Partida
* Por Evelyne Furtado
Abre os olhos vê a rosa vermelha no tapete claro ao lado da cama. A memória chega-lhe com imagens e sensações fortes. Olha à esquerda apenas para confirmar a ausência e a dor atinge os restos de esperanças.
A noite não atenuou a dor. Atordoada procura o relógio. Meio-dia. Lembra-se que em seis horas embarcará de volta ao seu país e que precisa chegar com a antecedência recomendada no aeroporto.
A mala aberta e as roupas espalhadas pelo chão denunciam a vontade de ficar. A razão lhe indica que o sonho acabou. Apressa-se no banho, termina de arrumar a mala, apanha a rosa no chão e desce para almoçar no restaurante vizinho. Na volta faz o chek-out e pede um táxi na recepção.
O vôo tem início sem atraso. Ela espera os demais passageiros adormecerem e procura poltronas vaga na parte de trás do avião. Aninha-se em três assentos. Abre a bolsa e retira a flor que havia recebido na noite anterior. Aperta com força as pétalas. Logo não há mais rosa, apenas vestígios de que foi.
Ela confere as horas. Meia noite e o mapa no encosto da poltrona da frente a informa o quanto de Atlântico ainda tinha que cruzar. Fecha os olhos tentando adormecer e percebe que parte de si havia ficado entre os lençóis daquele quarto de hotel.
Fecha os olhos e a imagem dele a invade. Sente-se exausta, mas não consegue dormir um minuto sequer durante vôo. Tampouco adormece ao chegar em casa. Há mesmo quem afirme que nunca mais adormeceu e que passa as noites velando a roseira que plantou.
• Poetisa e cronista de Natal/RN
Partidas de lugares e partidas de nós mesmos. Abandonamos o que até então vínhamos sendo para sermos outro ser, mutantes que somos. E assim, de partida em partida, segue a vida. Melancólico, mas inevitável. LIndo texto, amiga Evelyne.
ResponderExcluirBeleza de comentário, Marcelo! Beijo e obrigada, amigo.
ResponderExcluirEsses adeuses vezes tornam-se tão ou mais marcantes que o durante. Emoção mista de gostosura e tortura do começo ao fim.
ResponderExcluirLembrou-me a música de Maria Bethânia:
"Amanheceu, que surpresa
Me reservada a tristeza,
nessa manhã muito fria.
Seu travesseiro vazio,
provocou-me um arrepio.
Levantei-me sem demora.
E, a ausência dos teus pertences,
me disse, não te convences,
paciência ele foi embora.
Mas no frio apartamento,
deixaste um eco um alento,
da tua voz, tão macia.
E, que erro tu cometestes,
na toalha que esquecestes,
estava escrito "Bom-dia".(de memória, sem pesquisa no Google)
Adorei, Evelyne! Curto e eficaz.
Errata: Esses adeuses algumas vezes se tornam tão ou mais marcantes quue o durante...
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