quinta-feira, 14 de abril de 2011


Defesa da espécie


É muito controversa a questão do pessimismo. Ouço, amiúde, por aí, dizerem que o pessimista é o otimista bem-informado. Discordo. É, isto sim, alguém bastante parcial no julgamento da vida e dos acontecimentos. Enxerga apenas um lado da questão, o negativo, sem atentar para o outro, o positivo, em muito maior quantidade.

Além disso, sua visão parcial e amarga é influenciada pelos hormônios, em detrimento dos neurônios. O pessimismo, como diz o escritor francês Èmile-Auguste Chartier (que assinava seus textos com o pseudônimo de Alain), é humor. Já o otimismo, no seu entender, é vontade. Concordo. O otimista é como é porque quer ser assim. Deseja que as coisas boas lhe aconteçam e essas, de fato, acabam por ocorrer. Vislumbra os dois lados da vida e dos acontecimentos e opta pelo de maior quantidade, relevando o de menor. Todavia “age” para que as coisas aconteçam e não se limita, apenas, a querer isso. Ademais, o pessimista é uma espécie de ave de mau-agouro, que envenena a fé, a esperança e a alegria dos que o cercam.

E o que fazer, então, com ele? Descartar esse indivíduo, como se fosse um robô com defeito? Excluí-lo, liminarmente, da sociedade, não importa por qual meio? Isso só alimentaria, ainda mais, o pessimismo dos que o cercam e produziria novos pessimistas. Devemos, isso sim, tentar convencê-lo, orientá-lo e curá-lo, se for preciso (não raro, as pessoas sumamente pessimistas são vítimas de depressão).

Há pessoas que temem, obsessivamente, a morte (a rigor, todos a tememos), mas não atentam para algo tão terrível (se não pior), que é a “insuficiência de vida”. Vivem de uma forma que é como se já estivessem mortas, embora andem, falem, comam, bebam, durmam etc. Omitem-se do mundo, refugiam-se numa indevassável concha de solidão e temem tudo e todos, sem usufruir, plenamente, dessa maravilhosa aventura que têm o privilégio de encarar por um tempo que sequer desconhecem.

Fogem dos prazeres sadios, como se fossem pecaminosos. Parecem se comprazer no sofrimento, por acharem que devam, com isso, expiar algum pecado original. Abrem mão da alegria, da beleza, das satisfações e dos encantos, aterrorizadas diante do inevitável. Morrem aos poucos, dia a dia, sem que se apercebam. Com isso, jogam suas vidas, que poderiam ser exemplares, no lixo, como algo inútil. Bertholt Brecht recomenda, em um de seus poemas: “Temam menos a morte e mais a vida insuficiente”.

O que fazer com essas pessoas? Deixar que continuem no seu inferno particular e que morram à míngua? Claro que não! Agir assim significaria cometer o imperdoável pecado da omissão. Ademais, todo ser humano, por mais inútil que pareça, é importante. Existem pessoas menos valiosas do que outras, cuja morte não nos faria falta? É lícito tomarmos em nossas mãos o terrível poder de decidir quem deve viver, quem não?

Há situações extremas em que alguns têm que tomar essa monstruosa decisão. Por exemplo, em hospitais superlotados, médicos têm que decidir quem vão tratar e salvar suas vidas e quem deixarão morrer, por falta de recursos para atender a todos. Nos campos de batalha isso ainda é mais comum. Da minha parte, confesso, que jamais tomaria essa terrível decisão. Amiúde, protestamos, até sob risco de prisão e de outros tipos de repressão, contra a extinção de algumas espécies, seriamente ameaçadas de desaparecer da face da Terra. Estão, neste caso, várias famílias de baleias, o tigre asiático, o elefante africano e muitos e muitos outros seres vivos, em virtude da ação predatória do homem. É errada essa atitude? Claro que não! Quem age assim defende, sobretudo, a vida.

Mas das várias espécies ameaçadas, nenhuma corre maior risco de extinção do que a humana. Os indícios estão aí para qualquer um ver e ninguém toma qualquer providência concreta para deter e evitar a deterioração do meio-ambiente. Ademais, o preconceito, um dos piores, se não o pior veneno social, leva multidões a discriminarem povos inteiros, achando que seu desaparecimento não faria falta a ninguém. Equivocam-se os que pensam assim (que são muitíssimos, embora jamais admitam).

A antropóloga Margaret Mead fez a seguinte advertência a respeito desse comportamento preconceituoso, absurdo e doentio, e no entanto tão comum: “Se não formos capazes de defender todas as pessoas, não seremos capazes de defender nada. É como na discussão sobre a triagem – o processo de seleção dos feridos de guerra que devem ou não ser abandonados. Se dizemos ‘nada podemos fazer pelos índios, eles que morram de fome’, acabaremos dizendo ‘nada podemos fazer pelas pessoas de Massachusetts ou da Califórnia’. O que um país faz com a parcela menos importante de sua população, ele acabará fazendo um dia com toda sua população”.

Corremos ou não corremos, portanto, riscos, infelizmente iminentes, de extinção? Qual espécie exige mais atenção para assegurar a sobrevivência? A resposta, paciente leitor, tem que brotar apenas do seu coração, mas com o indispensável auxílio da inteligência, claro.


Boa leitura.


O Editor.

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Um comentário:

  1. Faço parte do grupo dramático. Reafirmo que eu não estou dramática, eu sou dramática. E um tantinho pessimista, mas de uma quantidade que não me imobiliza. Penso no pior, mas busco agir pelo melhor.
    Destaco:
    "Omitem-se do mundo, refugiam-se numa indevassável concha de solidão e temem tudo e todos, sem usufruir, plenamente, dessa maravilhosa aventura que têm o privilégio de encarar por um tempo que sequer desconhecem".
    Pitaco: a palavra "sequer" não faz com que a palavra "desconhecem" devesse ser trocada por "conhecem"?

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