verdade, bem entendido!): – Um senhor piau, com seus sessenta e oito centímetros de lindeza! De tão grande, chegou a ser confundido com um dourado – vangloriava-se, em nome do filho, sem, sequer, vermelhejar a cara (de pau, sem dúvida). Segundo ele, um piau de muito respeito. Para honra e glória do pai, do filho e do espírito manco.
Goiânia toda soube daquele grande feito mirim. E não faltaram as incautas visitas: dos vizinhos, amigos, curiosos...
Não tardou, o orgulhoso pai organizou um encontro à altura do peixe que, mesmo congelado, não perdeu a pose e a importância. Queria exibir a façanha do filho. Uma peixada calharia bem. Não de piau, claro! O tal continuava inteiriçado no frízer, durinho que nem só, à espera da exibição.
Pois é, o momento ansiado aportou na cozinha, sob os olhares céticos dos bisbilhoteiros. Fita métrica à mão, peixe exposto à medição. E, entre um espicha aqui, estica ali, resultado: – Setenta e três centímetros bem medidos e conferidos – alardeou o pai.
O quê...?! O peixe não tinha sessenta e oito centímetros?! Logo, o pai tentou a explicação mais simplista: – Sim, porém, mesmo morto, mortinho, hirto, duro, teso, rijo... cresceu, dentro do frízer, mais cinco centímetros, ora! Meu filho tem estrela!
Crônica publicada no jornal Diário da Manhã em 7 de maio de 2011.
• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.
Entendo essa de "computamor". É a tendinite que a afasta, Lêda Selma da digitação. Mas quem pode mais, sua vontade ou a dela?
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